quinta-feira, 29 de março de 2007
Vinho e Relações Internacionais
Artigo na The Economist desta semana fala sobre a competição entre as indústrias vinícolas da Argentina e do Chile, dando vantagem à primeira. O texto tem acesso restrito na Internet, não dá para linkar, mas ele me fez pensar em como o vinho se vincula às relações internacionais, com aplicações para economia, turismo e até identidades nacionais.
A indústria do vinho na Argentina passa por um momento de renovação e crescimento. Depois da brutal desvalorização do peso em 2002, o investimento estrangeiro se multiplicou no setor e com ele, inovações técnicas. Até então a maioria dos vinhos argentinos era produzida para consumo local e não tinha boa reputação no mercado externo. Forte contraste com o Chile, cujos vinhos há muito são um dos principais produtos de exportação nacionais.
O centro da indústria vinícola na Argentina é a encantadora cidade de Mendoza, à sombra dos pontos mais altos da Cordilheira dos Andes. A província é rica em petróleo, mas o vinho – e o turismo gastronômico associado a ele – estão mudando para melhor a região. Fiquei deslumbrado pela beleza de Mendonza, pela amabilidade das pessoas e pela excelente infra-estrutura disponível para os turistas.
Mendoza é a terra da uva Malbec, que serve de base para o tipo de vinho tinto mais famoso na Argentina. Variedade típica do país, ao ponto de ter se tornado um instrumento poderoso de marketing. Agrega valor, diriam os economistas. Em comparação, o Chile produz uvas tradicionais como Cabernet Sauvignon e Chardonnay.
Quem compra vinho não busca apenas uma bebida, está à procura também de um certo estilo de vida, de uma imagem glamourosa e idealizada de prazer e sofisticação. Quem viu filmes como “Mondovino” e “Um Bom Ano” sabe do que falo. Nesse sentido, a Argentina tem muito a oferecer, pela visão que muitos estrangeiros têm do país como uma terra apaixonada, qualidade que se ressalta em seus mitos nacionais, como Maradona, Evita, Che Guevara.
A reportagem da The Economist afirma que isso ajuda nos negócios e estou de acordo. O conceito que utilizamos na ciência política é “poder macio”, isto é, elementos simbólicos e culturais que ajudam um Estado a alcançar seus objetivos políticos e econômicos.
Exemplo é o efeito provocado pelo filme “Sideways”, ambientado nos vinhedos da Califórnia. Há uma identificação entre o protagonista da história, um homem sensível mas deprimido e de trato difícil, com o Pinot Noir. Pois bem, o filme provocou grande aumento nas vendas desse vinho, além de ser um tremendo cartão-postal turístico para aquela região dos Estados Unidos.
Um vinicultor francês do século XVIII, o barão de Montesquieu, dizia que o “doce comércio” aproxima os povos e adoça os costumes, contribuindo para a paz. Entre uma adega e outra escreveu alguns dos mais importantes tratados políticos da humanidade, como O Espírito das Leis, em cujo prólogo afirma que a fama de seus livros contribuiu em muito para o sucesso de seus vinhos. Suponho que o velho barão entenderia plenamente a situação atual, quem sabe escrevendo a respeito, embalado por um bom Malbec argentino.
terça-feira, 27 de março de 2007
Rodolfo Walsh: a sangue frio
Reza a lenda que Truman Capote inventou o “Novo Jornalismo”, isto é, o romance de não-ficção misturando técnicas de reportagem com literatura, ao escrever “A Sangue Frio”. Deu até filme premiado com o Oscar. Mas nós, latino-americanos, sabemos que o verdadeiro precursor do gênero é o argentino Rodolfo Walsh, com sua “Operación Masacre.”
Publicado dez anos antes da obra-prima de Capote.
Nesta semana se completaram 30 anos do assassinato de Walsh pela ditadura argentina de 1976-1983. O jornal Página 12 dedicou a esse jornalista e escritor uma edição de seu suplemento cultural, o Radar. Um dos prazeres dos meus domingos portenhos era lê-lo sem pressa nos cafés de Palermo, sempre me maravilhando com o nível dos debates intelectuais.
Voltemos a Walsh. Em 1955 Perón foi deposto por um golpe militar. Meses depois houve uma tentativa de contragolpe dentro do Exército e a repressão que se seguiu foi brutal. Vários oficiais peronistas foram fuzilados sumariamente – algo que não ocorria na Argentina desde as guerras civis do século XIX. A barbárie também atingiu civis suspeitos de envolvimento com o levante peronista. Contudo, essa segunda leva de fuzilamentos foi mantida em segredo pelo governo.
Walsh era na época um ferrenho opositor do peronismo, mas ouviu num bar em La Plata uma frase que mudaria sua vida. “Hay un fuzilado que vive”. Ele foi atrás dos sobreviventes e escreveu um estupendo romance-reportagem sobre o massacre, contando os gestos de heroísmo, de covardia e as mentiras do governo. Há cenas inesquecíveis, como o soldado moribundo, abandonado pelos colegas e gritando de madrugada: "Hijos de Puta!". Os homens não morrem dando vivas à pátria, observa Walsh.
Foi o início de um processo de transformação política para Walsh, que terminaria como militante da extrema-esquerda, nos Montoneros. Na véspera de sua morte escreveu sua última obra, a Carta Aberta à Junta Militar, denunciando com incrível lucidez o sistema de torturas estabelecido pela ditadura que havia tomado o poder um ano antes.
