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Atirador, quando compra vingança alheia
Tem que ter veneno na veia
Tem que saber andar num chão de navalha
Atirador tarda mas não falha
Atirador não tem dó quando atira
Atirador é o dublê da ira
Ele só sabe o nome, só viu o retrato
Alma sebosa é mais barato.
Lenine, O Atirador
"No Country for Old Men", dos irmãos Coen, talvez tenha sido mesmo a melhor escolha para campeão do Oscar 2008, mas não estou entre aqueles que o consideram uma obra-prima. Em linhas gerais, acho que é um excelente faroeste-noir, mas que muitas vezes sucumbe à violência gratuita e niilista que supostamente critica.
Alfred Hitchcock cunhou a expressão “McGuffin” para definir o elemento misterioso que impulsiona a trama, mas que afora isso tem pouco valor em si mesmo. O McGuffin de No Country for Old Men é uma mala com US$2 milhões encontrada por um homem no cenário de uma chacina entre duas quadrilhas de criminosos, no meio do deserto do Texas. Ele passa o resto do filme sendo perseguido por um matador de aluguel (Javier Bardem, excelente) que quer reavê-la. Mas o bangue-bangue é mero pretexto para o que realmente importa: a reflexão sobre a violência sem sentido que tomou conta dos Estados Unidos.
Nesse sentido, o personagem-chave do filme não é o assassino interpretado por Bardem, mas o idoso e sábio xerife vivido por Tommy Lee Jones. Último de uma dinastia de homens da lei, ele se confessa impotente diante dos crimes cada vez mais brutais e despropositados que passou a testemunhar. Não consegue mais compreender o mundo em que vive. Por isso o título do filme em português deveria ser “Onde os velhos não têm vez”, como aliás foi o caso com o romance em que está baseado. Só Deus sabe porque os tradutores preferiram “Onde os fracos não têm vez”, e Ele não me explicou a razão.
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O personagem de Bardem é uma espécie de Anjo da Morte, com um código de conduta bastante próprio, e critérios para matar ou deixar viver que às vezes dependem da virada aleatória de uma moeda. Contudo, acho que os irmãos Coen o trataram com fascinação respeitosa. Ele é o personagem mais esperto de todo o filme e não duvido que muitos espectadores tenham torcido para o sucesso de sua missão.
O filme dividiu opiniões entre meus amigos. Entre os que não gostaram, a principal razão foi dúvidas com relação ao modo como a trama termina. Não me pareceu que ela fosse confusa, mas de fato algumas cenas se prestam a várias interpretações. Ainda assim, o essencial não é o destino da mala de dinheiro, puro McGuffin. O destaque da história é a lamentação por um mundo desencantado e seco como a poeira do deserto.