quinta-feira, 26 de junho de 2008
Di Tella
Eles foram industriais e políticos, intelectuais e mecenas das artes. E mais do que qualquer outra família encarnaram o sonho de uma Argentina próspera, moderna e culta, enfrentando desilusão, crises, uma complexa relação com o peronismo e o fracasso em viver de acordo com seus grandiosos projetos. “Los Di Tella – una família, un país”, do jornalista Nicolás Cassese, conta essa fascinante história. Minha vida se cruzou com a do clã: estudei na Universidad Torcuato di Tella, por coincidência para uma pesquisa que em grande medida tratou da política externa empreendida pelo chanceler Guido Di Tella.
A família é originária do sul da Itália e chegou a ter status de nobreza, mas declinou após a unificação do país. No início do século XX, emigrou para a Argentina, então em pleno ciclo de crescimento acelerado. Um dos membros do clã, o adolescente Torcuato, criou uma pequena oficina que produzia máquinas para padarias. Foi o início de um império industrial que se tornou um dos maiores da América do Sul e incluiu a fabricação de automóveis e eletrodomésticos.
Torcuato era um homem impressionante. Órfão de pai muito cedo, transformou-se no centro da família e ainda encontrou tempo para se formar em engenharia e lutar a Primeira Guerra Mundial no exército italiano. Foi crítico do fascismo e financiou organizações democráticas durante a Segunda Guerra Mundial. Tinha horror a Perón, a quem via como a versão local de Mussolini, mas se beneficiou muito de suas políticas de proteção industrial e manteve ótimas relações com seus governos.
Como um rei de contos de fada, Torcuato tinha dois filhos e tentou educar os jovens príncipes para que assumissem seu legado, pois devido aos seus problemas cardíacos, acreditava que morreria cedo, como de fato ocorreu. O primogênito, também chamado Torcuato (acima), nunca aceitou a tarefa, mas também teve medo em se rebelar. Aceitou a contragosto cursar engenharia, embora sonhasse em escrever livros e lecionar. Com a morte do pai, foi para os EUA, se pós-graduou em sociologia e virou um dos principais intelectuais argentinos.
O mais novo, Guido (acima), era mais próximo ao pai. Formou-se em engenharia, doutorou-se em economia e tentou conduzir os negócios da família. Não deu certo, lhe faltava o tino e o interesse apaixonado do patriarca. Más decisões, em especial a incapacidade de competir com as multinacionais automobilísticas, levaram à ruína do grupo empresarial, ainda que os Di Tella continuassem a ser muito ricos. As empresas do grupo foram em grande medida encapadas pelo Estado na década de 1960.
Guido teve melhor desempenho como animador cultural e fundador do célebre Instituto Di Tella, o epicentro da arte de vanguarda da Argentina nos anos 60 – até enfrentar as dificuldades duplas da crise financeira do grupo e da ojeriza das ditaduras militares, que temiam sua influência em degenerar a “moral e os bons costumes”. A foto abaixo retrata uma das obras mais polêmicas do instituto, “A Família Operária”, de Oscar Bony, que contratou trabalhadores para posar nas galerias e provocar a burguesia ilustrada que freqüentava o Di Tella.
Os Di Tella ilustram a ambigüidade da elite argentina com relação ao peronismo. Torcuato e os filhos foram opositores de Perón, mas acabaram se entendendo bem com o movimento. O pai, como um importante fornecedor industrial para o governo. Os rebentos, como altos funcionários e ministros em governos peronistas - Guido chegou a acompanhar o próprio general em seu retorno à Argentina, e se tornou homem de confiança e chanceler de Menem. Torcuato foi secretário da cultura de Kirchner. Cada um seguiu seu trajeto: Guido começou na democracia-cristã e se converteu ao liberalismo. Torcuato, do socialismo juvenil passou para visão próxima à social-democracia européia. Ambos acreditaram que o peronismo era o caminho para implementarem suas reformas na Argentina.
Fracassaram tanto quanto o projeto paterno de ser o Henry Ford da América do Sul, mas que belo fracasso! No processo, revolucionaram a indústria, a arte, fundaram uma universidade e escreveram livros importantes. Entre as novas gerações, destaco o trabalho do cineasta Andrés Di Tella, filho de Torcuato Jr, diretor de ótimo documentário sobre os Montoneros.
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