Walsh foi ao correio e enviou cópias do texto para amigos. Meia hora depois foi capturado e morto pelos militares. A sangue frio. Numa terrível simetria com Operación Masacre, o escritor tornou-se sua própria obra. Lutou até o último dia.
Discordo de muitas das posições políticas de Walsh, mas conheço poucos exemplos de tanta coragem cívica e integridade ética. Na bela canção La Memória, inventário das injustiças e heróis esquecidos da história argentina, o compositor León Gieco a ele se refere com a expressão dignidad de Rodolfo Walsh.
Na edição que li de Operación Masacre estava incluída, como anexo, parte do roteiro para uma adaptação do livro ao cinema. Na seqüência final, Walsh lia um belíssimo texto em off, sobre a tomada de consciência política, enquanto as imagens mostravam cenas de conflitos sociais argentinos posteriores, como o Cordobazo, a grande rebelião operária e estudantil contra a ditadura militar de 1966-1973. De arrepiar.
sábado, 24 de março de 2007
Europa: em busca de sentido
Um colega de doutorado visitou a Europa como executivo da indústria siderúrgica nos anos 60, quando a integração continental mal começara. Numa reunião, perguntou ao prefeito de Strasbourg qual o sentido do processo de integração. O político pensou por alguns instantes e lhe respondeu: “Amanhã é o aniversário do meu filho mais velho. Ele é o primeiro homem da minha família em três gerações que não precisou lutar numa guerra.”
Amanhã se comemoram 50 anos do Tratado de Roma (foto), que criou a Comunidade Econômica Européia, marco do mais ambicioso projeto político de nossa época. A cerimônia ocorreu numa época em que a capital italiana ainda era marcada pela pobreza e destruição da guerra, e que rebanhos de ovelha pastavam pelo centro.
Costumo ensinar a meus alunos que o projeto da integração européia, tal como o conhecemos, nasceu durante o Iluminismo. Vários pensadores do século XVIII defenderam esse ideal. Ele aparece de um ou outro modo em Voltaire, Rousseau e, sobretudo, em Kant. O ensaio do filósofo alemão sobre os modos de se obter “a paz perpétua” continua a ser uma das obras-primas da reflexão sobre a política internacional.
Foram necessárias duas guerras mundiais, a destruição dos impérios coloniais europeus e a consolidação da União Soviética como uma superpotência para reavivar a idéia de integração européia. Em 50 anos esse processo passou por altos e baixos. Os pontos críticos foram “a política da cadeira vazia” do general De Gaulle, que vetou a entrada do Reino Unido durante vários anos, a “euroesclerose” dos anos 70. Entre as maiores realizações estão a incorporação da Península Ibérica, Irlanda e da Grécia ao processo europeu, a prosperidade entre os parceiros mais ricos (sobretudo Alemanha e França) e a consolidação do euro como moeda continental.
A União Européia faz aniversário com problemas sérios. Baixo crescimento econômico e altas taxas de desemprego nos principais países do bloco. Sentimentos populares de que as instituições comunitárias estão distante de suas realidades e pouco interferem em sua vida (como se manifestou na rejeição ao Tratado Constitucional Europeu). As polêmicas sobre o protecionismo agrícola, que causam amargos dissabores. As dificuldades sobre como incorporar os imigrantes e o debate mais amplo sobre o que
diabos significa Europa. Qual é, por exemplo, o lugar da Turquia na União Européia?
Se você fala inglês, leia o artigo “Europe in the Search of a Purpose”, de Paul Reynolds. Ele é um ex-correspondente da BBC em Bruxelas que revisita a cidade e mostra o que mudou na UE, e em sua cobertura, nos últimos 20 anos. O tipo de texto que faz do jornalismo britânico o melhor do mundo.
quarta-feira, 21 de março de 2007
Pro Dia Nascer Feliz
Por conta da pesquisa sobre juventude, assisti a dois excelentes documentários nos últimos dias. “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim (foto), trata das expectativas dos jovens com relação à escola, enquanto “Meninas”, de Sandra Werneck e Gisela Câmara, aborda a gravidez na adolescência.
“Pro Dia Nascer Feliz” acompanha jovens de quatro escolas de ensino médio, de um município paupérrimo no interior de Pernambuco a um colégio de elite em São Paulo, passando pelas periferias paulistana e fluminense. O filme retrata escolas que não conseguem lidar com os sonhos da juventude. Não servem como transmissoras de conhecimento, não oferecem a possibilidade concreta de ascensão social via mercado de trabalho. Os alunos se queixam do descaso dos professores e da falta de confiança que eles demonstram em seu potencial.
Claro que há luz no fim do túnel. Me chamou a atenção como a cultura aparece como uma tremenda possibilidade de crescimento. Poesias – algumas delas belíssimas – escritas para os fanzines dos colégios. A participação na banda da escola, que dá a um rapaz o sentimento de “ser alguém” e o orgulho por um trabalho bem-feito.
Tenho várias amigas são professoras da rede pública e todas largaram ou querem largar seus empregos, para dar aulas em colégios privados ou universidades. Suas queixas encontram eco no filme: o desinteresse das colegas docentes e dos alunos, a sensação de que ninguém se importa com seu trabalho, a relação difícil com os estudantes, que inclui agressões e ameaças.
“Pro Dia Nascer Feliz” é um filme pessimista? Não acho. O sentimento mais forte que me deixou foi o de que muitos dos jovens mostrados no documentário precisam apenas de um empurrão, de um pequeno apoio pessoal/institucional que lhes permita desenvolver seu potencial e voltar a sonhar com uma vida melhor.
