sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Fidel: revolução, armas nucleares e golfinhos



A revista americana The Atlantic publicou nesta semana ótima reportagem do jornalista Jeffrey Goldberg. É um especialista em Oriente Médio que foi convidado por Fidel Castro a visitá-lo em Cuba. Curioso com a oportunidade, aceitou e levou junto Julia Sweig, do Conselho de Relações Exteriores – suas análises são excelentes e sucintas: Fidel deixou a chefia do Estado cubano há quatro anos, em função de sua saúde precária, e agora quer se reinventar como um sábio estadista que comenta os principais temas da agenda internacional, em particular os conflitos entre Israel e Irã. Ele também avalia de modo muito crítico a própria Revolução cubana, afirmando que seu modelo não serve mais nem mesmo para a ilha. Para Sweig, trata-se de uma declaração que visa dar a seu irmão Raúl Castro autonomia para lançar reformas econômicas mais amplas, que se distanciam da ortodoxia marxista.

O exame que Fidel faz do Oriente Médio se destaca pela moderação – recrimina o presidente iraniano, Mahmoud Ahamadinejad, por seus comentários antissemitas e afirma que é necessário compreender o trauma das perseguições aos judeus para entender as intensas preocupações de Israel com sua segurança. Aponta como meta final na região o abandono das armas nucleares por todos os países da área e relembra inclusive a crise dos mísseis cubanos de 1962, talvez o momento em que o mundo esteve mais próximo de um apocalipse atômico. Diz que se arrepende de ter pedido ao líder soviético Nikita Kruschev para bombardear os EUA: “Não valia a pena”.

As críticas de Fidel ao modelo econômico da Revolução Cubana são menos surpreendentes do que parecem à primeira vista. Castro, sempre pragmático, foi decisivo em iniciar diversas reformas, já em meados da década de 1980. Nos anos seguintes, montou uma equipe de jovens tecnocratas, que promoveu a postos de chefia no Estado, para implementar a política de abertura controlada da economia cubana, em certa medida semelhante ao que China e Vietnã empreenderam no mesmo período.
A principal diferença de Cuba para essas nações asiáticas é a agricultura, onde o paradigma das fazendas estatais continua a vigorar e criou um problema sério para a balança comercial – um persistente déficit que vem da necessidade de importar grandes quantidades de alimentos. Raúl Castro anunciou recentemente algumas reformas econômicas, principalmente no sentido de demitir funcionários públicos e estimular pequenos negócios. Mas é pouco diante dos problemas da ilha.

A questão mais séria que Fidel deixou de abordar foi a das liberdades civis e políticas em Cuba. Bem ou mal, houve reformas econômicas significativas nos últimos 20 anos, mas pouca coisa aconteceu em termos de abertura política. Raúl, nesse aspecto, representa um retrocesso: afastou tecnocratas e trouxe de volta generais e velhos quadros do Partido Comunista.

Fidel preferiu levar Goldberg para ver um show de golfinhos – excelente, segundo o jornalista. O aquário estaria fechado, mas na melhor tradição caudilhesca, abriu exclusivamente para o chefe e seus convidados. A veterinária é filha de Che Guevara, o que talvez seja um símbolo de alguma coisa. Só não sei do quê.

4 comentários:

Carolina disse...

Alguém já disse que "quanto mais conheço as pessoas, mais eu gosto dos golfinhos"...
Brincadeiras à parte, será que o sonho de todo governante/ex-governante é ser conhecido ou reconhecido como estadista?
Até que ponto essa declaração de Fidel está ligada a um projeto pessoal, ou a uma tentativa de preparar o cenário para mudanças no regime cubano, sem que o regime em si perca (mais) credibilidade e se veja obrigado a mudar a si mesmo?

Maurício Santoro disse...

Querida,

Juro que não fui eu que pautei o Fidel :=)

Mas golfinhos são animais simpáticos.

Acho que é como você disse, e ele está lançando as bases para mudanças no regime, mesmo que limitadas à economia.

beijo

Marcus Pessoa disse...

Bem, houve a libertação dos presos políticos. Não estou acompanhando o noticiário e não sei se todos já foram libertados, mas, pelo que sei, a lista era exatamente a dos 50 e poucos presos de consciência da Anistia Internacional. Assim, o governo se livra de um dos principais problemas de direitos humanos.

Mas isso ainda é muito pouco. Um gesto mais claro de abertura política seria desejável.

Talvez Raúl esteja observando o quanto o governo Obama tem sido conservador na política externa. E ache que um gesto mais claro em direção a um diálogo com os EUA não teria grande resultado.

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcus.

Ainda existem pouco mais de 100 presos políticos em Cuba, mesmo depois das libertações das últimas semanas. Acredito que há espaço para resolver de vez os problemas, e que os países latino-americanos poderiam tomar a frente do processo.

Você tem razão quanto à diplomacia do Obama e as perspectivas para um diálogo EUA-Cuba estão muito fracas.

abraços