quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Nação, Território e Conflitos
Nunca antes na história democrática deste continente houve tantos conflitos em torno de recursos naturais e controle de território. Na mesma semana tivemos a eclosão de mais um ciclo de rusgas entre Colômbia e Venezuela, e outra rodada de embates entre Chile e Peru. Além disso, persiste a disputa entre Argentina e Uruguai em torno do uso das águas do rio que divide os dois países. Todas estas questões extrapolaram os canais convencionais de diálogo e negociação bilaterais e com frequencia resultaram na mediação de instituições internacionais ou terceiros países.
É um comportamento político discrepante das expectativas das teorias de relações internacionais. Elas nos dizem que a conjugação de processos de integração regional com a democratização dos países da América Latina deveriam ter levado a um cenário mais calmo e estável. De fato, isso foi o que aconteceu nos anos iniciais do retorno da democracia. Por exemplo, a ditadura militar da Argentina quase foi à guerra contra o regime autoritário do Chile, e manteve um tenso conflito com o do Brasil, tentando impedir a construção da usina de Itaipu. As mudanças políticas no Cone Sul provocaram a resolução dessas questões e um grau bastante elevado de entendimento entre os três países, inclusive em áreas extremamente sensíveis como a energia nuclear, e na aprovação pelo povo argentino, em plebiscito, de um acordo com o governo chileno de Pinochet que resultou em perda territorial para o país.
Os raros conflitos territoriais da década de 1990 pareciam confirmar a regra da “paz democrática”, como foi o caso da Guerra do Cenepa entre Peru e Equador, que envolveu o regime autoritário do peruano Alberto Fujimori. Democracias não fazem guerras entre si, prega a teoria, e o bom senso e a liberdade de expressão terminam por levar a compromissos nos quais cada lado cede uma parte.
O que houve na década de 2000 para reverter essa tendência progressista e trazer novamente à agenda pública ataques de nacionalismo grosseiro e estridente, que pareciam enterrados com as ditaduras militares do continente? A meu ver, é uma mistura de causas que envolvem transformações na economia internacional e no jogo de conflitos doméstico.
Do ponto de vista global, a ascensão de uma China faminta pelas commodities latino-americanas deu novo valor aos recursos naturais do continente, aumentando também a atratividade do prêmio para quem os controla. Passou a ser interessante, por exemplo, que Chile e Peru disputem os limites marítimos de uma área rica em minérios e pesca, e que o Uruguai invista pesadamente na produção de celulose, mesmo diante da preocupação da Argentina com o impacto ambiental e a perda do turismo.
Na perspectiva do conflito doméstico, os anos recentes foram marcados por polarização política, sobretudo nos países andinos e pela ascensão de novos movimentos de esquerda que não usam mais a linguagem tradicional da luta entre classes sociais, recorrendo a estratégias de retórica e mobilização que se valem de categorias mais abrangentes como “nação” e “povo”, construídas em oposição a inimigos externos (sobretudo os Estados Unidos, mas também Colômbia ou Chile), ideologias (“neoliberalismo”, “imperialismo”) ou às elites nacionais. Em grande medida essas mudanças refletem transformações na estrutura econômica: não faz mais sentido falar na organização do proletariado em países onde a maioria dos trabalhadores pobres migrou para o setor informal, em quadro de extrema precarização do emprego.
Nada mobiliza mais uma nação ou povo do que a identificação comum contra um inimigo externo e a causa da defesa do território nacional tem sido bastante adotada por Hugo Chávez em suas diatribes contra a Colômbia, os Estados Unidos e no uso da antiga disputa territorial com a Guiana. Se essa estridência nacionalista é compatível com a preservação da paz e da democracia na região, só o tempo dirá, mas os exemplos históricos não nos autorizam otimismo.
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10 comentários:
Prezado Mauricio, estados democraticos ou com mais inserção sempre foram a guerra desde quando o nome pejorativo a um grupo na grécia antiga tornou-se algo positivo, Atenas, Roma (república), Inglaterra, França, EUA, Alemanha.
O que existe são projetos de nação que muitas vezes se sobrepõe, o que vemos não é uma exarcebação causada por furores populistas ou nacionalistas, mas a entrada em cena de todos países de camada antes marginalizadas pelo crescimento, isso na América Latina sempre foi problema vide México pré-revolucionário, por vários motivos entre eles os principais da baixa adesão do sistema a movimentos socias...que faz um clima de beligerância social permanente interno, e como na guerra do Peloponeso...os "democratas" vêem os grupos do poder em outros países como aliados das oligarquias ou dos revolucionários dependendo quem esteja no poder...o caso mais sugeris é o Lugo...que vê atualmente enxerga a ameaça como sendo dos Bolivarianos, já os grupos conservadores o Brasil. E nave se move.
Abs.
Erratinha: No caso de Atenas eram outras polis.
