segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Malvinas: a Guerra sem Fim

Em abril completam-se 30 anos da guerra das Malvinas e o aniversário é marcado por uma série de tensões entre Argentina e Reino Unido, sobretudo em termos da nova importância econômica das ilhas, e de como as disputas sobre esse território ajudam governos em dificuldades domésticas.

As Malvinas eram desabitadas quando foram descobertas pelo holandeses e nas lutas entre potências coloniais, acabaram com a Espanha, e depois com a Argentina. Em 1833 foram invadidas pelo império britânico, como parte de uma rede de apoio para rotas de navegação no Atlântico Sul. Os diversos governos argentinos nunca abandonaram a demanda pela soberania das Malvinas – no que, aliás, sempre contaram com as autoridades brasileiras, da Regência à presidente Dilma Rousseff. Mas era uma luta por nacionalismo e integridade do território, fortalecida a partir das décadas de 1930-1940, quando a aliança com britânicos começou a ser questionada com vigor na Argentina. À época da guerra, em 1982, a principal atividade das ilhas era a criação de carneiros.

Argentina e Reino Unido permaneceram de relações diplomáticas cortadas durante a década de 1980 (o famoso gol de mão de Maradona contra a seleção inglesa na Copa de 1986 se deu nesse contexto), e elas só foram retomadas sob a presidência de Carlos Menem. Sua política para as Malvinas foi o chamado “guarda-chuva da soberania”, pela qual esse tema não era discutido, mas se buscava cooperação em outros assuntos, como a permissão para veteranos de guerra e seus parentes poderem visitar as ilhas, chorar seus mortos nos campos de batalha e nos cemitérios militares. Situação belamente mostrada no filme argentino “Iluminados pelo Fogo” (abaixo). O chanceler de Menem, Guido de Tella, enviava anualmente presentes de Natal para os poucos milhares de habitantes das ilhas, conhecidos como kelpers, que apreciaram seu gesto.

A ascensão dos Kirchner na década de 2000 significou também o retorno de um intenso nacionalismo à vida política argentina, que encontrou nova expressão em conflitos por território e por exploração de recursos naturais. Isso significou o recrudescimento das disputas com relação às Malvinas, mas também explica muito dos choques com o Uruguai pela construção de fábricas de celulose à beira do rio que divide os dois países. A descoberta de reservas de petróleo e gás nas ilhas e a alta no preço dos hidrocarbonetos aguçaram ainda mais os embates com os britânicos, com frisei em artigo que escrevi no aniversário de 25 anos da guerra. Conta também a importância das Malvinas para a exploração da Antártida, tema que cresce em relevância.

Os britânicos reagiram com sua arma de mídia: enviaram o príncipe William, 2º na sucessão do trono, para passar algumas semanas nas ilhas (foto acima) e levar junto a atenção da imprensa. Algo parecido havia sido feito com seu irmão caçula no Afeganistão. O Reino Unido também despachou um navio de guerra e talvez tenha feito o mesmo com um submarino armado com mísseis nucleares. São gestos simbólicos que tentar demonstrar uma capacidade de poder global que dificilmente a combalida economia britância teria como sustentar, em particular depois dos enormes gastos da intervenção na Líbia.

A estratégia argentina tem sido a de criar obstáculos para os britânicos na ONU, denunciando a permanência de sua posse das Malvinas como uma situação colonial, e criticando o que chamam de militarização dos recursos naturais do Atlântico Sul. O Reino Unido afirma que não se pode abandonar o direito de autodeterminação dos kelpers e o primeiro-ministro David Cameron chegou a afirmar que colonialistas são os argentinos. Poderia ser pensada algum tipo de solução como a de Hong Kong, com a manutenção de grande autonomia para as ilhas, cidadania dupla aos kelpers ou saídas semelhantes, mas no momento não há disposição para diálogos.

8 comentários:

José Elesbán disse...

Por estes dias saiu um texto de opinião do timorense José Ramos Horta apoiando a demanda argentina e afirmando que o direito à auto-determinação não poderia romper a integridade territorial de um estado-nação, no jornal Página 12.
A propósito, como é a relação dos espanhóis com o encrave de Gibraltar, também sob domínio britânico? Sendo que a própria Espanha possui aquele encraves no norte Marrocos...

Diogo disse...

Há diferenças entre os cenários de 1982 e o atual.