O sonho – ou a ausência dele - também está muito presente em “Meninas”. O filme segue a rotina de quatro adolescentes grávidas da cidade e da região metropolitana do Rio de Janeiro, com foco no relacionamento com os namorados e a família, sobretudo com as mães.
Passamos o filme no Ibase e depois fizemos um debate com participação de colegas do Instituto de Medicina Social da UERJ e da Casa da Mulher Trabalhadora, com ampla experiência na área. O que mais se destacou na conversa foi que para uma menina pobre, ter filhos é com freqüência o principal projeto de vida. A escola não lhe oferece possibilidades.
Universidade é um horizonte impossível. O que sobra para ser respeitada como integrante da comunidade? “O tráfico ou ser mãe”, resumiu uma amiga que vive numa favela carioca.
domingo, 18 de março de 2007
Páginas da Vida Acadêmica
Com um intervalo de duas semanas, recebi os livros com meus artigos que receberam o Prêmio América do Sul 2005 e 2006, concedido pelo Ministério das Relações Exteriores. O concurso é uma iniciativa nova, criada para estimular a pesquisa acadêmica brasileira sobre o continente.
O de 2005, "Desenvolvimento como Integração", é uma provocação baseada nas idéias de Hélio Jaguaribe, onde sigo a opinião do mestre de que o colapso do modelo nacional-desenvolvimentista só pode ser superado por um enfoque regional, sul-americano. Escrevi o artigo às pressas e não estou lá muito satisfeito com o resultado.
Mas fiquei contente com meu ensaio de 2006, "A Outra Volta do Bumerangue - Estado, movimentos sociais e recursos naturais na Bolívia". Sintetiza caminhos pelos quais quero seguir na vida acadêmica, como o olhar sobre a sociedade, a reflexão a respeito de direitos humanos e a necessidade de incorporar essas perspectivas ao estudo das relações internacionais.
Voltei às aulas no doutorado. Foi bom retomar o contato com os colegas no seminário de tese, em especial pela acolhida calorosa que me deram e o enorme interesse que despertou meu trabalho de campo na Argentina. Me surpreendi com as discussões animadas que tivemos a respeito de temas como a memória história da ditadura militar ou as conseqüências da guerra das Malvinas. Devo apresentar o primeiro capítulo da tese daqui a um mês. Está fluindo bem e me peguei escrevendo entusiasmado sobre as negociações envolvendo a crise da dívida externa ou tratando das rebeliões militares no governo Alfonsín.
Também voltei a dar aulas na universidade. Comecei com a turma de 2007 na pós e fiquei espantado, novamente, pelo interesse que minha experiência na Argentina tem despertado, inclusive pela grande quantidade de alunos que me perguntou pela possibilidade de cursar o mestrado em Buenos Aires. Muito bom!
O tema do módulo que dei no sábado foi a contribuição dos pensadores políticos clássicos para as relações internacionais e os debates mais acalorados foram em torno do nacionalismo e das questões envolvendo identidade, em especial por que tantos brasileiros se irritam ao ser confundidos no exterior com hispano-americanos. Curioso ver o quanto os alunos se envolveram com o tema, o Brasil tem pouca tradição nesse tipo de pesquisa, que é bem mais forte na Europa.
Outro bom ponto foi o início do curso ministrado no doutorado pelo meu orientador, que tratará dos debates entre liberais e nacionalistas nos anos 50 e 60. Já cumpri meus créditos, mas faço a disciplina por puro prazer, porque as aulas são apaixonantes, com debates bem-humorados sobre temas que vão de Celso Furtado à crítica literária sob o modernismo. Lembrete de que, com todos os problemas, a tradição intelectual e política do Brasil é muito rica.
quinta-feira, 15 de março de 2007
Conversas com Gore Vidal
Ler um romance de Gore Vidal é conversar horas com uma pessoa muito inteligente e bem-humorada, com profundo conhecimento da história de seu país. Já escrevi a respeito de suas Narrativas do Império, a série de sete livros sobre a trajetória dos EUA da guerra de independência ao século XXI. Garimpei mais dois capítulos da saga, Burr e 1876.
O primeiro trata da vida aventuresca e amalucada de Aaron Burr, anti-herói americano que foi um dos coronéis da Revolução e terminou seus dias condenado como traidor, após ter perdido a eleição presidencial para Thomas Jefferson (empataram no Colégio Eleitoral, mas o Congresso deu o posto a seu rival), matado em duelo o vice-presidente Alexander Hamilton e se envolvido em tramas rocambolescas para criar um império para si mesmo no México.
A vida de Burr é narrada por seu secretário Charles mas ouvimos também seus depoimentos em primeira pessoa, no qual se dedica a criticar os Pais Fundadores dos EUA. O livro causou escândalo ao ser publicado em 1974, mas muito do que está nele se tornou bem aceito depois como a revelação de que Jefferson teve filhos com uma amante negra, sua escrava.
Charles também protagoniza e narra 1876. O livro começa com seu retorno aos EUA, depois de trinta anos vivendo na Europa, onde se tornou um escritor de alguma fama. Tem dois objetivos: arrumar um marido para sua bela filha Emma, recém-divorciada de um príncipe napoleônico, e conseguir um cargo diplomático na Europa, pois perdeu sua fortuna na crise financeira de 1873.
