quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O Brasil e o Conselho de DH da ONU


Como sempre acontece após o carnaval, minha vida profissional fica muito movimentada, na medida em que começa a temporada de seminários acadêmicos, reuniões políticas e orientações às monografias dos meus alunos da pós-graduação. Uma das atividades dos últimos dias foi participar dos debates sobre o novo relatório a respeito dos direitos humanos no Brasil, que o governo federal precisa apresentar à ONU.

Até 2005 as Nações Unidas tinham uma Comissão de DH que se tornou muito desacreditada pela seletividade política com que tratava seus casos. Embora ela tenha sancionado bastante a África do Sul (durante o apartheid) e Israel, pouco fez diante das violações de direitos cometidas por países poderosos. Pior do que isso, a eleição para a Comissão não dependia em nada da situação político-social de cada país. O resultado eram Estados criminosos, como o Sudão, ocupando postos de onde pretendiam impor padrões de DH à comunidade internacional.

Na década de 1990 houve mudanças importantes na estrutura de DH da ONU. A Conferência de Viena criou o cargo de Alto Comissário para Direitos Humanos – que já foi inclusive exercido por um brasileiro, Sergio Vieira de Mello – os Relatores Especiais, que viajam aos países e realizam audiências públicas e estudos sobre temas como direito à habitação, tortura, execuções sumárias. No processo de reforma das Nações Unidas conduzido por Kofi Annan, o documento In Larger Freedom sintetizou as propostas para a área.

A principal delas foi a transformação da Comissão em Conselho. No jargão burocrático tantas vezes exasperante da ONU, isso significa posição hierárquica mais sólida. Além disso, o novo Conselho (foto) incorpora lições importantes das falhas anteriores. Uma delas é que os países que fazem parte da instituição precisam se submeter a avaliações da situação de seus direitos humanos. Aos poucos, essa prática ocorrerá com todos os integrantes das Nações Unidas, no que foi chamado de Mecanismo de Revisão Periódica e Universal (UPR, na sigla em inglês).

O Brasil foi eleito para o Conselho e agora passa pelo UPR. A proposta da ONU é que a sociedade civil de cada país tenha papel de destaque na formulação do relatório. Infelizmente tais idéias ainda estão muito vagas e pouco definidas, mas já representam avanços significativos. O governo brasileiro enviou a algumas ONGs e movimentos sociais uma versão inicial do relatório que apresentará às Nações Unidas e fiz parte da equipe que contestou esse documento.

Basicamente, nos queixamos de que ele está muito concentrado no que chamamos de “best pratices”, isto é, as políticas públicas que são exemplos do que deu certo na área. Queremos algo que reflita os problemas concretos experimentados por nosso país. Também consideramos fundamental a vinculação desse relatório ao trabalho feito no Brasil pelos relatores especiais da ONU, que não foram citados pelo governo brasileiro.

A maior importância desse tipo de processo é que os documentos e ações da ONU servem para dar visibilidade a demandas e denúncias por parte da sociedade civil. A imprensa dá muito mais atenção a esses problemas e a reação das instituições oficiais também costuma ser mais forte. O próprio Congresso realizou audiências pública sobre o UPR, o que demonstra o potencial do novo mecanismo para fortalecer o debate democrático.

Para quem se interessa pelo assunto, recomendo a leitura do artigo da minha amiga Lucia, que trata do papel das ONGs no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ela explica direitinho como funciona o novo órgão e mostra suas diferenças com relação à antiga Comissão.

4 comentários:

Anônimo disse...

Como vai Marcelo?
Andei lendo seus últimos posts e sei que seria difícil comentar sobre todos, então escolhi este por ser o mais recente.

O Brasil, por fazer parte dessa relação com a ONU, deve se enquadrar a um padrão de DH pré-estabelecido ou esse documento que o governo enviará consta o que o próprio país considera ser adequado?

Creio que a padronização dos Direitos Humanos nem sempre pode ser benéfica, ou tão boa quanto um país gostaria. Estou incorreto?

Abraços, e parabéns pelo blog!

Maurício Santoro disse...

Olá, Dênis. Tudo bem?

O monitoramento que a ONU realiza dos DH no Brasil se faz a partir de uma série de tratados internacionais ratificados por nosso país, que abarcam áreas como direitos civis e políticos, combate ao racismo, proteção da mulher e dos povos indígenas, preservação de direitos trabalhistas etc.

Com relação ao Relatório enviado ao Conselho, não existe uma camisa-de-força imposta pela ONU, os governos têm bastante autonomia para preparar o documento. Trata-se, afinal, de uma experiência bastante recente.

Quanto à padronização dos DH, há muitas reclamações por parte de governos africanos e asiáticos, que por vezes a consideram uma forma de imperialismo. Tenho muitas reservas a esse tipo de argumento, porque ele é utilizado por regimes autoritários para justificar atrocidades cometidas contra sua própria população.

Abraços

Anônimo disse...

Parabéns,sobrinho,pela sua posse!! Estamos muito orgulhosos de vc !!!! Continue assim!!!!Beijos

Maurício Santoro disse...

Olá, tia.

Na verdade, a posse é só amanhã, segunda-feira. O trabalho com relação aos direitos humanos é por outra das minhas representações institucionais.

beijos