terça-feira, 27 de julho de 2010

Afeganistão: os documentos secretos



O site Wikileaks divulgou 90 mil documentos militares secretos sobre a guerra no Afeganistão. A operação foi conduzida em parceria com os jornais New York Times (EUA), The Guardian (Reino Unido) e com a revista Der Spiegel (Alemanha), e obteve enorme repercussão internacional. As fontes trazem uma revelação surpreendente: a de que os Talibãs adquiriram mísseis terra-ar (SAM, no jargão das Forças Armadas) e usaram esse equipamento para abater um helicóptero. Os demais dados são menos espetaculares, mas pintam retrato mais sombrio da guerra no que diz respeito ao número de vítimas civis do conflito, aos erros cometidos pelas tropas da OTAN e ao apoio dos serviços de inteligência do Paquistão aos insurgentes. A divulgação dos documentos vem num momento politicamente delicado, com a terceira mudança do comandante da guerra em um ano, e diversos problemas para o governo dos Estados Unidos com relação ao aparato de segurança construído a partir do 11 de setembro.




O inferno astral de Barack Obama no Afeganistão começou no fim de junho com a polêmica entrevista do general Stanley McChrystal à revista Rolling Stone, na qual o militar faz declarações agressivas e desrespeitosas a praticamente toda a cúpula política e diplomática do governo americano. Resultado: McChrystal foi exonerado, e para seu lugar foi enviado o general David Petraeus, que havia tido excelente desempenho no Iraque. Mas o estrago já estava feito, com a quebra da disciplina e o fato – raro, nos EUA – de um alto oficial militar criticando publicamente seus superiores civis.

Poucas semanas após a entrevista explosiva de McChrystal, foi a vez do Washington Post publicar longa investigação sobre o crescimento dos serviços de inteligência dos Estados Unidos após o 11 de setembro. As conclusões do jornal são sombrias: a expansão da burocracia no setor aconteceu sem controle (1.271 organizações), criando uma ampla zona cinzenta de ação governamental sem supervisão adequada, e com muitas empresas privadas (1.931) executando serviços na área, em contratos eticamente duvidosos.

Na TV brasileira, tivemos a excelente entrevista do historiador Chalmers Johnson ao programa Milênio, da GloboNews, na qual ele analisa o cenário atual e comenta que os governantes dos EUA se tornaram muito dependentes dos militares de carreira, em função das guerras no Afeganistão e no Iraque, e que isso estaria gerando um sentimento de arrogância e superioridade nas Forças Armadas – o próprio Johnson foi oficial da Marinha e analista da CIA. Ele compara o fascínio dos Estados Unidos com generais cheios de medalhas ao tipo de atitude que se encontra numa República de Bananas.

Me pergunto se essa sucessão de crises não levará a alguma forma de novo olhar da sociedade americana sobre o aparato militar e de segurança do Estado. Tomara que sim.

12 comentários:

Anônimo disse...

Santoro, old chap, como você tá?

Rapaz, dá uma lida no artigo que o Kaplan escreveu na Slate, a respeito:

http://www.slate.com/id/2261780/pagenum/all/#p2

Me parece que ele deu uma boa minimizada no conteúdo desses documentos.

Abração.

Gabriel Trigueiro

Maurício Santoro disse...

Caro,

Concordo com o Kaplan que não se trata do Pentagon Papers, mas a questão é que aqueles que "estão prestando atenção" são poucos, muito poucos neste momento, e a divulgação dos documentos pode ajudar ao menos em parte nesse debate.

Vamos ver o Ozu no fim de semana? Temos que falar com seu xará.

Abraços

Mário Machado disse...

Devo admitir que achei a repercussão exagerada. Mas, como vc bem colocou Maurício, nós prestamos atenção a esse assunto. Quem não percebe a crueza da vida internacional pode ter sido uma surpresa.

Muita gente chocada com as operações de assassinato de líderes insurgentes, quando isso sempre me pareceu lógico (não é bonito de escrever, isso é fato).

Abs,

Anônimo disse...

Caríssimo,

Acho que vai ficar difícil pra mim.

Tô com um volume muito grande de coisas pra ler no fim de semana.

Entretanto, se tudo der certo, ligo pra você e pro nosso amigo.

Abração.

Gabriel Trigueiro

Maurício Santoro disse...

Salve, Mario.

Até agora, os impactos mais imediatos foram ter colocado o governo Obama (ainda mais) na defensiva sobre a guerra, e ter irritado bastante as autoridades do Paquistão.

Gabriel,

Não se preocupe, combinamos outra coisa, talvez um café pelo Odeon.

abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Como sempre, informando-me com você.
Por caso, cómo conseguiram os talibãs os mísseis? Quem saria o mais probável provedor?
Beijos!

Patricio Iglesias

brunomlopes disse...

Quer dizer que o mais surpreendente foi a derrubada de um helicóptero pelos Talibãs? Perto do Morro dos Macacos também derrubaram um.

Falando mais sério, o governo dos Estados Unidos me parecem ter duas faces: internamente são a democracia mais vigorosa do mundo, mas externamente seus militares estiveram envolvidos em TODAS as principais guerras do século 20. Torço para que esse complexo militar (acrescido do anti-terrorista) seja contido, ou ainda veremos um general americano fazendo como César fez com o Senado romano. Tomara que nunca vejamos esse Rubicão ser atravessado.

Maurício Santoro disse...

Ha ha ha... É verdade, Bruno. Mas os traficantes do Rio são profissionais!

Patricio, não sei quem forneceu os mísseis, mas os candidatos mais prováveis são o Paquistão e o Irã.

Abraços

Anônimo disse...

"e a divulgação dos documentos pode ajudar ao menos em parte nesse debate."

Já está ajudando, meu velho. Já está ajudando.

http://www.nytimes.com/2010/07/29/opinion/29kristof.html?th&emc=th

Abração,

Gabriel Trigueiro

Maurício Santoro disse...

Salve, Gabriel.

Pois é, o governo Obama está apanhando de todos os lados, e o consenso é que o aumento brutal dos gastos e das tropas não resolveu em nada a situação no Afeganistão.

Abraços

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Não é que o governo Obama apanha de todos lados, é um governo ruim em termos de política externa.

Por sinal essa semana ainda perdeu o John Limbert que parece jogou a toalha...sei não acho que tudo indica que teremos uma terceira guerra em breve no OM.

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

Pois é, o Obama tem desapontado muita gente.

Limbert foi uma grande perda, era provavelmente o diplomata americano que melhor conhecia o Irã.

Concordo que há guerra a caminho no Oriente Médio, mas meu palpite é que será um novo conflito no Líbano.

Abraços