O ano de 1876 foi o centenário da Independência americana, celebrado com a exposição da Filadélfia -- o imperador d. Pedro II, que a visitou, faz uma ponta algo ridícula no romance. Mas acima de tudo foi um período de extrema corrupção, culminando com a tremenda fraude eleitoral que deu a presidência ao candidato republicano, Rutheford Hayes. Parece muito com o escândalo de 2000 com Bush, tem até recontagem na Florida!
O romance acompanha esses fatos, à medida que Charles se junta aos democratas em busca de sua boquinha burocrática, e sua filha inicia ambiciosas manobras matrimoniais, tão sem escrúpulos quanto aos atos dos políticos em Washington. Vidal publicou o livro em 1976, quando os EUA ainda estavam em plena ressaca do caso Watergate. Lembrava a seus compatriotas de que a corrupção não era novidade inventada pelo malvado Nixon, mas algo tão tipicamente americano quanto a torta de maçã.
Há em Vidal um toque de Henry James ou Edith Warthon, que também retrataram a alta sociedade de fins do século XIX. Mas enquanto ambos contrapunham a (suposta) inocência de seus compatriotas à (presumida) corrupção dos europeus, os personagens de Vidal são cínicos e desencantados. No fim, o narrador diz que os políticos e magnatas dos EUA são tão safados quanto Napoleão e Bismarck, mas que os estadistas europeus queriam glória, além de riqueza, o que os torna mais interessantes.
Curiosidade: além do imperador, outro brasileiro ilustre estava nos EUA em 1876: o jovem Joaquim Nabuco, então servindo como diplomata. Seus diários recém-publicados mostram que detestou o país, achando que todos só pensavam em dinheiro (como afirma Vidal) e reclamando que era impossível arranjar uma amante, pois as mulheres casadas eram fiéis (nesse ponto, Vidal poderia ensinar uma lição ou duas ao nosso compatriota).
Que tal uma roda de conversa com Vidal, Nabuco, James e Warthon? Pelo menos vou colocar todos na mesma estante.
terça-feira, 13 de março de 2007
Somos Tão Jovens
Ao longo dos últimos dias li bastante a respeito de políticas públicas para jovens nos países do Mercosul. Procuro conhecer os pontos principais dos debates e os conceitos mais importantes utilizados pelos especialistas.
A primeira coisa que salta aos olhos é a própria variação na definição de juventude. Em geral os países mercosulinos consideram jovem quem tem entre 15 e 24 anos, mas no Brasil se adotou recentemente a faixa de 15 a 29. Isso significa que sou jovem por aqui, porém deixo de sê-lo quando cruzo a fronteira com a Argentina.
O Brasil é um dos campeões mundiais em percentual de jovens com relação ao total da população. Aparentemente o pico foi em 2005, mas os índices seguirão muito altos devido ao grande número de adolescentes que têm filhos em nosso país.
O segundo ponto que se destacou em minhas leituras foi a fragmentação dos órgãos governamentais dedicados a cuidar dos jovens. Em geral as ações estão dispersas por diversos ministérios e há pouca coordenação entre as várias iniciativas. O Brasil inovou ao criar uma secretaria nacional de juventude, vinculada diretamente à Presidência da República.
Cada país do Mercosul tem sua própria instituição destinada às políticas públicas aos jovens, ligadas a ministérios tão diferentes como Desenvolvimento Social, Educação e Esporte. O caso mais curioso é a Bolívia, que tem no âmbio do Desenvolvimento Sustentável um vice-ministério da “Infância, Juventude e Terceira Idade”. Tudo que tem a ver com faixas etárias...
A juventude só se tornou uma questão política após a Segunda Guerra Mundial, em particular com as explosões sociais da década de 60. Na América do Sul impressiona notar como a experiência traumática das ditaduras militares colocou com muita força a importância da mobilização da juventude. Me parece que sobretudo na Argentina e no Uruguai.
O debate sobre políticas públicas se tornou muito internacionalizado, com a influência decisiva das organizações do sistema ONU e dos organismos de crédito multilaterais. No caso da área de juventude, a Unesco tem muita influência e publica trabalhos muito interessantes. Por exemplo, analisando os jovens vítimas da violência no Brasil, descobriram que não há correlação entre pobreza e violência. As regiões mais perigosas não são as mais miseráveis, e sim as mais desiguais. Onde as frustrações e angústias contrastam com a opulência. Claro que é uma explosão em potencial.
Será que existe algo que une jovens ricos e pobres em países tão desiguais quanto os nossos? Estas leituras iniciais apontam para alguns pontos comuns: o medo do desemprego (ou mesmo o fantasma de “sobrar” na sociedade), a preocupação com a violência, o entusiasmo com a cultura e as novas tecnologias.
Poucas vezes estive tão empolgado com uma pesquisa. O motivo principal é minha ignorância sobre o tema. Não faço idéia do que irei encontrar ao ouvir esses jovens. Meu palpite é que descobrirei coisas muito interessantes no campo das artes e, quem sabe, ensaios de novas maneiras de fazer política. Porque as velhas, vou te contar...
A primeira coisa que salta aos olhos é a própria variação na definição de juventude. Em geral os países mercosulinos consideram jovem quem tem entre 15 e 24 anos, mas no Brasil se adotou recentemente a faixa de 15 a 29. Isso significa que sou jovem por aqui, porém deixo de sê-lo quando cruzo a fronteira com a Argentina.
O Brasil é um dos campeões mundiais em percentual de jovens com relação ao total da população. Aparentemente o pico foi em 2005, mas os índices seguirão muito altos devido ao grande número de adolescentes que têm filhos em nosso país.
