quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Cesare Battisti e a Itália de Chumbo



Depois de confuso e controverso processo no Supremo Tribunal Federal, é improvável que o presidente Lula decida extraditar Cesare Battisti à Itália, país no qual ele foi condenado por diversos crimes, em sentenças posteriormente confirmadas por tribunais da França e pela Corte Européia de Direitos Humanos. Manter Battisti no país viola o tratado de extradição entre Brasil e Itália e por isso o Ministério das Relações Exteriores e o Comitê Nacional para os Refugiados se opuseram à concessão do refúgio.

Os debates sobre o caso Battisti no Brasil dedicaram pouco espaço à análise da conjuntura da Itália nos anos de chumbo e é isso que pretendo fazer neste post – como possuo dupla cidadania, brasileira e italiana, a crise entre os dois países me diz respeito de perto.

Nas décadas de 1960 e 1970 a Itália enfrentou problemas sérios de violência política. Era uma jovem e frágil democracia, e muitos de seus líderes tiveram papéis de relevo no regime fascista. Isso levou a nova geração do pós-guerra a desprezá-los, e questionar a legimitidade de instituições representativas vistas como anêmicas e pouco mais do que uma cortina de fumaça para o domínio da elite tradicional. Os ativistas de extrema-esquerda formaram grupos armados, dos quais o mais conhecido foram as Brigadas Vermelhas. Houve equivalentes da extrema-direita, a ação de esquadrões neofascistas se tornou notória, em particular no norte do país.

O Partido Comunista Italiano (PCI), em seus anos de glória, era conhecido pelo brilhantismo intelectual de seus dirigentes, do naipe de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti. Embora sem conquistar o poder no nível nacional, o PCI se estabeleceu como bom administrador regional no centro-norte, em particular em Bolonha, a “cidade vermelha”.

Na década de 1970, o PCI criou o “eurocomunismo”, rompendo com o autoritarismo soviético e se firmando como alternativa plausível ao poder. Foi então que o primeiro-ministro Aldo Moro, da democracia-cristã optou pela política do “compromisso histórico”, de aliança com os comunistas. Isso foi demais para os radicais e nesse contexto as Brigadas Vermelhas sequestraram e mataram Moro. Apesar da esquerda moderada sempre ter condenado esse tipo de ação, muitos analistas acreditam que o terrorismo dos pequenos grupos comunistas a atingiu, eliminando suas chances de ascender à chefia de governo. Isso só aconteceu no pós-Guerra Fria, com o sucessor bem mais conservador do PCI, o Partido Democrático de Esquerda.



Cesare Battisti havia sido por roubo, na prisão conheceu radicais políticos e se juntou ao grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), uma dissidência das Brigadas Vermelhas que rompeu com a organização principal por achar suas estruturas decisórias muito centralizadoras. A segunda foto deste post os mostra em ação e se tornou uma das imagens mais conhecidas dos anos de chumbo da Itália. Battisti foi condenado por envolvimento em quatro homicídios cometidos pelo PAC, alguns contra policiais e militantes fascistas, outros contra comerciantes que reagiram a assaltos. Ele nega ter participado desses crimes, mas os tribunais de dois países e da União Européia concluíram de forma contrária.

Battisti foi preso na Itália, mas fugiu e rumou para a França, onde ficou alguns anos sob a proteção da Doutrina Mitterand. O presidente francês, ansioso por agradar a seus aliados comunistas, críticos de sua política econômica, havia decidido abrigar os ativistas políticos de esquerda condenados em outros países. A Doutrina foi abolida na década de 2000, pela pressão dupla de governos conservadores e dos tribunais europeus, que a julgaram incompatível com as leis anti-terrorismo do continente. Battisti passou à clandestinade na França e veio para o Brasil.

O Ministro da Justiça, Tarso Genro, baseia sua decisão de conceder refúgio a Battisti em dois argumentos principais: seus crimes teriam sido de natureza política e os tribunais italianos não teriam legitimidade para agir de forma independente do Executivo – em sua declaração mais recente, o governo Berlusconi seria um exemplo de “fascismo galopante”.

A Justiça brasileira entende “crime político” como aquele em que a vítima é condenada em função de sua opinião. Essa definição exclui, por exemplo, assassinatos cometidos por motivação política. Se não fosse assim, Bin Laden teria que ser acolhido no Brasil, segundo a classificação de Genro.

Quanto à avaliação que o ministro faz do regime político italiano, ela pouco importa. Afinal, Battisti também foi condenado na França e na Corte de Direitos Humanos da União Européia.

6 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Il mio amico:
Non sapeva che aveva la cittadinanza italiana! Eu não tenho a possibilidade de consiguer a cidadania européia, só chego a tataraneto de espanhol e francês.
Faz umos três anos um italiano me contou sob a crise da violência dos anos '60-'70 e a comparação com a Argentina. Depois li que o General Della Chiesa (Da Igreja, meu familiar? Ha, ha, ha!), num debate sob "mano dura" contra as forças paramilitares, dez que a Itália podia se permitir perder dados mas não reinstalar a tortura. Qué coisa... todo o que não houvessem sofrido nossos povos de ter seguido o caminho dos fratelli...
Abraços

Patricio Iglesias

Mário Machado disse...

Mais um assassino condenado fora das cadeias..

A novidade é o Brasil agora exportar a impunidade, tudo sob uma mascara de humanismo...

Outro líder francês acertou.. "O Brasil não é sério!"

Helvécio Jr. disse...

ótimo post jogador,

realmente o atual governo não tem muito de esquerda, mas na política externa tenta massagear os egos da galera pré-89.

Cuidado, não vai escrever (criticar) sobre a visita do Ahmadinejad. Do contrário, os espiões vermelhos do governo vão te mandar para o gulag no Acre...


abração.

Maurício Santoro disse...

Patrizio, amico mio.

Como escreveu Borges, somos todos filhos dos barcos... Argentinos e brasileiros...

Salve, Mário e Helvécio.

Não dá para dizer que estou surpreso com a reação do governo no caso Battisti...

Semana que vem escrevo sobre o Irã. Preciso buscar mais informações.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

PD: Ha, ha, ha! Minha mãe pensava me chamar "Patrizio", mas na maternidade escreveram "Patricio" e depois pensou que um nome italiano com um sobrenome espanhol não soava bem.

Maurício Santoro disse...

Ha ha ha... Acho que nome italiano com sobrenome espanhol é a própria essência da Argentina! :-)