segunda-feira, 12 de julho de 2010

Brutalidade Jardim



Assisti a uma excelente palestra de Cristopher Dunn no congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos, no Canadá. Ele falou sobre o artista plástico Hélio Oiticica. Por isso, foi com entusiasmo que li seu recém-lançado “Brutalidade Jardim: a Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira”. Dunn analisa com paixão e maestria a vibração cultural do Brasil em 1967/1968, e os impactos dessa renovação para a cena artística contemporânea.

O movimento tropicalista abarcou vários gêneros, com força no cinema (“Terra em Transe”, de Glauber Rocha), artes plásticas (Hélio Oiticica, Rubens Gerchman), teatro (o Grupo Oficina, de José Celso Martins Corrêa) e, sobretudo, música (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Mutantes, Tom Zé). Dunn trata principalmente dos músicos, ressaltando as vinculações de sua obra com a produção de outros artistas.

A Tropicália surgiu de um fértil diálogo entre as vanguardas culturais de São Paulo e um grupo oriundo da Universidade da Bahia, cujos departamentos dedicados às artes tiveram brilhante desenvolvimento nas décadas de 1950/1960, com excelentes professores que fomentaram a criatividade de alunos como Glauber, Caetano e Gil.



Em comum: a rejeição ao autoritarismo e à ditadura militar, mas também o desconforto com as posturas tradicionais da esquerda. Os tropicalistas fizeram a opção pela paródia, pelo humor, com colagens, referências múltiplas que não tinham medo do mau gosto. Reinventaram a “antropofagia” de Osvald de Andrade, que tinha sido tão importante no início do Modernismo – a montagem do “Rei da Vela” pelo Teatro Oficina foi o marco desse processo.

Ouvir o disco “Tropicália ou Panis et circensis” é uma experiência arrebatadora, comparável a escutar “Sgt. Peppers” dos Beatles ou “Dark Side of the Moon” do Pink Floyd, e seu lançamento marcou uma geração, numa época em que parte dos nacionalistas culturais brasileiros ainda resistiam à implementação das guitarras. Os vínculos internacionais dos tropicalistas foram reforçados quando Caetano e Gil tiveram que se exilar em Londres, e entraram em contato com a contracultura européia e com os novos ritmos que despontavam nas comunidades de imigrantes caribenhos, como o reggae.

Na interpretação de Dunn, a Tropicália surgiu como resposta ao esgotamento de diversos modelos, do pacto político populista que ruiu com o golpe de 1964, mas também da canção de protesto oriunda dos movimentos sociais das décadas de 1950/1960. Os tropicalistas levantavam outras questões: ambigüidade sexual, identidade, minorias étnicas. Os primeiros pós-modernos brasileiros? Talvez, embora não gostem do rótulo.

5 comentários:

Enzo Mayer Tessarolo disse...

Mauricio,

Mais ou menos a ver com o assunto, te indico o documentário do Silvio Tendler intitulado "Utopia e barbárie", que está em exibição em alguns cinemas.

É um bom retrato das ditaduras e dos movimentos democráticos ocorridos na segunda metade do século passado. Se eu não me engano, o diretor passou por 15 países para fazer este documentário. Enfim, é uma boa fonte de estudos.

Att,
Enzo.

Maurício Santoro disse...

Salve, Enzo.

Infelizmente perdi o documentário do Tendler, mas vou vê-lo quando for lançado em DVD.

abraços

dra disse...

oi Maurício, tudo bem?

>"A Tropicália surgiu de um fértil diálogo entre as vanguardas culturais de São Paulo e um grupo oriundo da Universidade da Bahia, cujos departamentos dedicados às artes tiveram brilhante desenvolvimento nas décadas de 1950/1960, com excelentes professores que fomentaram a criatividade de alunos como Glauber, Caetano e Gil."

>Um excelente livro sobre esse tema é Avant-Garde na Bahia, de Antônio Risério q pode ser adquirido no link
http://www.institutobardi.com.br/instituto/atividades/publicacoes.html

o curioso é q nem Gil (formado em Administração de Empresas), Caetano (Filosofia) e Gláuber (Direito) estudaram em um desses departamentos de artes q vc cita, ainda q tenham podido conviver com a atmosfera cultural do período, como conta Caetano nas primeiras páginas de seu Verdade Tropical.
Já Tom Zé, sim, formou-se em Música e foi aluno de Koellreutter, Smetak e outros...

forte abraço!

Maurício Santoro disse...

Salve, Dra.

O Risério é muito citado no livro do Dunn e fiquei com vontade de lê-lo.

É certo que a maioria dos artistas mencionados não estudou Artes, mas frequentavam o ambiente, que era muito rico. E desconfio que suas eletivas tendiam desproporcionalmente para esse departamento :-)

abraços

Unknown disse...

Adorei a comparação com a obra do Pink Floy e principalmente com o dos Beatles.
Ta aí um assunto que eu gostaria muito que fosse tratado com bastante carinho pela socieade e não vista muitas vezes como um 'movimento' baderneiro, formado por vagabundos como já ouvi diversas vezes.
Vale MUITO a pena ir atras dos Festivais da MPB da RECORD, de 69, 68, e também pegar um livro muito legal do Marcelo Ridenti: EM BUSCA DO POVO BRASILEIRO. Parabens pela matéria, xará!