O segundo ponto que se destacou em minhas leituras foi a fragmentação dos órgãos governamentais dedicados a cuidar dos jovens. Em geral as ações estão dispersas por diversos ministérios e há pouca coordenação entre as várias iniciativas. O Brasil inovou ao criar uma secretaria nacional de juventude, vinculada diretamente à Presidência da República.
Cada país do Mercosul tem sua própria instituição destinada às políticas públicas aos jovens, ligadas a ministérios tão diferentes como Desenvolvimento Social, Educação e Esporte. O caso mais curioso é a Bolívia, que tem no âmbio do Desenvolvimento Sustentável um vice-ministério da “Infância, Juventude e Terceira Idade”. Tudo que tem a ver com faixas etárias...
A juventude só se tornou uma questão política após a Segunda Guerra Mundial, em particular com as explosões sociais da década de 60. Na América do Sul impressiona notar como a experiência traumática das ditaduras militares colocou com muita força a importância da mobilização da juventude. Me parece que sobretudo na Argentina e no Uruguai.
O debate sobre políticas públicas se tornou muito internacionalizado, com a influência decisiva das organizações do sistema ONU e dos organismos de crédito multilaterais. No caso da área de juventude, a Unesco tem muita influência e publica trabalhos muito interessantes. Por exemplo, analisando os jovens vítimas da violência no Brasil, descobriram que não há correlação entre pobreza e violência. As regiões mais perigosas não são as mais miseráveis, e sim as mais desiguais. Onde as frustrações e angústias contrastam com a opulência. Claro que é uma explosão em potencial.
Será que existe algo que une jovens ricos e pobres em países tão desiguais quanto os nossos? Estas leituras iniciais apontam para alguns pontos comuns: o medo do desemprego (ou mesmo o fantasma de “sobrar” na sociedade), a preocupação com a violência, o entusiasmo com a cultura e as novas tecnologias.
Poucas vezes estive tão empolgado com uma pesquisa. O motivo principal é minha ignorância sobre o tema. Não faço idéia do que irei encontrar ao ouvir esses jovens. Meu palpite é que descobrirei coisas muito interessantes no campo das artes e, quem sabe, ensaios de novas maneiras de fazer política. Porque as velhas, vou te contar...
sábado, 10 de março de 2007
(In)Adaptações
Uma das vilãs da novela das 20h morreu quando seu ônibus foi queimado por bandidos, reproduzindo na ficção um fato da crônica policial do Rio de Janeiro. Na minha época, o pior que poderia acontecer numa trama escrita por Manoel Carlos era a personagem da Giulia Gam ter um ataque de ciúmes.
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Antropóloga que conheci nesta semana me recomenda assistir à minissérie de Glória Perez sobre a história do Acre. “Dá vontade de declarar guerra à Bolívia”, ela me garante. Aviso desde a novela América: essa mulher ainda vai provocar uma tragédia humanitária internacional.
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Sou o único na cidade que não sabe nada sobre as milícias que disputam o controle das favelas com os traficantes. As pessoas discutem a estratégia de cada uma delas como se fossem os times no campeonato de futebol: “O grupo tal tem uma ótima defesa” ou “Fulano recrutou 1.200 homens para o ataque, não vai ter para ninguém.”
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Todo dia vejo uma briga na rua. Em geral por razões de trânsito. As pessoas gritam, se xingam. Às vezes há um pouco de agressão física. Ninguém se machucou o suficiente para atrair a atenção da imprensa.
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Passeio pelos canais da TV. Novela. Acho que na Record. Uma tribo de índios, que parece saída de uma academia de ginástica de Ipanema, captura um grupo de playboys: "Agora vocês vão aprender a respeitar nosso povo." Horário nobre. Será que a Revolução começou e ninguém me avisou? Ou a televisão está exibindo produções bolivianas?
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Há gente demais na rua. Em especial no centro da cidade, na hora do almoço. Reclamo com uma amiga, que me consola: “Em Lagos, a capital da Nigéria, é pior. Leia o artigo na Piaui de fevereiro.”. Consolo relativo.
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- Você moraria em outra cidade, que não o Rio de Janeiro?
- Claro.
- Definitivamente?
- Sem dúvida!
As pessoas ficam um tanto escandalizadas com a rapidez das minhas respostas. Mas as amigas paulistanas adoram.
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- São Paulo talvez se torne como Buenos Aires daqui a 40 anos. O Rio de Janeiro, não, já decidiu que será outro modelo de cidade.
- Para São Paulo atingir o nível de desenvolvimento cultural de Buenos Aires, vai precisar comer muito bife de chorizo com alfajor.
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Lagoa.
Como esta cidade ainda consegue ser linda.
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Caminho ao redor da Lagoa. Um homem negro, vestindo farrapos, e aparentemente drogado ou alcoolizado, grita para todas as pessoas que passam: “Odeio você! Odeio você!”.
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Flamengo. Encontro um casal de amigos na calçada. Eles planejam ir à Argentina na Semana Santa e passo dicas de viagem. Um homem negro, aparentemente drogado ou alcoolizado se aproxima e balbucia algumas palavras. Com grande dificuldade, entendemos que ele se queixa. Tentou entrar na igreja da rua e foi expulso pelo padre. Aponta para meu amigo: “Se eu estivesse vestido assim, tão bonito como você, teria ficado lá numa boa.” Ele se afasta cambaleando.
