segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Acordo em Honduras



Sob pressão dos Estados Unidos, o governo golpista de Honduras fechou um acordo com o presidente deposto, Manuel Zelaya, pelo qual a Suprema Corte e o Congresso votarão nesta semana para decidir seu retorno ao poder. Se isso acontecer, será formado um governo de coalizão para cumprir os três meses que restam do mandato de Zelaya, e montada uma comissão para investigar os crimes políticos cometidos desde o golpe de junho. É bom desfecho para a crise, pois reestabelece a democracia e veta as pretensões ilegais de alterar a Constituição.

Os Estados Unidos condenaram o golpe desde o início, mas demoraram a se envolver ativamente na mediação da crise. A meu ver, as indefinições se deram pelos fortes vínculos entre Washington e a elite hondurenha, visto que esse país foi a principal base americana contra as revoluções e guerrilhas da América Central na década de 1980. Sem a firme pressão internacional, em particular a dos países latino-americanos, os EUA possivelmente teriam assistido passivamente à deposição de Zelaya.

Contudo, a ação diplomática dos países da América Latina não foi suficiente para resolver a crise hondurenha, foi preciso o engajamento dos Estados Unidos para que isso ocorresse. Não é surpresa, visto que Honduras é extremamente dependente do mercado americano para seu comércio exterior. Logo depois da assinatura do acordo, Washington suspendeu as sanções contra Honduras.

É a primeira negociação diplomática bem-sucedida do governo Obama com relação à América Latina. Hoje, o continente representa para o presidente americano muito mais riscos do que oportunidades. A agenda se limita basicamente a problemas como combate ao tráfico de drogas e os debates sobre imigração ilegal.

Que lição a política externa brasileira pode tirar da crise hondurenha? A demonstração dos limites da projeção de poder do país. Nas crises que envolvem nações vizinhas, como Bolívia, Paraguai, Venezuela ou Colômbia, o Brasil tem ampla capacidade de influir no resultado, e os Estados Unidos têm deixado os brasileiros no primeiro plano de exercer o papel de estabilizar uma região turbulenta.

Contudo, não é o mesmo na América Central. Na ausência de vínculos econômicos e políticos com as elites locais, faltam à diplomacia brasileira os instrumentos de pressão sobre essas nações. A decisão de transformar a embaixada em Tegucigalpa num quartel partidário para Zelaya contrariou as melhores tradições da política externa e constituiu uma aposta extremamente arriscada. O desfecho da crise foi muito bom diante das circunstâncias, mas o que as autoridades brasileiras fariam se um grupo de homens armados tivesse invadido a representação diplomática do país e assassinado Zelaya?

A temeridade da diplomacia brasileira foi ainda mais grave, porque era desnecessária. A posição inicial do país foi corretíssima: condenar o golpe e negociar o retorno de Zelaya por meio do fórum adequado: a OEA e sua Carta Democrática.

11 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
Digamos que, históricamente, a América Central e o Caribe sempre foi parte da área de influencia par excellence dos EUA, que chegaram CRIAR PAISES (Panamá, Cuba) a seu gosto. Na América do Sul, aunque obviamente têm poder, estivo relativizado (pensemos, por exemplo, no Reino Unido). Não é extranho que os EUA tenham conseguido a normalização aunque, como você diz, pressionados pela Latinoamérica. Acredito que, de ter sido na Era "Bushiana", o golpe houvesse sido respaldado (como na Venezuela em 2001); é todo um progresso.
Esperemos que pronto a situação melhore, aunque sem dúvidas as feridas vão siguer abertas; não só no econômico (Que inversor va pensar num pais tão turbulento?), mas também no humano (as vítimas inocentes de todo isto).
Abraços!

Patricio Iglesias

aiaiai disse...

ai que bom! pelo menos vc não reconhece o governo golpista...
passei só para saber se vc gostou do artigo do FHC...parecia até com o seu, espinafrando o lula. legal que vc está com boas companhias, né?
tudo de bom!

Rafa Rodrigues disse...

Que artigo seu é esse, Maurício? Agora fiquei curiosa.

Bjs, Rafa.

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

Sem dúvida, sempre foi a área mais forte da influência dos EUA, mesmo antes que o país se tornasse uma grande potência. E continua a ser uma região importante para a diplomacia americana, embora hoje a questão crucial seja migração, seguida do crime organizado.

Salve, Ai ai ai.

Tenho muitas críticas ao presidente FHC, mas uma enorme admiração pelo sociólogo, que é dos mais importantes da América Latina, com trabalhos de destaque publicados em áreas tão distintas como economia política internacional, sociologia do desenvolvimento, história da escravidão e o processo de redemocratização do Brasil.

Ser comparado a ele como analista político é uma honra, mas uma que, infelizmente, não mereço. Preciso evoluir muito profissionalmente antes de sequer começar a pensar nisso.

Ainda assim, me parece que a crítica mais relevante ao governo Lula foi a excelente entrevista do ex-presidente do BC, Armínio Fraga, publicada há poucos dias no Valor.

Surpresa? As melhores críticas a qualquer governo vêm sempre da oposição.

E da imprensa - esta que o presidente Lula prefere ver noticiando os capítulos da novela, ou quem sabe o jogo do Corinthians.

Com relação a Honduras, você pode acompanhar minha análise da crise pelo marcador correspondente. O ponto básico é a crítica às ilegalidades - dos golpistas, de Zelaya e do governo Lula, ao violar os tratados internacionais e transformar a embaixada num QG partidário.

Cara Rafa,

Trata-se da coluna do ex-presidente FHC publicada no Globo deste domingo, na qual ele critica Lula com argumentos bastante semelhantes aos que apresentei em meu post.

Abraços

Mário Machado disse...

