segunda-feira, 16 de março de 2009

Um Olhar sobre Cuba e Obama


Há alguns dias escrevi por aqui sobre a reforma ministerial de Raúl Castro em Cuba, se é que o termo não é simplesmente um eufemismo para seu movimento de afastar os tecnocratas reformistas e substituí-los por comunistas veteranos, de sua confiança. Agora leio uma belíssima análise sobre as expectativas do governo cubano com relação a Obama. Havana não está entusiasmada com o novo presidente dos Estados Unidos, porque acredita que seus ganhos diplomáticos em outros tabuleiros - América Latina, União Européia, China e Rússia - superam em muito eventuais concessões que teriam que ser feitas para consolidar a abertura em Washington.

O exame da situação em Cuba é feito pela historiadora americana Julia Sweig, autora de um clássico sobre a Revolução de 1959 e uma intérprete arguta das transformações recentes na ilha. Ela chama a atenção para como a questão cubana ganhou novamente proeminência na agenda diplomática latino-americana, com os países da região renovando esforços para trazer Cuba de volta ao sistema interamericano. O governo Obama sinalizou boa vontade e enviou projeto de lei ao Congresso facilitando remessas de dinheiro e visitas à ilha por parte dos exilados cubanos que vivem nos Estados Unidos. Além da óbvia importância humanitária das medidas, pode ser o primeiro passo no relaxamento do embargo econômico que os EUA impuseram ao país. Hoje, tantos anos após a Guerra Fria, é não somente um anacronismo, mas um desperdício de oportunidades de negócios para as empresas americanas. O setor turístico cubano, por exemplo, virou um importante investimento para as redes hoteleiras espanholas.

Com euros, yuans, bolívares e rublos fluindo para Cuba, não é de espantar que a liderança política em Havana se sinta pouco disposta a mostrar boa vontade diante do velho inimigo. Contudo, Julia Sweig atenta para o impacto duplo da crise econômica e de uma temporada de furações de força inusitada, que causou danos estimados em 20% do PIB cubano. Nessa conjuntura, a instransigência não é boa opção, se é que funciona em algum momento... Minha curiosidade é como o governo cubano irá negociar com os Estados Unidos diante da demissão de alguns de seus diplomatas mais experientes e bem-sucedidos. Colocar algum guerrilheiro de barbas brancas para executar a missão é uma escolha esdrúxula em comparação aos excelentes profissionais afastados por Raúl Castro.

A historiadora reforça as análises que apontam para a importância crescente dos militares no governo cubano. Claro, o próprio Castro foi ministro da Defesa por décadas, e seus homens de confiança estão nas Forças Armadas. Mas há mais em jogo, como Julia Sweig ressalta ao frisar o peso econômico dos militares, que controlam diversas empresas e projetos de cooperação internacional. Acrescento que, em contextos de instabilidade e incerteza, a disciplina das Forças Armadas deve soar muito atraente para uma liderança política cada vez mais insegura diante de um mundo em rápida transformação.

Com certeza, preciso ler mais sobre o tema dos militares na Cuba contemporânea, e há à disposição alguns livros que parecem bem interessantes. Em junho, devo aproveitar o congresso da Latin American Studies Association para me abastecer de novidades.

2 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:

"Com euros, yuans, bolívares e rublos fluindo para Cuba, não é de espantar que a liderança política em Havana se sinta pouco disposta a mostrar boa vontade diante do velho inimigo."

Creio que é o eixe da qüestäo. Aunque hoje os EUA tenham um governo muito mais aberto, os cubanos näo väo aceitar täo rapidamente ao Washington. Näo têm uma necessidade totalmente imperiosa porque têm outros "aliados" disponíveis e saria um golpe contra o orgulho revolucionário, "broder"!
Saludos argentinos!

Maurício Santoro disse...

Pois é, meu caro, mas como conversávamos em outra ocasião, é uma visão de curto prazo da liderança cubana, que pode desperdiçar a chance de normalizar a relação com os EUA.

Abraços