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- Sim, a desigualdade social na Argentina é muito grande, quase tanto como no Brasil. E há um percentual significativo da população na pobreza extrema, cerca de 10% das pessoas. Mas é diferente daqui... Por exemplo, várias vezes eu almoçava na varanda de um restaurante e passava alguém vendendo canetas ou bilhetes de loteria. A pessoa então se aproximava muito tímida e me pedia um pouco de pão ou batata. Mas pela roupa que ela vestia, nunca diria que tinha fome.
- Também foi assim no Brasil, Maurício, mas você não tem idade para lembrar. Quando voltei dos EUA, nos anos 80, as pessoas me abordavam nos supermercados exatamente dessa maneira. Depois eu voltava para casa e caía no choro.
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Meu portugês está todo espanholado. Às vezes cometo expressões como "mais grande" ou "mais além", influenciado por más grande (maior) ou más allá (além). Fora os "muchas gracias", "permiso" e "muy amable", que às vezes pronuncio em honra da amabilidade que marcou a temporada argentina.
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Quinze graus a menos fariam maravilhas pela qualidade de vida nesta cidade.
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Imagem: uma foto que tirei do bairro de Puerto Madero, Buenos Aires, a antiga área de cais que foi restaurada e hoje abriga restaurantes, hotéis e prédios residenciais e de escritórios. E olha que nem é a parte mais bonita da cidade.
quinta-feira, 8 de março de 2007
Quando Fui Shakira
Professores também têm seus momentos de popstar e às vezes se envolvem em polêmicas parecidas com as que enfrentam as celebridades. Em meu caso, isso veio das aulas que dou no Curso Clio, um preparatório para a carreira diplomática que tem o maior índice de aprovação no país e portanto desperta a atenção de muitas pessoas que vivem fora do Rio de Janeiro.
Para minha surpresa, estourou uma polêmica numa comunidade no Orkut dedicada aos debates sobre diplomacia. Um rapaz postou mensagem perguntando como poderia contactar alguém que supostamente havia gravado em MP3 as aulas do Clio e estaria vendendo esse material pela Internet. Os comentários que se seguiram eram majoritariamente entusiastas, de outras pessoas que queriam as gravações.
Não sei se elas de fato existem, mas entrei no debate me identificando como professor do Clio e lembrando que qualquer um que comprasse as gravações estaria cometendo um ato ilegal, profundamente ofensivo tanto ao meu trabalho como docente como, ainda mais, aos meus alunos. Afinal, pagam mensalidades muito altas e não estão aí para serem passados para trás pelo primeiro espertinho com um MP3.
A corrupção e o desrespeito à lei são tão generalizados no Brasil que não posso dizer ter ficado surpreso com o golpe das aulas pirateadas, mas me espantou a burrice das pessoas que afirmam publicamente querer comprar esse material ilegal. Estupidez tão mais impressionante porque os candidatos à diplomacia precisam estudar Direito, pelo visto sem muito proveito.
Alguns dos amigos com quem comentei o caso me perguntaram se eu não havia ficado lisongeado com a suposta pirataria das aulas, ou contente com a publicidade. De modo algum. O que afaga a vaidade é me elogiarem a barba, achei um desrespeito profissional o caso das gravações. Além disso, sou um professor, não um ex-Big Brother querendo descolar uma ponta no programa da Hebe.
O principal argumento das pessoas que querem comprar as gravações ilegais é a falta de dinheiro para estudar e/ou a impossibilidade de vir ao Rio para fazer o curso. O problema é real, só que ninguém pensou em soluções alternativas, como organizar grupos de estudo e apoio mútuo, ou pressionar o governo para criar um programa de bolsas para candidatos de baixa renda, à semelhança do que já existe para os estudantes negros. Como sempre, a desonestidade e a vontade de levar vantagem às custas dos outros é só mais uma face da apatia cívica e do individualismo extremado.
Valha-me Deus, podiam também usar o Google e pesquisar pelos nomes dos professores, encontrariam vários dos nossos artigos disponíveis em sites acadêmicos e jornalísticos, tudo de graça.
Gostaria de saber se a Shakira passa por isso quando copiam suas músicas. Bem, mas ela dá concertos milionários e além disso rebola bem melhor do que eu.
Para minha surpresa, estourou uma polêmica numa comunidade no Orkut dedicada aos debates sobre diplomacia. Um rapaz postou mensagem perguntando como poderia contactar alguém que supostamente havia gravado em MP3 as aulas do Clio e estaria vendendo esse material pela Internet. Os comentários que se seguiram eram majoritariamente entusiastas, de outras pessoas que queriam as gravações.
Não sei se elas de fato existem, mas entrei no debate me identificando como professor do Clio e lembrando que qualquer um que comprasse as gravações estaria cometendo um ato ilegal, profundamente ofensivo tanto ao meu trabalho como docente como, ainda mais, aos meus alunos. Afinal, pagam mensalidades muito altas e não estão aí para serem passados para trás pelo primeiro espertinho com um MP3.
A corrupção e o desrespeito à lei são tão generalizados no Brasil que não posso dizer ter ficado surpreso com o golpe das aulas pirateadas, mas me espantou a burrice das pessoas que afirmam publicamente querer comprar esse material ilegal. Estupidez tão mais impressionante porque os candidatos à diplomacia precisam estudar Direito, pelo visto sem muito proveito.