Salve a todos!
democracias tendem a ser agressivas, mas contra regimes não-democráticos. O que existe de mais próximo de lei empírica em política internacional é a teoria da paz democrática. Somente dois irritantes se não em engano. Uma geurra entre EUA e Inglaterra em 1812 (curta duração) e alguns argmental que a Guerra da secessão seria também um exemplo, pois ambos os lados eram independentes de fato.
o problema é mesmo no conceito. Congo, Coréia do Norte e outros Estados pouco democráticos tem "democracia" em seus nomes oficiais. Complicado!
Prezado Helvécio, infelizmente nem sempre são agressivas contra regimes autoritários, se vc considerar o grau de intervenção americano no XX em alguns países e devido a seu poder em zona de influência, veremos que fomentaram golpes até ajuda de dinheiro e tropas. Para legitimar essa "guerra" utilizaram-se do apoio de setores oligarquicos para sua intervenção, a história de Roma tem o mesmo padrão até Cicero dizia que dominaram o mundo por um acaso defendendo seus aliados que poderiam ser reinos/cidades-estados ou grupos dissidentes da opressão dos vizinhos mais poderosos.
Agora que caiu o muro de Berlim...acredito ser possível lembrar desses fatos que são descritos como atos de guerra...acredito que até na Arte da Guerra do Sun Tzu sem uma discussão pró este ou aquele modo de produção.
Caro Marcelo,
A teoria diz que democracias não fazem guerras entre si, como explicado pelo Helvécio. Com relação às operações bélicas que lançam contra outros regimes, é consenso que ocorrem em quantidade bastante elevada, como os exemplos que você citou.
O México é um caso muito interessante, pois a mobilização popular da Revolução foi canalizada para medidas nacionalistas na economia, e no conflito com os EUA, mas o país teve uma política regional marcada pela defesa radical da não-intervenção, e por bom convívio com os vizinhos centro-americanos.
abraços
Prezado Mauricio,
Apesar de fora do debate acadêmico a bons anos, eu sei que a teoria é antiga, mas se não estou enganado o Robert Dahl é o autor que advoga com mais firmeza essa tese hoje em dia (se ele tiver vivo), utilizando de Kant que tinha como pressuposto a idéia que na república com a separação entre poderes prevaleceria o Estado de Direito e todos seriam governados por homens racionais isso dificultaria a guerra entre Estados.
Só que para Kant posso estar enganado o estado de beligerância e apoio a golpes internos é guerra, a bem da verdade que não é só o R. Dahl que não enfrenta a questão essa contextualização histórica.
Mas, sobre a questão mexicana, lembro-me das discussões dos anos 90 além dos discursos, a arte dos muralistas tentam demonstrar que existe uma cultura comum entre os países hispânicos e o México seria o grande herdeiro de toda essa cultura...mas como a ascensão do movimentos sociais levou a um impasse, precisou-se conter a agressividade aos vizinhos ou o discurso hegemonico em parte pelo poder americano e por outro lado o medo do bonapartismo...apesar de um certo cuidado eu diria que os girondinos mexicanos não quiseram cometer os mesmos erros dos "seus iguais" franceses do século XVIII que ao nunca conseguirem assegurar fronteiras estáveis para não alimentar mais radicalismo de todos os lados.
Mas a tese é longa...e meus tempos de universidade já se foram a muito tempo para sorte dos professores e dos companheiros alunos...
Mauricio, sou jornalista e gostaria de entrevistá-lo sobre as próximas eleições na AL, para um diário aqui de Porto Alegre.
Poderia me mandar teus contatos, pelo email dbcassol arroba gmail ponto com?
Marcelo,
Você não entendeu o que eu disse. A teoria afirma que contra regimes não democráticos em uma díade, as democracias são tão violentas quanto os regimes autoritários. As intervenções norte-americanas na América Latina não invalidam a teoria, pois não se caracteriza guerra.
Não acho a comparação com Roma válida, pois a teoria da paz democrática é contemporânea, pelo menos a que o Maurício se refere. COm aplicação na política internacional desde o fim da 2ª guerra. Não estou falando das origens Kantianas, mas sim da teorização moderna.
Foi reforçada graças aos estudos do Karl Deutsch sobre a comunidade transatlântica. Um estudo sobre ausência de guerra entre países que compartilhavam mesmas instituições políticas. "comunidades de segurança" OTAN. Mas pode haver comunidades de segurança entre regimes não-democráticos, mesmo que morram depois.
abraços.
Salve, Marcelo.
O principal teórico moderno dessa corrente é o Michael Doyle, as idéias ganharam força após o fim da Guerra Fria.
O México é, de fato, um dos arautos da integração latino-americana, mas esse ideal também é muito forte em países como Colômbia, Venezuela, Peru e Chile, para citar apenas alguns dos envolvidos nos conflitos atuais. A coisa é complicada.
Daniel,
Enviarei um email para você, seguimos em contato.
Abraços
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