quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A Polêmica sobre as Políticas Sociais de Chávez


A Foreign Affairs – a mais importante revista mundial de relações internacionais – traz em sua edição deste bimestre o artigo “An Empty Revolution: The Unfulfilled Promises of Hugo Chávez”, do economista venezuelano Francisco Rodríguez. O título dá o tom do texto, crítica feroz das políticas sociais de Chávez, no tom polarizado de sempre. Inusitado é o posto que o autor ocupou: chefiou o setor econômico do parlamento da Venezuela entre 2000 e 2004. Afirma que tinha opinião inicial positiva sobre o presidente, mas que mudou de idéia por suas experiências desagradáveis com o governo.

O centro do argumento de Rodríguez é que as políticas sociais de Chávez não teriam reduzido a pobreza na Venezuela, e que portanto o projeto de transformação do presidente seria vazio. Pena que o autor tenha optado por uma linha “tudo ou nada”, porque seu texto traz dados importantes para o debate, embora tenha optado por ignorar uma série de fatos fundamentais para entender porque tais políticas sociais (com todas as suas falhas) foram bem-sucedidas em construir ampla base de apoio para Chávez.

A agenda social do presidente venezuelano consiste numa série de ações que batizou de “missões” e que cobrem áreas como atendimento médico para comunidades pobres, bolsas de estudo para completar o ensino médio e a universidade, alimentos da cesta básica a preços subsidiados pelo governo e uma campanha para eliminar o analfabetismo. Reformas sociais moderadas, aplicadas por governos de diferentes matizes ideológicos. Em termos gerais, podem ser classificadas sob o rótulo de “políticas sociais focalizadas”, voltadas para a parcela mais pobre da população, que disseminaram-se na América Latina a partir das experiências mexicanas da década de 1980.

Embora pareça lógico priorizar a população mais pobre, muitos especialistas discordam da abordagem e preconizam o que se chama no jargão, de “políticas universais”. A crítica é centrada na percepção de que os serviços públicos dedicados exclusivamente aos pobres acabam tendo qualidade inferior aos que beneficiam também a classe média e a elite, pois o poder de pressão e fiscalização destes grupos é maior. No caso da Venezuela, há objeções ao modo clientelista e partidário através do qual Chávez canaliza esses benefícios. Os dados oficiais sobre o impacto das ações governamentais também são questionados e é quase certo de que estejam inflados.

Contudo, o que críticos como Rodríguez ignoram é o peso do contexto social da Venezuela, marcado por enorme desigualdade social e violência política contra os pobres, como na repressão policial e militar à rebelião das favelas de Caracas, o "Caracazo", de 1989. O presidente é hábil em explorar o sentimento de “nós contra eles” e se posicionar como um campeão da parcela mais pobre da população. Há inclusive forte componente racial na história e os opositores de Chávez com freqüência se referem a ele em termos pejorativos de sua ascendência indígena/negra, ainda que para os padrões brasileiros seja o típico moreno, tão comum em nosso país.

Quando estive na Venezuela, conversei com grupos de jovens locais que eram tão dedicados ao presidente que chegavam a chorar quando mencionavam seu nome. Colegas do Nós do Morro me contaram experiências semelhantes com a população das favelas de Caracas. Diziam-me que as casas de alvenaria que eu via nos morros haviam sido construídas ao longo do governo Chávez, porque antes as pessoas não queriam investir na melhora de suas moradias, pois tinham medo de ser despejadas pela polícia. Também falei com um rapaz que me narrou, emocionado, como sua mãe tinha sido operada de catarata em Cuba, graças aos acordos de cooperação assinados pelo presidente.

É evidente que para essas pessoas Chávez teve um impacto transformador, talvez não tanto em termos de aumento de renda, mas no sentimento de conquistas sociais, de novas possibilidades de vida, e mesmo de mobilização política e de valorização de sua identidade de classe. As massas que desceram dos morros e reverteram o golpe de 2002 não foram vistas em momentos parecidos da história latino-americana, como a derrubada de Vargas (1945), Perón (1955) ou João Goulart (1964).

Rodríguez defende a tese que a frustração com as políticas de Chávez foi a responsável pela derrota no referendo sobre a reforma constitucional. Não creio. Me parece que questões como a rejeição do autoritarismo crescente foram muito mais relevantes.

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