Alguns dos amigos com quem comentei o caso me perguntaram se eu não havia ficado lisongeado com a suposta pirataria das aulas, ou contente com a publicidade. De modo algum. O que afaga a vaidade é me elogiarem a barba, achei um desrespeito profissional o caso das gravações. Além disso, sou um professor, não um ex-Big Brother querendo descolar uma ponta no programa da Hebe.
O principal argumento das pessoas que querem comprar as gravações ilegais é a falta de dinheiro para estudar e/ou a impossibilidade de vir ao Rio para fazer o curso. O problema é real, só que ninguém pensou em soluções alternativas, como organizar grupos de estudo e apoio mútuo, ou pressionar o governo para criar um programa de bolsas para candidatos de baixa renda, à semelhança do que já existe para os estudantes negros. Como sempre, a desonestidade e a vontade de levar vantagem às custas dos outros é só mais uma face da apatia cívica e do individualismo extremado.
Valha-me Deus, podiam também usar o Google e pesquisar pelos nomes dos professores, encontrariam vários dos nossos artigos disponíveis em sites acadêmicos e jornalísticos, tudo de graça.
Gostaria de saber se a Shakira passa por isso quando copiam suas músicas. Bem, mas ela dá concertos milionários e além disso rebola bem melhor do que eu.
terça-feira, 6 de março de 2007
Encontro com a África
Nos meses em que estive na Argentina ocorreu na cidade de Nairóbi, no Quênia, o Fórum Social Mundial, a mais importante das reuniões de movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Vários dos meus colegas de trabalho participaram e para muitos foi a primeira vez na África.
As histórias da viagem têm dominado nossos almoços e sempre são bastante emocionadas, o pessoal realmente ficou comovido com o que encontrou do outro lado do Atlântico. O mais interessante foi um debate que organizamos na segunda-feira com representantes de associações populares, como catadores de lixo, quilombolas e moradores de favelas, que foram ao Fórum graças a um fundo de solidariedade.
Minha experiência é a de que qualquer brasileiro que visite a África sente de imediato uma identificação muito forte com tudo o que encontra por lá. No caso de pessoas negras, com uma vivência intensa do racismo e da pobreza, a emoção é ainda maior. Os depoimentos ressaltavam a semelhança das dificuldades, em contraste com o caráter gentil e acolhedor do povo.
Algo que impressionou muito os brasileiros foi a presença de uma elite negra no Quênia. Os líderes políticos, empresariais e sociais do país, os comerciais na TV, os outdoors... Isso não significa ausência de racismo, pois há muitos ódios entre as diversas etnias que compõem o Quênia. Eles também observaram a discriminação e a injustiça nas relações entre patrões e empregados.
O jogo de contrastes e comparações com o Brasil também ficou muito claro na visita a Kibera, uma das maiores favelas do mundo. Os brasileiros afirmaram que se parece com as comunidades do Rio de Janeiro de décadas atrás, antes das lutas sociais que resultaram na chegada de luz elétrica e água encanada aos morros. Mas como lembrou uma catadora de lixo que vive na Baixada Fluminense, em sua comunidade a situação continua tão ruim quanto em Kibera.
O Fórum foi pouco noticiado na Argentina, acompanhei o evento pela cobertura do Ibase. No entanto, colegas do instituto me contaram que a imprensa brasileira fez um bom trabalho e que reportagens exibidas na TV aberta descreveram o Fórum como “um encontro para discutir um mundo mais justo”, o que é a melhor definição que já vi a respeito. Um amigo ressaltou que na África, basta ligar a câmera da televisão e a imagem da injustiça fala por si só, não há necessidade de justificar a urgência em mudar a realidade.
Muitos dos meus colegas voltaram do Quênia encantados com o país e cheios de vontade de conhecer mais a respeito da África, pois viram o suficiente para perceber que, para além dos sofrimentos e dos problemas, há fortes tradições de luta, criatividade e esperança.
domingo, 4 de março de 2007
Horizontes
Estes primeiros dias de volta ao Brasil foram muito mais movimentados do que eu imaginava e apontam para novas perspectivas na minha vida profissional e acadêmica para 2007.
Começou com minha transferência no Ibase. A direção do instituto me colocou na equipe de um grande projeto de pesquisa que irá avaliar a situação dos jovens em 6 países da América do Sul - Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela. É uma continuação de um projeto anterior que tratou do caso brasileiro e teve excelente repercussão. Fiquei muito feliz com a nova tarefa, não só pelo tema mas também porque o grupo reúne amigos queridos.
Por conta da nova responsabilidade, trabalhei no sábado. Veio ao Brasil a diretoria do instituto canadense que financia a pesquisa. Tivemos uma reunião pela manhã e expus as razões pelas quais é importante abordar a questão da juventude pelo marco do Mercosul - nos últimos 6 meses foram criados espaços institucionais para lidar com o tema dentro do bloco e a convergência de governos de centro-esquerda no continente cria uma ótima oportunidade para que os dados da pesquisa ajudem na formulação de políticas públicas.
A conversa com os canadenses foi muito boa e à tarde seguimos para a favela Santa Marta, onde todos batemos um papo com jovens que participaram da pesquisa anterior. Todos ficaram impressionados com a garra, energia e determinação desses rapazes e moças, que contaram histórias de racismo e discriminação, mas também de vitórias e esperanças - quase todos estão na universidade ou em grupos de teatro e dança, são muito ativos. Fiquei especialmente feliz por um rapaz que eu havia entrevistado há um ano e meio, ocasião em que me disse que sonhava ser jornalista. Pois bem, ele acaba de começar a faculdade. Conversamos sobre nossa profissão bonita e difícil e ele brincou que o próximo passo é estagiar comigo. Será muito bem-vindo.
