sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Um Homem Bom



Belo filme na praça. Co-produção entre Alemanha e Inglaterra, dirigida pelo cineasta brasileiro Vicente Amorim, a partir da peça e roteiro do escritor britânico C.P. Taylor, "Um Homem Bom" é uma discussão fascinante sobre as pequenas covardias que levam pessoas que não são más a se tornarem cúmplices de mais terríveis atrocidades. No caso, a ascensão do nazismo e o genocídio cometido contra os judeus.

John Halder (interpretado por Viggo Mortensen) é um candidato improvável ao papel de líder nazista. Professor universitário de literatura, ele é um acadêmico competente, mas um poço de frustrações, preso a um casamento infeliz e à mãe doente e inválida. O sogro, nazista convicto, insiste para que ele se filie ao partido.

Mas educado nos valores tradicionais do humanismo europeu, Halder não tem qualquer simpatia pelo extremismo fascista, que bane alguns de seus autores favoritos, como Proust. Debocha de Hitler em conversas com seu melhor amigo, o psicanlista Maurice Gluckenstein (Jason Isaacs, o melhor ator em cena), um intelectual judeu sarcástico e inteligente com quem serviu no Exército alemão na I Guerra Mundial.

Contudo, uma série de fatores vai empurrando Halder para uma convivência cada vez mais pacífica com os novos donos do poder. Ele publica um romance sobre eutanásia que cai nas graças da cúpula nazista, que o convidam a exercer cargos de consultoria altamentes prestigiados para os programas médicos do III Reich. Simultaneamente, Halder se apaixona por uma jovem aluna, Anne, que embora não seja uma admiradora ideológica de Hitler é bastante simpática ao que enxerga como renovação e ímpeto da "nova Alemanha".

O filme cobre quase dez anos da vida de Halder, de 1933 a 1942, e mostra de maneira magistral a queda de suas barreiras éticas com relação ao nazismo, e as mentiras que vai contando para si mesmo à medida que aumenta seu envolvimento com o regime hitlerista, tais como "influenciar o movimento de dentro", "conter os extremistas e dar o rumo certo" ou "sou apenas um consultor". Aos poucos Halder se engaja em atos cada vez mais desprezíveis, de escrever artigos louvando os métodos nazistas a participar dos ataques a judeus na Noite dos Cristais, e finalmente no próprio Holocausto. Nesse processo, ele conhece figurões do III Reich como Joseph Goebbels e Adolph Eichmann.

Naturalmente, a ascensão de Halder no regime é contrabalanceada pelo seu afastamento do melhor amigo, Gluckenstein, cuja vida se torna cada vez mais díficil após a implementação das Leis de Nuremberg, a legislação racista que eliminou os direitos de cidadania dos judeus, culminando com seu extermínio durante a II Guerra Mundial. Halder também se distancia da família e descobre novas energias no relacionamento com Anne, que tem seu lado sombrio no entusiasmo que com que sua nova parceira romântica encara as benesses do regime: promoções, cargos, status.

Halder é o protótipo para tantos "bons alemães" que acabaram aderindo ao nazismo. Ele tem muitos dos elementos dos heróis tradiconais: é habilidoso em seu campo profissional, tem valores éticos razoavelmente sólidos. Mas é inseguro, enfrenta dificuldades sérias, sucumbe a pressões. Falhas talvez contornáveis em períodos políticos de maior estabilidade, mas que levam à tragédia na epoca demoníaca em que lhe coube viver. Sem dúvida, um excelente filme, roteiro inteligentíssimo e uma bela direção de Amorim - sua seqüência final é inesquecível, com um toque de gênio.

3 comentários:

Unknown disse...

Paz, bem e feliz 2009!

Quiçá seja interessante
fazer um paralelo entre este filme
e Mephisto (1981) dirigido por István Szabó.

Maurício Santoro disse...

Caro Eugenio,

Infelizmente nunca assisti a Mephisto, mas pelo que ouço falar do filme, é de fato bastante parecido. Vou colocá-lo na minha lista de DVDs para 2009, junto com outro do Szabó, "Coronel Redl".

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Na Argentina temos a analogia com a gente "boa" que näo queria saver o que estiva acontecendo. "¿Para qué vas a averiguar, si es para meterte en problemas? Dejalo, ¡Andá a saber qué habría hecho!".
A última novela que li foi sob o tema do Proceso. "Los Lugones" de Sandra Merkin. Gostei, refleja muito bem a situaçäo da "gente como uno" nos fins dos '60 e nos '70, com o crecimiento progressivo dos Montoneros ao longo desse tempo.
Saludos!