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Na semana passada comentei sobre as perspectivas do Brasil pós-Lula, agora é o momento de tratar da política externa, o tema da minha entrevista à CNN. Apesar da polarização ideológica que tem dominado o debate, a diplomacia manteve forte continuidade com a de FHC, mantendo pontos como integração sul-americana, compromisso com o multilateralismo, diversficação dos parceiros econômicos do país. A mudança foi de ênfase, aumentou a importância das relações com os grandes países em desenvolvimento – os BRICs e potências regionais em ascensão como África do Sul, Irã e Turquia.
Essa é perspectiva é cara àqueles que apostaram na cooperação sul-sul como maneira de obter mais autonomia na política internacional. Uma agenda forte na esquerda, mas também bastante presente na preocupação dos governos conservadores (inclusive da ditadura militar), das décadas de 1960/70. O novo cenário mundial é marcado pela turbulência econômica nos EUA, na Europa e no Japão e pela crise militar dos Estados Unidos no Oriente Médio. As potências emergentes crescem no vácuo de poder dos países desenvolvidos e têm usado seu novo status para obter mais influência nas instituições globais, com a criação do G-20 na Organização Mundial do Comércio e o reforço do G-20 financeiro.
A diplomacia sul-americana do Brasil é o desdobramento de iniciativas das décadas de 1980/90, e que objetivam, em última análise, a tornar a região um espaço unificado na economia e sintonizado politicamente com o Brasil. A posição sólida na região seria a base para ação do país em fóruns multilaterais. A realidade tem sido mais complexa, pois o continente continua instável, dividido entre bolivarianos, reformistas moderados e conservadores. Instituições regionais aumentaram (Parlamento do Mercosul, Unasul, Conselho de Defesa Sul-Americano) mas seguem muito frágeis, com poucos recursos e por vezes com funções mal definidas. Ações conjuntas têm sido raras, e o Brasil tem tido seus melhores momentos não em tanto em coordená-las, e mais na mediação das crises andinas.
O próprio desenvolvimento brasileiro colocou os interesses nacionais em outro patamar, afastados de nações mais pobres da vizinhança. O Brasil não é mais o rebelde contrário aos cânones do sistema internacional. Hoje, em grande medida, adotou os regimes e tratados globais, embora preconize sua reforma, para torná-los mais representativos e eficazes. Mas nem sempre o discurso diplomático se adequou à nova realidade, com freqüência ouvimos a voz do passado nessa retórica.
Os pontos mais controversos da diplomacia de Lula têm sido exatamente os esforços em conciliar o “Brasil potência emergente” com o ideário terceiro-mundista, que costuma exigir concessões econômicas e acomodações políticas incômodas. As polêmicas ficaram evidentes nas disputas sobre energia com Bolívia e Paraguai, no silêncio diante de violações de direitos humanos em regimes latino-americanos, como Cuba e Venezuela (FHC agiu diferente no Paraguai, mas de modo semelhante com o Peru de Fujimori), e nas posturas intervencionistas em crises internacionais como Haiti, Honduras e Irã. O Brasil ainda não encontrou o ponto ótimo que lhe permita exercer influência diplomática e propagar valores e instituições caros à sua sociedade.