Por coincidência, o Canadá também entrou na minha vida por outra porta. Irei para Montreal em setembro, dar uma palestra sobre direitos humanos no Mercosul no encontro da Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA). Minha proposta foi aprovada nesta semana e é possível que a organização custeie minha passagem e hospedagem, a resposta sai em maio. Em todo o caso, a LASA é o congresso mais importante do mundo na minha especialidade acadêmica. Estou eufórico!
Volto às aulas no doutorado em cerca de 10 dias. A prioridade é cursar o seminário de tese, ao fim do qual devo apresentar o capítulo teórico do meu trabalho. Além disso, espero fazer a matéria ministrada por meu orientador, que abordará o debate entre liberais e nacionalistas a respeito do desenvolvimento brasileiro. Promete.
Na foto, a cordilheira dos Andes próxima a fronteira da Argentina com o Chile. A montanha majestosa ao fundo é o Aconcágua, o ponto mais alto das Américas. Bom lugar para se olhar o horizonte de uma vida nova.
quinta-feira, 1 de março de 2007
Demônios à Solta
“Há algo de demoníaco no ar”, dizia minha amiga, enquanto me contava como sua filha teve o carro roubado a poucos quarteirões onde bandidos fizeram o mesmo com a família de João Hélio. Ouvi muitos casos parecidos – me impressionou a quantidade de pessoas no meu círculo de amizades que sofreram casos de violência nos quatro meses em que estive fora.
Quando pergunto quais são as novidades, invariavelmente escuto histórias de crimes, roubos, medo. “Não estamos te contando nem 10%”, jurou outra amiga. “Ainda bem, porque com mais algumas pego o telefone e reservo um vôo de volta para Buenos Aires.”
“O que você achou da cidade? Ela é violenta?”. Foi a primeira coisa que minha prima quis saber. Não era a curiosidade sobre as belezas portenhas ou o que havia para fazer por lá. “As pessoas não conseguem falar de outro assunto, é só violência”, constatava outra amiga.
Mas voltei com histórias de amizade, do carinho fraternal dos argentinos, das tardes nos cafés, dos passeios nas livrarias, do paraíso vislumbrado na Patagônia. A vida pode ser diferente. Deve.
“Você parece muito bem, muito feliz”, me dizem. É assim como me sinto, com a alma leve de quem viveu um período pleno. O fato de que agora uso barba e bigode também provocou reações: “Você está parecendo o Fidel. Não, nem tanto. Parece mais aquele outro, o argentino...” Outra amiga complementou: “Definitivamente, há algo de anos 60, meio libertário, na sua nova aparência.”
Hummm... acho que falta a boina.
Hoje à noite voltava no ônibus do trabalho para casa com a cabeça um pouco pesada pelas histórias do dia. De repente, a janela da frente estourou. Antes que eu pudesse pensar já estava abaixado e com o rosto protegido. O motorista parou e os passageiros começaram a gritar: “Não pare, pode ser um ataque.”
Levantei a cabeça e vi que a janela não tinha marcas de tiros ou de pedras. Foi o que disse aos outros passageiros, que demoraram um pouco para entender o que acontecia, em meio ao caos. “Não foi ataque, o vidro simplesmente estourou”, confirmou o homem que sentava ao lado da janela. Por via das dúvidas, muitos desceram.
Segui para casa, achando que minha amiga tem razão. Há algo demoníaco no ar desta cidade.
Quando pergunto quais são as novidades, invariavelmente escuto histórias de crimes, roubos, medo. “Não estamos te contando nem 10%”, jurou outra amiga. “Ainda bem, porque com mais algumas pego o telefone e reservo um vôo de volta para Buenos Aires.”
“O que você achou da cidade? Ela é violenta?”. Foi a primeira coisa que minha prima quis saber. Não era a curiosidade sobre as belezas portenhas ou o que havia para fazer por lá. “As pessoas não conseguem falar de outro assunto, é só violência”, constatava outra amiga.
Mas voltei com histórias de amizade, do carinho fraternal dos argentinos, das tardes nos cafés, dos passeios nas livrarias, do paraíso vislumbrado na Patagônia. A vida pode ser diferente. Deve.
“Você parece muito bem, muito feliz”, me dizem. É assim como me sinto, com a alma leve de quem viveu um período pleno. O fato de que agora uso barba e bigode também provocou reações: “Você está parecendo o Fidel. Não, nem tanto. Parece mais aquele outro, o argentino...” Outra amiga complementou: “Definitivamente, há algo de anos 60, meio libertário, na sua nova aparência.”
Hummm... acho que falta a boina.
Hoje à noite voltava no ônibus do trabalho para casa com a cabeça um pouco pesada pelas histórias do dia. De repente, a janela da frente estourou. Antes que eu pudesse pensar já estava abaixado e com o rosto protegido. O motorista parou e os passageiros começaram a gritar: “Não pare, pode ser um ataque.”
Levantei a cabeça e vi que a janela não tinha marcas de tiros ou de pedras. Foi o que disse aos outros passageiros, que demoraram um pouco para entender o que acontecia, em meio ao caos. “Não foi ataque, o vidro simplesmente estourou”, confirmou o homem que sentava ao lado da janela. Por via das dúvidas, muitos desceram.
Segui para casa, achando que minha amiga tem razão. Há algo demoníaco no ar desta cidade.
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