quarta-feira, 4 de março de 2009

Milk – A Voz da Igualdade



“Se você quer entender o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, assista a Milk”, me dizia uma amiga, no papo no café do curso de formação. Outra colega acrescentou: “É realmente muito bom, mas eu fiquei meio chocada. Você, como é jornalista, não vai estranhar.” De fato, acostumado às orgias com anões albinos que acontecem rotineiramente nas redações brasileiras, considerei o filme como o melhor do Oscar deste ano, e suas cenas mais polêmicas não espantariam nem padre de novela das 18h.

Harvey Milk foi o primeiro político assumidamente gay dos Estados Unidos. Ele atuou por um breve período na década de 1970 na cidade de São Francisco, como ativista comunitário e vereador, e teve liderança na rejeição da Proposição 6, um projeto de lei que previa a demissão de todos os professores homossexuais – e daqueles que os apoiassem - das escolas públicas da Califórnia. Milk foi assassinado junto com o prefeito de São Francisco, em circunstâncias surpreendentes que não conto aqui para não estragar a sessão dos futuros espectadores.

Nada na biografia de Milk indicava sua extraordinária capacidade de liderança. Até os 40 anos ele viveu discretamente em Nova York, como um executivo da indústria de seguros, mantendo sua homossexualidade oculta da família e dos colegas de trabalho. A crise da meia idade o fez mudar-se para a Califórnia, onde abriu uma loja de máquinas fotográficas que se tornou um ponto de encontro da comunidade gay de São Francisco, e um catalizador para os conflitos com a polícia e as autoridades municipais.

Milk é interpretado com brilhantismo por Sean Penn, um excelente ator que nesse papel se afasta bastante dos seus personagens habituais, marcados por agressividade e temperamento explosivo. Em comum com o protagonista, Penn tem a paixão pela política e um longo ativismo em diversas causas sociais. O filme é quase uma aula sobre como organizar movimentos de base, acompanhando o processo de convencimento, tomada de consciência, a necessidade de buscar aliados fora do gueto homossexual, o esforço para colocar um tema na agenda da imprensa, e como figuras de destaque se tornam modelos inspiradores para indivíduos desgarrados que fazem parte de grupos discriminados.

A grande sacada do roteiro é tratar a luta pelos direitos dos gays como parte do movimento mais amplo de afirmação dos direitos civis. Isso é a tradição pluralista americana em sua melhor forma: todos somos parte de algum tipo de minoria, senão pela nossa orientação sexual, então pelas crenças religiosas, ideologias políticas ou preferências culturais. A tolerância com a diversidade é uma condição essencial para viver nas complexas sociedades contemporâneas. Muitas das cenas do filme me fizeram lembrar das memórias de juventude de Barack Obama, particularmente de seus anos iniciais como ativista comunitário nos guetos negros de Chicago. Não por acaso, duas das palavras mais repetidas do filme são “mudança” e “esperança”.

A luta vai ser pesada. Como o próprio Penn destacou em seu discurso na noite do Oscar, a Proposição 6 foi derrotada, mas a 8 - que proíbe o casamento gay na Califórnia - venceu na mesma eleição que levou Obama à presidência.

4 comentários:

carlos disse...

caro santoro,

considero lapidar:
"todos somos parte de algum tipo de minoria, senão pela nossa orientação sexual, então pelas crenças religiosas, ideologias políticas ou preferências culturais. A tolerância com a diversidade é uma condição essencial para viver nas complexas sociedades contemporâneas".
parabéns!

Maurício Santoro disse...

Salve, Carlos.

Na verdade, a frase é quase uma construção coletiva, porque veio das aulas e das conversas com minhas amigas no curso de formação.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Também gostei da frase tomada pelo Carlos. O que mais me preocupa da discriminaçäo contra os homossexuais é o marco cultural. Até hoje aos homens se os reprime fortemente desde meninos chevando-lhes a evitar até pontos ridículos todo o que remotamente possa ser relacionado com a homossexualidade, como se um heterossexual näo pouvesse demostrar sentimentos ("Los hombres no lloran"), usar determinados cores ("¡Sacate eso que parecés gay!") e, chegado ao caso, como se ser homossexual fosse inaceptável. Pensemos que ainda hoje os piores insultos contra um homem ainda säo dizer-lhe homossexual ou máncer (outro tema o dos filhos extramatrimoniáis, longo...).
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Pois é, Patricio. Apesar dos muitos avanços culturais esse tipo de comportamento repressivo ainda é muito comum em toda a América Latina, em especial quando saímos dos círculos da classe média. O metrossexualismo não chegou aos pobres!

Abraços