segunda-feira, 11 de abril de 2011

Humala e a Carta ao Povo Peruano



No domingo ocorreu o primeiro turno das eleições presidenciais no Peru e o vencedor com 28,7% foi o tenente-coronel da reserva Ollanta Humala (foto), que em dez anos de ativismo político transformou-se de um militar inspirado em Hugo Chávez para o defensor de uma proposta de reforma social bastante próxima à de Lula. Em segundo lugar, com 22,7%, ficou Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, atualmente preso por corrupção e organização de esquadrões da morte. Ela ficou cerca de 1% à frente do terceiro colocado, o economista Pedro Pablo Kuczynski, que trabalhou em Wall Street e no FMI. O ex-presidente Alejandro Toledo amargou o quarto lugar. Os resultados mostram a contradição peruana de excelente desempenho econômico – foi o país que mais cresceu na América do Sul na década de 2000 – com a fragilidade do sistema político, sobretudo dos partidos tradicionais. O governo de Alan García sequer apresentou candidato oficial.

O escritor peruano Mario Vargas Llosa, liberal na política, que perdeu a disputa presidencial para Fujimori, comparou optar entre Humala e Keiko como “ter que escolher entre a Aids e o câncer”. É boa frase de efeito, mas trata-se, afinal, da comparação ente uma doença grave, porém com cura, e outra que está além disso. O envolvimento de Humala com Chávez, e as atividades extremistas de sua família (seu irmão, também oficial do Exército, liberou uma tentativa de golpe contra Fujimori e o pai comanda um movimento nacionalista com rompantes xenófobos) provaram-se nocivos para sua ascensão política. Durante a presidência de Toledo, Humala foi enviado para um exílo dourado como adido militar na França e na Coréia do Sul. Perdeu as últimas eleições presidenciais para García, mas obtendo ótima votação, sobretudo no Trapézio Andino, a região mais pobre do país.

A derrota foi boa conselheira e Humala mudou a linha política. Contratou publicitários e ativistas do PT, que construíram uma campanha semelhante a de “Lula paz e amor” em 2002. O militar peruano trocou os uniformes camuflados e as camisas vermelhas por paletós e discretas blusas azuis – tradicionalmente, a cor dos partidos conservadores na Europa. Divulgou uma “Carta ao Povo Peruano” preconizando o compromisso com uma estratégia gradual de mudança, centrada na ampliação do mercado consumidor doméstico. Naturalmente, pode-se questionar a sinceridade de suas convicções, ou a capacidade de implementá-las diante da instabilidade política do Peru. Mas a transformação da retórica é, em si mesma, signficativa e mostra que o modelo Lula superou a alternativa bolivariana de Chávez como projeto de mudança na América do Sul, mesmo nas nações mais pobres.



Humala segue com alta rejeição, mas esse também é o problema de sua adversária, Keiko Fujimori – na foto acima, com o pai. O ex-ditador ainda é admirado por muitos peruanos, que valorizam o sucesso de sua campanha contra o Sendero Luminoso e o Tupac Amaru, e celebram seu bem-sucedido plano econômico que derrotou a hiperinflação. Mas a implementação de um regime autoritário em 1992, a criação de grandes esquemas de corrupção e a violência política de seu governo foram imperdoáveis para muitos. Sua prisão e condenação foi expressiva vitória para a frágil democracia peruana.

Se a imagem de Fujimori pai é controversa, Keiko tem outra carta para lançar: apresentar-se como a principal defensora de políticas econômicas liberais, com o argumento de que foram elas que garantiram o alto crescimento do país nos anos 2000, a obtenção do grau de investimento e o acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Tentará explorar ao máximo o medo que muitos sentem de Humala como alguém que, sob a máscara da moderação, colocaria em prática o modelo chavista. O segundo turno será no dia 5 de junho e até lá veremos uma disputa acirrada no Peru.

8 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Sem dúvidas, o segundo posto pra a Keiko tranquiliza muito ao Humala. Se houvesse sido PPK, Castañeda ou Toledo as coisas sariam muito diferentes.
Creio que a Keiko não tem probabilidades altas contra um Humala moderado, sendo que quase ganhou (obtendo mais do 47%) contra um Alan Garcia quando ainda tinha "roupagem chavista". Você qué opina?
Abraços

Patricio Iglesias

Marcelo l. disse...

Prezado Mauricio,

O modelo peruano é bom indices econômicos com pouco ganho para população, isso gera uma insatisfação enorme por que a discrepâncias aumentam... e na hora que estoura a economia quem paga no caso peruano não ganhou nada, assim como foi no Brasil dos anos 1970.

Menos que partidos frágeis é a contradição entre governar para o mercado sem políticas públicas inclusivas, o resultado é o que vemos no Peru, ressentimento e fortes tensões sociais com uma divisão que tornará muito difícil o futuro (se ganhar claro) governo Ollanta Humala, já que não vejo os setores que ganharam até aqui todo o bolo abrirem mão de um pequeno naco.

Abs

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Concordo com você. Keiko no segundo turno foi um grande presente para Humala. O que ele precisa fazer é apenas convencer os eleitores de que sua mudança moderada é real. Já sua adversária, com o pai na cadeia, tem tarefa bem mais árdua...

Caro Marcelo,

O curioso é que o alto crescimento da economia peruana foi acompanhado por melhoria das condições de vida. Não foi a 8a maravilha do mundo, mas aconteceu. Ainda assim, os governos do boom, de García e Toledo, foram de baixa popularidade.

abraços

Anônimo disse...

Jogador, desculpe o comentário off.
Conhece algum texto ou reportagem interessante sobre a política externa Dilmista? mudanças em relação ao antecessor, etc.

Sobre direitos humanos li o seu texto, mas gostaria de ler mais.

abraços,

Helvécio.

Mário Machado disse...

Dr.

Se me permitir o gracejo pelo lado do trocadilho uma mulher mandando no Peru de certo é mais interessante..

(essa foi triste eu sei, mas não dá pra ser sério sempre)

Abs,

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Ainda não li nenhum balanço desse tipo, o mais próximo foi uma entrevista dela à revista Política Externa, durante a campanha presidencial. Mas nesse texto ela basicamente repete os pontos principais da diplomacia de Lula.

Caro Mário,

Depois de Argentina, Brasil e Chile, suponho que elas aprenderam a gostar do jogo! :=)

Mário Machado disse...

Helvécio,

Talvez lhe seja útil.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/04/110407_dilma_politica_externa_rp.shtml?print=1?print=1

Abs,

Anônimo disse...

obrigado Mário. Mas a BBC é minha página inicial...kk

Helvécio.

Jogador,

Vou ver se reativo o blog agora:
http://animusdominandi.blogspot.com/

Esse mês vai sair um texto meu na revista, depois te envio.

abraço.
Helvécio.