Dois pontos que qualquer analista de relações internacionais conseguiu ver desde a eclosão da crise são: que a solução só se daria quando o Departamento de Estado entrasse no jogo pra valer; E que terceiras-parte usariam o evento pra empurrar suas agendas, pró-chavez, anti-chávez, pro-quico, todas elas.

E eu me perguntava desde o inicio, também, quantas vidas seriam desperdiçadas num impasse de solução totalmente negociável. E tenho pra mim que o sangue que lá foi derramado sujou a todos os envolvidos, do Alvorada a Casa Branca.

carlos disse...

salve, santoro,

o seu formalismo me causa espécie, nobre professor.
o senhor zelaya foi e continua sendo o representante máximo do povo hondurenho. o governo brasileiro deu mostras concretas de responsabilidade em defender veementemente a democracia no continente americano. a atuação firme do itamaraty foi respaldada pela oea, a onu, a ue, e a unanimidade dos países. queria o quê? que o departamento de estado fomentasse o golpe e a casa branca ignorasse o atentado golpista?

quer queira ou não, o brasil de agora está no jogo internacional, meu caro. só quem não reconhece isso são os aposentados do instituto rio branco que, vire e mexe, ficam dando pitaco na globo news. os de fora não se cansam de elogiar nossa política externa. engraçado, né?

sobre o artigo de fhc, só posso dizer o seguinte: foi sua carta-testamento tal as sandices proferidas. e mais, só escreveu aquilo por que no dia anterior saiu a lista dos cotistas do fundo opportunity, na qual constatava o seu beletrista instituto. respeite a destilaçaõ de ódio desse senhor contra o governo do metalúrgico. a charge com a mão do presidente com quatro dedos e o sinal de placa stop, diz tudo sobre essa figura e a data de publicação, dia de finados.

creio ser um ato falho, o professor afirmar que suas críticas se assemelham ao de fhc. não acredito. tem alguma coisa errada aí. não entendi.

abçs

Mário Machado disse...

Como cidadãos brasileiros, eleitores temos mais preocupação e atenção com a nossa política externa, sobre a certa imagem de Brasil, como diria Rio Branco. É natural que aqui se encontrem críticas mais contundentes e nem por isso partidárias.

E convenhamos o Lula não é um metalurgico "outsider" do sistema político ele é como todos os presidentes civis antes dele um político profissional, sua profissão era a política antes de ser presidente, ele não saiu do torno mecânico ao palácio.

Ele saiu do torno ao sindicato, de lá ao partido e se tornou político profissional. É um romantismo mistificador e pouco objetivo usar reiteradamente esse epiteto presidente operário, metalurgico, como numa oposição as chamadas elites, que ironicamente são apaiodoras do governo Lula. O Brasil além da jabuticaba tem tb o presidente da FIESP filiado ao PSB.

Mário Machado disse...

"o governo brasileiro deu mostras concretas de responsabilidade em defender veementemente a democracia no continente americano"

Então por coerência deviamos ter votado contra o pleno restabelecimento de Cuba como membro da OEA, não?

Essa é a crítica dos que vc chama pejorativamente de aposentados. Ou nossa política é pragmática baseada no interesse nacional? Ou é ativista e engajada com base nos valores nacionais? Não dá é pra ter uma moralidade ad hoc.

Por que convenhamos é no minimo patético discursar enfaticamente pela democracia em Honduras abraçado a Khadafi.

Maurício Santoro disse...

Caro Carlos,

Como um administrador público profissional, me assusta muito quando dirigentes deixam de lado os princípios de direito - nacional e internacional - para levar adiante suas agendas partidárias. A ação do Brasil foi corretíssima no primeiro momento, ao condenar o golpe e invocar os princípios da Carta Democrática da OEA, mas violou a própria Constituição brasileira e os principais tratados internacionais sobre relações diplomáticas e asilo (Convenção de Viena e Convenção de Caracas) ao permitir a Zelaya utilizar a embaixada brasileira como QG partidário.

Todos os diplomatas aposentados (a próposito, aposentados do Ministério das Relações Exteriores, o Instituto Rio Branco é apenas uma divisão administrativa desse órgão, responsável por cursos de formação e aperfeiçoamento) que se manifestaram sobre o episódio condenaram a guinada intervencionista do Brasil.

Note que os críticos incluíram dois embaixadores (Rubens Barboza e Roberto Abdenur) que exerceram altos cargos no governo Lula, além de outro (Rubens Ricupero) de que tão próximo ao PT chegou a ser cogitado para chanceler.

O Mário apontou em seus comentários, com muita precisão, as contradições entre o discurso pró-democracia na política externa e a prática que leva o governo Lula a cortejar ditaduras, em particular na África.

O Brasil tem se tornado um ator internacional relevante, em particular na América do Sul, mas ainda precisa adequar melhor discurso, objetivos e recursos disponíveis.

Em Honduras houve um claro erro de cálculo, com falas muito duras, que não estavam amparadas por poder para resolver a crise. Ao fim, o elemento central foi a ação dos Estados Unidos.

Abraços

aiaiai disse...

Voltando ao artigo do principe, eu não tinha visto a ilustração no O Globo.
E vc, Maurício, gostou também da ilustração?

cheque aqui:
http://www.viomundo.com.br/opiniao/em-o-globo-oposicao-a-lula-nao-fala-portugues/

Maurício Santoro disse...

Não, achei a ilustração bastante ruim, embora seja uma boa peça de humor involuntário.

Parte da minha crítica ao PT é justamente a indisposição do partido em aceitar opiniões divergentes, com frequencia qualificando os adversários como anti-patriotas, entreguistas ou qualquer outro esteriótipo que o autoritarismo dos governantes tenha imaginado.

Abraços