sexta-feira, 20 de maio de 2011
Um Conto de Duas Primaveras
Nesta quinta Barack Obama discursou no Departamento de Estado, em Washington, num esperado pronunciamento sobre as revoltas árabes. A fala foi correta, sem ser inspiradora. Elogiou os movimentos pró-democracia, louvou o papel das novas tecnologias de informação e prometeu apoiar as sociedades civis da região, sobretudo com cooperação para o desenvolvimento econômico. Criticou duramente os ditadores inimigos, como Kadafi e Assad, e afirmou que a violência no aliado Bahrein tem que parar, mas não mencionou a Árabia Saudita. Não fez o mea culpa da relação dos EUA com os regimes autoritários no Oriente Médio e Norte da África. O ponto de maior destaque do discurso – e provavelmente o que irá gerar mais controvérsia – é o endosso americano à proposta palestina de um Estado independente nas fronteiras de 1967, antes da Guerra dos Seis Dias.
A primavera árabe repercute com força na Palestina. Impulsionou um pacto entre Fatah e Hamas, que nos últimos anos travaram guerra civil pelo controle da Faixa de Gaza. Provocou os maiores protestos no dia da Nakba – “a catástrofe”, o nome que os árabes dão ao dia de criação de Israel. E deu novo alento a proposta dos palestinos para que a ONU reconheça seus territórios como Estado independente, na próxima Assembléia Geral, em setembro. Diversos países já o fizeram, inclusive o Brasil. Esses desdobramentos acontecem num momento difícil das relações do governo Obama com as autoridades israelenses, com a demissão de seu enviado especial ao Oriente Médio. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu criticou a posição de Obama e tem afirmado com frequência que qualquer negociação com os palestinos não pode excluir os assentamentos dos colonos isralenses na Cisjordânia – que ficam para além da fronteira pós-1967.
O discurso de Obama desta quinta dialoga com seu pronunciamento do Cairo, há dois anos (abaixo, os trechos principais). Naquela ocasião, ele centrou sua exposição na defesa do Islã, ressaltando as muitas contribuições dessa religião para a civilização. Propôs um “novo começo” nas relações entre os Estados Unidos e os países muçulmanos. Em grande medida, essas promessas falharam.
O discurso de ontem coincidiu com a aula sobre o governo Obama que dei no meu curso de política externa americana no MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Os alunos gargalharam quando Obama jura que vai fechar Guantánamo em poucas semanas. Chamei a atenção deles para dois pontos importantes no contraste entre as falas das duas primaveras. No Cairo, Obama caminha ao lado de Hosni Mubarak – o mesmo ditador que os egípcios depuseram em fevereiro. E ontem, a ênfase da exposição não foi na religião, mas na democracia. Em apenas dois anos, muita coisa mudou no mundo, e os Estados Unidos correm para tentar entender essas transformações.
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4 comentários:
Interessante que um dos poucos discursos de Obama que tem realmente substância não virou "Histórico" automaticamente.
Interessante ele ter citado o Bahrein e o Iêmen ainda que tenha pisado em ovos de avetruz.
Abs,
Maurício,
O discurso dos EUA é sempre o mesmo. Em nome da Democracia se pode tudo, até mesmo matar terrorista, derrubar ditadores...
Até quando eles vão querer serem os "donos do mundo"?!
Abs.
Salve, Mário.
Ainda acho que Obama evitou muitos temas espinhosos no discurso e perdeu boa oportunidade para mea culpa sobre ditadores, mas havia coisas importantes em sua fala, e impressiona como o tema Israel-Palestina dominou a repercussão nos últimos dias.
Cara Karin,
Acredito que ainda veremos muitas contradições entre EUA, países arábes e democracias, em especial quando os novos regimes no Egito e na Tunísia começarem a formular políticas externas mais autônomas com relação ao Oriente Médio e Norte da África.
abraços
E hoje (ontem?) foi o dia da grande réplica de Netaniahu. Confesso que estou espantado. Tem algo de chocante um chefe de governo estrangeiro ser mais ovacionado no Congresso, e da forma pela qual a Casa se mostrou seduzida por ele.
Acho que a habilidade do Obama em outros campos não vai se repetir no caso Israel-Palestina. O que talvez seja bom, desde que alguns grupos palestinos não resolvam fazer alguma besteira.
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