sexta-feira, 23 de julho de 2010

CSI: Caracas



Na América Latina se morre de muita morte morrida, e de alguma morte matada, mas ninguém perece por causa do tédio. A notícia mais pitoresca dos últimos dias foi a decisão do presidente da Venezuela em exumar os restos mortais de Simon Bolívar para comprovar uma hipótese lançada recentemente por cientistas da Universidade de Maryland, nos EUA: a de que o Libertador teria sido envenenado por arsênico, em vez de ter falecido em decorrência de tuberculose, como em geral se acredita.

A obsessão política de Chávez com Bolívar é bastante conhecida, mas não é tão difundida sua fixação com a morte. Segundo seus biógrafos, o presidente venezuelano acredita com fervor que será assassinado. Descobrir que seu maior ídolo teve um fim semelhante com certeza um impacto psicológico forte sobre Chávez, reforçando suas crenças com respeito a seu suposto destino trágico.

A vida de Bolívar parece uma transposição americana de um dos romances de capa e espada de Alexandre Dumas, e ele sobreviveu a uma série de conspirações, intrigas e tentativas de assassinato – a mais famosa foi um ataque noturno a sua casa, da qual ele escapou pulando pela janela, enquanto sua amante enganava os inimigos. É verossímil, embora não seja provável, que ao fim um adversário mais ardiloso o tenha envenenado.

Se isso for verdade, o impacto político é nulo. As disputas pelo poder na Grã-Colômbia das décadas de 1820 e 1830 podem ser leituras fascinantes, mas não impactam para o atual estado das relações entre Chávez e Uribe, para a agenda da ALBA ou para a próxima rodada de retórica entre a Venezuela e os EUA.

Curiosamente, não é a primeira vez que tiram Bolívar de seu descanso eterno. Na década de 1970, um grupo armado colombiano, o M-19, roubou a espada do Libertador de um museu e anunciou que “retomava sua luta” – pleito que terminou num trágico atentado terrorista, a tomada da Suprema Corte da Colômbia, com dezenas de mortos. Passou pelo traficante Pablo Escobar e pelo governo cubano. As FARCs agora alegam ter outra das espadas do líder.
Faltam boas biografias em português de Bolívar, mas para os que se interessam pelo personagem recomendo os trabalhos do historiador David Bushnell.

7 comentários:

Mário Machado disse...

Eu não exumaria o corpo de um ídolo meu e herói nacional, mas isso sou eu.

Angélica disse...

Engraçado o título do texto. Mas, sinceramente, acho improvável que após tanto tempo se encontre vestigios de veneno no corpo exumado.

brunomlopes disse...

Olá Maurício,

como sempre, seus posts são excelentes. Quando estiver no balneário de São Sebastião, de um toque para nos vermos.

Nem Gabriel Garcia Marquez poderia inventar uma história como essa da exumação do corpo do Bolivar. Chavez ainda tweetou a exumação, e o melhor é usar as aspas: ""Confesso que choramos, juramos. Conto a vocês: tem que ser Bolívar esse esqueleto gloriosos, pois pode sentir-se sua labareda. Meu Deus". Você trouxe uma informação importante, não sabia que Chavez acha que vai morrer assassinado e quer saber se seu herói morreu assim.

Nesses dias tivemos notícias mais preocupantes sobre a Venezuela: além dos problemas diplomáticos com a Colômbia, o país assiste uma inflação crescente, e a recessão de 2009 deve continuar por 2010 e 2011.

Parece que Chavez não usou as divisas internacionais que chegaram à Venezuela nos anos de alta do petróleo para diversificar a economia ou ao menos manter competitiva a a PDVSA. Preferiu exportar petróleo para Cuba e usar o dinheiro para fins políticos, e o resultado é o que se vê. Alguém ainda acha que Chavez pode ser um bom exemplo para a América Latina?

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Um dia García Márquez vai processar Chávez por uso indevido da obra do realismo fantástico.

Acho que a atual crise da Venezuela com a Colômbia é a enésima repetição da gritaria entre os dois governos, e não vai dar em nada... Espero!

abraços

brunomlopes disse...

O Chavez fica parecendo aquele sujeito que quer dar uma de valentão e grita para os amigos: ˜me segura ou vou bater nele!" Acho que já era hora de alguém bater no ombro dele e falar: "você não odeia tanto os Estados Unidos? Então, o exército da Colômbia é financiado por eles, vai lá mostrar a espada de Bolivar".

Minha aposta é que o Chavez iria parar com essas fanfarronices. Veja só: parece que ele inventou essa presepada para "fortalecer" a Unasul e dizer que "a crise foi evitada porque os Estados Unidos não se meteram".

Maurício Santoro disse...

Caro,

Me parece que a motivação desta crise é criar problemas para o novo presidente eleito da Colômbia, o candidato de Uribe.

Abraços

Mário Machado disse...

Dr,

Elucubro se a crise não foi com o objetivo de deixar numa posição de ter que negociar com Santos e além disso ter deixar seu suposto apoio as Farc e EP em low profile.

Mas, não tenho ainda elementos para testar essa hipótese.