segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Os Excluídos



Meu amigo João Daniel me recomendou este excelente romance, que na edição brasileira se chama “Os Excluídos” – em inglês o título é The Vagrants, isto é, pessoas muito pobres que se deslocam sem cessar, de um lugar para outro. Foi escrito por Yiyun Li, uma jovem autora chinesa que emigrou para os Estados Unidos na década de 1990. Menina-prodígio na matemática, ela se revelou também um imenso talento literário. Seu livro é um retrato dolorido da China após a Revolução Cultural, nos anos que antecederam a guinada rumo às reformas econômicas e à prosperidade e que foram marcados pela derrota do movimento do Muro da Democracia.

O romance é ambientado na aldeia (ficcional) de Rio Lamacento, a cerca de mil quilômetros de Pequim e começa com a execução de Gu Shan, uma jovem que durante a Revolução Cultural foi a mais radical Guarda Vermelha do local, e nessa condição cometeu diversas atrocidades contra a população do vilarejo. Contudo, ela se decepcionou com o camarada Mao e acabou denunciada às autoridades pelo próprio namorado.

A ação se inicia em 1979. Mao já morreu e seus colegas da Gangue dos Quatro estão na cadeia. Em Pequim, Deng Xiaoping disputa o poder com a corrente mais conservadora do Partido Comunista, e estimula cautelosamente protestos sociais e críticas do período da Revolução Cultural. Em Rio Lamacento, essa explosão de medos, ressentimento e expectativas frustradas ocorrerá em torno das pessoas que conviveram com Shan.

Desse modo, Yiyun Li pinta um painel fascinante do cotidiano chinês à época, por meio dos dilemas de cerca de uma dúzia de personagens. Os pais de Shan, um professor aposentado e sua esposa, se dividem entre a dor de perder a filha e a vergonha pelos crimes que ela cometeu na Revolução Cultural. O pai é especialmente traumatizado, pelas perseguições que sofreu no início do comunismo, e por ter se divorciado da primeira esposa, uma militante fanática. Kai, é uma ex-colega de escola de Shan, que se casou com um figurão do Partido e tem um confortável cargo de locutora na rádio oficial, mas cujas dúvidas com o regime são crescentes, em particular quando se torna amiga de um dissidente. Nini, uma adolescente que nasceu deformada em razão de uma agressão de Shan contra sua mãe. Tong, um menino recém-chegado do campo que vaga pelas turbulências locais sem compreendê-las – uma ignorância que se mostrará fatal num tempo de furacões políticos.

As emoções despertadas pela execução de Shan são contraditórias, e a ex-fanática maoísta vira um símbolo do amor à liberdade e à justiça para os jovens dissidentes. Embalados pela tolerância de Pequim com o movimento do Muro da Democracia, os ativistas resolvem organizar um protesto em Rio Lamacento contra a opressão comunista, mas logo ficará claro para direção sopram os ventos da nova China.

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