sexta-feira, 13 de junho de 2008

Um Beijo Roubado



Há muito não escrevo sobre cinema, simplesmente porque a safra 2008 de filmes está fraca, a maioria do que tenho visto me faz ter vontade de pedir o reembolso da entrada e da pipoca na bilheteria. Mas aqui e ali aparecem pérolas como “Um Beijo Roubado” (My Blueberry Nights), do diretor chinês Wong Kar Wai.

Certos filmes são em prosa, este é um poema. Conta a história de Elizabeth (a cantora Norah Jones, em estréia na tela grande e ótima atuação) uma moça que termina com o namorado e encontra consolo nas tortas de blueberry e nos papos que bate com Jeremy (Jude Law), dono de uma pequena lanchonete em Nova York. Confusa e deprimida, ela parte numa jornada pelos Estados Unidos, trabalhando como garçonete em vários bares e cidades e conhecendo pessoas excêntricas e um tanto marginais pelo caminho, como um policial alcóolatra e sua ex-mulher (David Strathairn e Rachel Weisz) e uma jogadora profissional em crise com o pai (Natalie Portman).



O enredo é pretexto para que Wong lance seu olhar sobre os Estados Unidos, sobre a América semi-mítica e solitária dos road movies, de longas estradas atravessando o deserto, placas de neon brilhando na noite das grandes cidades, bares esfumaçados com Try a little tenderness tocando ao fundo. É incrível a delicadeza com a qual ele filma pequenos gestos, como o cabelo cobrindo o rosto de Rachel Weisz, ou os sinais de trânsito numa madrugada chuvosa.

Os diálogos são simples e sem pretensão, como o enredo, mas com momentos muito bonitos. Meu favorito é a conversa entre Elizabeth e Jeremy, na qual ele fala sobre as chaves que diversos clientes lhe entregaram, que ninguém nunca apareceu para buscar, mas que ele guarda num jarro de vidro. Cada uma contém a história de uma amizade, de um amor, de uma separação.

“Por que você não as joga fora?”, ela pergunta.
“Porque então essas portas ficariam fechadas para sempre”, ele responde.

Que bom que existe o cinema, para nos abrir algumas delas.

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