Se por um lado ninguém na Casa Rosada sequer delira com a possibilidade de uma ação armada, por outro o apoio à causa argentina cresceu exponencialmente no resto do mundo; até mesmo de parte do Chile, eterno pau-mandado das potências anglo-saxônicas no continente (não tergiversem, isso é a mais pura verdade, perguntem a peruanos, bolivianos e argentinos).

E nada como mostrar as garras para disfarçar um abismo econômico e uma crise política gerada com os escândalos envolvendo a News Corporation (imagine uma versão DEZ vezes pior que a Globo e o Clarín), que estende seus braços até o gabinete do primeiro-ministro.

A questão vai tramitar por anos a fio na ONU e, creio, não vai dar em nada. É que a grande mídia, tanto a argentina quanto a britânica, resolve dar importância desmedida a factoides como a presença do príncipe nas ilhas.

Tanto que em jornais mais respeitáveis, como o Guardian e o Independent, a crise é reduzida a suas proporções menores.

A questão das Malvinas me parece tão insolúvel quanto, por exemplo, a da independência de Kosovo.

Anônimo disse...

Salve jogador, os argumentos históricos são complicados nessas ilhas...

Eu concordo com o Escudé que diz que as ilhas eram o único território não ocupado no hemisfério na era dos descobrimentos, excetuando as demais ilhas talvez. A colonização nos dados daquele livro que nós lemos do Gen. Paulo Duarte, foi francesa(1698) "malouines". os britânicos ocuparam antes, abandonaram e voltaram, com Darwin e o Beagle inclusive! e disputavam com os espanhóis. Sem dúvida, não é tão fácil provar quem tinha soberania, de fato.

Mas desde que os ingleses instalaram a base em Mont Pleasant acho difícil para os argentinos pensarem em um alternativa militar. Só os Eurofighters que estão nas ilhas já dão conta de toda FAA.

abraços!

Helvécio.

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Sim. Como você diz, holandeses, franceses, ingleses, espanhóis, argentinos e até norte-americanos tiveram enfrentamentos pelas ilhas antes do famoso 1833.
Entre os políticos argentinos soluçoes dando grande autonomia não faltam, e a primeira disposição transitória da reforma da Constituição (1994) diz claramente "La recuperación de dichos territorios y el ejercicio pleno de la soberanía, respetando el modo de vida de sus habitantes, y conforme a los principios del derecho internacional, constituyen un objetivo permanente e irrenunciable del pueblo argentino." O respeito aos habitantes é fundamental pra nós. Poderia se formar uma nova província, ou criar um status especial. Issas coisas deveriam se falar com o Reino Unido, mas claro, eles não querem se sentar a negociar (termo pouco apropriado, porque aqui há muito mais do que negócios). Deixo um interessante artigo com comentários de referentes de distintos partidos políticos sob o tema: http://www.lanacion.com.ar/1444441-que-hacer-si-se-recuperan-las-islas
Abraços

Patricio Iglesias

Patricio Iglesias disse...

PS: O problema da Espanha com o Gibraltar é que os espanhóis cairam na trampa na que nós não comulgamos: fazer dos locáis uma terceira parte ao mesmo nível do que o Reino Unido e a Espanha. Chegaram aceitar até um referéndum (onde, naturalmente, ganhou ampliamente o não à mudança de status), e complicaram sua situação.

Maurício Santoro disse...

Salve, zealfredo.

Li o texto do Horta, está ótimo, ele afirma que os britânicos deveriam tomar a iniciativa de propor um acordo.

Gibraltar continua a ser um tema tenso na relação da Espanha com o Reino Unido e quase gerou um conflito militar durante a Segunda Guerra Mundial.

Caros,

Também não acredito na hipótese de novo conflito militar, nem remotamente. Mas as tensões andam tão fortes que fecharam portas para negociação.

abraços

Anônimo disse...

Jogador, é no mínimo estranho ver como o discurso de soberania sobre as ilhas vai de encontro as ações do governo descendo o porrete nos ex-combatentes da guerra de 1982 que requisitam seus direitos.

essas contradições políticas...

Abraços,

Helvécio.

Maurício Santoro disse...

Caro,

Os veteranos das Malvinas são sempre muito mal tratados. É um pouco como os americanos que lutaram no Vietnã, eles são a lembrança viva de uma guerra incômoda, e que foi perdida.

abraços