O juiz começou sua carreira na década de 1980, nos difíceis anos de transição para a democracia. Ele esteve à frente de casos turbulentos envolvendo terrorismo no País Basco e na Galícia, e em diversos processos contra o crime organizado. Nessas situações tornou-se muito próximo de diversos juízes da Itália, que investigavam a Máfia, e foram dessas articulações que nasceu seu interesse pelo Direito Internacional.
Garzón tornou-se conhecido mundialmente em 1998, quando o ex-ditador do Chile, Augusto Pinochet, foi preso no Reino Unido por conta de um mandado expedido por ele. Garzón se baseou na jurisdição universal prevista na Convenção da ONU contra a Tortura, de 1985. Antes dele, antigos governantes de regimes autoritários já haviam sido julgados em seus próprios países, sobretudo na Grécia e na Argentina (em muito menor grau, em Portugal), mas o seu foi o primeiro processo internacional desde os tribunais de Nuremberg e Tóquio, ao fim da Segunda Guerra Mundial. Ele inspirou uma série de ações semelhantes, em particular no trabalho do Tribunal Penal Internacional, que foi criado em 2002. Para entendê-las, recomendo o livro "The Justice Cascade", de Kathryn Sikkink
A maior parte desses processos aconteceu para crimes cometidos na América Latina ou nos Bálcãs, mas a ironia da História é que a própria Espanha ficou de fora da nova leva de julgamentos, embora as atrocidades cometidas em sua guerra civil (1936-1939) e na longa ditadura de quatro décadas que se seguiu tenham sido maiores do que as de qualquer regime autoritário latino-americano, com a possível exceção da Guatemala. Só em 2007 o então governo socialista espanhol aprovou uma Lei da Memória Histórica, que contudo está bem mais voltada para questões ligadas à pesquisa, monumentos e símbolos, sem tocar no ponto de processos judiciais.
Outra diferença da Espanha é que o franquismo continua a gozar de prestígio político junto à direita forte do ponto de vista eleitoral – o Partido Popular, atualmente no poder, é um exemplo. É um contraste com o que acontece na maior parte da América Latina, na qual os políticos civis ligados aos regimes autoritários preferem se identificar como liberais, como no Chile ou perderam capacidade competitiva no plano nacional, como na Argentina e no Brasil. Há várias explicações para isso: a brutalidade do trauma da guerra civil, o sucesso econômico do franquismo na década de 1960 ou mesmo a persistência de longas tradições críticas à democracia liberal, com ampla base social.
Garzón é militante de esquerda que serviu por um breve período como deputado socialista, no início da década de 1990, e muitos de seus opositores o acusam de agir motivados por interesses partidários, mais do que por um senso de justiça. Manifestações contra e a favor do juiz na Espanha ilustraram novamente essas profundas divisões ideológicas no país, exacerbadas uma vez mais pela crise econômica atual. Curiosamente, a reação na América Latina foi diferente – tanto governantes conservadores, como o presidente da Colômbia, quanto dirigentes progressistas, como o secretário-geral da OEA (um político socialista chileno) foram unânimes em elogiar Garzón e dizer que foi condenado injustamente. Ele tem até ofertas de emprego nos orgãos regionais latino-americanos.
2 comentários:
Enquanto na Espanha houve sanção supostamente pela mesma infração - espionagem - por aqui ocorreu ocontrário. Apesar de não divulgados detalhes do processo contra Daniel Dantas, a decisão nacional suscita o velho ar de impunidade no Brasil (citado no post seguinte), especialmente no que diz respeito a tramas envolvendo personagens com vinculações políticas como no caso do banqueiro.
O FBI foi solicitado por entidade brasileira para ajudar a decifrar mensagens digitais do banqueiro Daniel Dantas. O padrão atual de criptografia é a utilização de 40 bits e o banqueiro baiano utilizava 100 vezes mais que isso. Dessa forma, o Departamento Federal de Investigação dos EUA informou que levaria 1000 anos para quebrar a criptografia de Dantas.
Tal complexidade de decodificação pode ter contribuído para a absolvição do banqueiro réu por falta de provas.
Prezado Mestre e Amigo Mauricio
Quero abordar aqui um tema que talvez tenha bstante ligacao com o modo de atuar do juiz Baltasar Garzon.
Existe uma tenue linha entre o "fazer justica" e o "fazer justica a qualquer custo".
No primeiro caso um Estado Democratico e de Direito se fortalece, pois o sistema juridico pode ateh ter suas falahas, mas evita-se o casuismo. No segundo caso jah nao estamos falando de fazer justica, mas de "atuar como justiceiro", e acho que o magistrado espanhol acabou enveredando por esse caminho, infelizmente.
Quanto ao comentario anterior, envolvendo as investigacoes levadas a cabo contra o banqueiro Daniel Dantas, lembro que ha evidencias de pratica de abuso em varias etapas do processo de investigacao, levada a cabo pelo boquirroto delegado da PF, hoje deputado federal, Protogenes Queiroz.
Esse foi mais um exemplo de agente da justica que ao tentar agir como um paladino da mesma acabou por cometer inumeras arbitrariedades ao longo da investigacao, fatos que inclusive lhe renderam um processo disciplinar na propria PF e, em ultima analise, beneficiaram o infrator, visto que tais arbitrariedades foram amplamente exploradas pelos advogados de Daniel Dantas e acabaram por absolve-lo da maioria das acusacoes levantadas contra ele durante a "Operacao Satiagraha".
Se Protogenes Queiroz tivesse sido competente e profissional o suficiente para conduzir uma investigacao a altura de um pais democratico, talvez hoje Daniel Dantas estivesse atras das grades e nao celebrando o carnaval em algum resort de luxo....
Forte abraco Mauricio!
Goncalez
P.S.: vamos ver se eh possivel nos encontrarmos durante o tempo que voce estiver aqui nos EUA! :)
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