segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Intumbable?



A última moda em Caracas é a venda de um boneco do presidente Hugo Chávez ao estilo “João Bobo”. Chamado de “Intumbable”, representa a capacidade do mandatário venezuelano em sobreviver a diversas crises políticas, desde que foi eleito em 1998. As eleições parlamentares realizadas ontem são uma nova prova para Chávez. Embora os números ainda não estejam confirmados, já está claro que a oposição conquistou mais de 1/3 das cadeiras e talvez tenha recebido a maioria do voto popular. Isso significa que pela primeira vez o presidente não terá a maioria absoluta na Assembléia, necessária para aprovar as decisões mais importantes, como a nomeação de juízes. Os dois anos até a próxima disputa presidencial terão no parlamento um local privilegiado de luta.

Entre 1958 e 1998 a Venezuela foi governada por dois partidos que dividiam os espólios do Estado por meio de um pacto político oligárquico. O acordo começou a desmoronar na década de 1980, com a queda dos preços internacionais do petróleo, e os líderes tradicionais do país simplesmente não conseguiram entender o fenômeno de popularidade de Chávez. Entre 1999 e 2005 a oposição do carismático presidente tentou um golpe militar, uma greve geral, boicotes eleitorais e tudo o que conseguiu foi ficar excluída dos principais espaços de decisão nacionais, inclusive o parlamento.

Nas eleições de ontem, a maior parte da oposição concorreu unida numa coalizão de sete partidos, a Mesa da Unidade Democrática, que se beneficia das dificuldades de Chávez com problemas cotidianos, como economia e criminalidade (há outros partidos oposicionistas fora dessa aliança, como o esquerdista Patria para Todos).



A candidata oposicionista mais importante é Maria Corina Machado (acima), que tem chamado a atenção pela beleza. Seu discurso é o clássico liberal-democrático: melhorar a fiscalização e prestação de contas das autoridades, promover a descentralização do poder político. Parece programa de ONG, e de fato ela veio dessa área. Seu maior obstáculo é sua vinculação às elites tradicionais venezuelanas – é filha de um ex-ministro do presidente que Chávez tentou depor em 1992, com um golpe militar. Não sei o que será a política venezuelana pós-chavismo, mas é improvável que tenhamos um retorno ao jogo clássico dos dois partidos.

Chávez sempre reage aos revezes eleitorais mudando as regras e não tem sido diferente nos últimos anos, quando começou a sofrer problemas nas eleições locais. Ele alterou os distritos eleitorais de modo a privilegiar as zonas do interior, onde é mais forte, e diminuir o peso das grandes cidades, nas quais a oposição cresceu. Daí a discrepância entre o grande número de votos oposicionistas e o número de cadeiras relativamente modesto. Em suma, algo muito semelhante ao que a ditadura militar brasileira fez em meados da década de 1970.

O presidente também tem reforçado a centralização política – uma constante em seu governo – revertendo muitas das reformas que haviam sido implementadas nos anos que antecederam sua chegada à presidência. Ele está criando uma guarda nacional que substituirá as polícias municipais, e também discute a formação de “comunas”, unidades administrativas que atravessarão o território usual de municípios e estados e estarão subordinadas diretamente ao Executivo.

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