sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Desafios para uma São Paulo Global



Dias atrás estive em São Paulo para participar do I Seminário Paradiplomacia das Cidades. Dei palestra sobre “Cidade, Democracia e Relações Internacionais: desafios para uma São Paulo global”. Meu ponto principal: as mudanças na demografia e as demandas econômicas do Brasil aumentam a necessidade de imigrantes para o mercado de trabalho, e o país precisa desenvolver instituições e políticas públicas para lidar com a nova população, numa perspectiva de afirmação de direitos e combate às discriminações.

O conceito de cidade global surgiu dos trabalhos da socióloga Saskia Sassen, que ressaltou a importância de Nova York, Tóquio e Londres para as redes internacionais que movem a economia do planeta. Cidades são, afinal, locais de reuniões de especialistas e profissionais altamente qualificados. Nesta ótima entrevista à Foreign Policy, ela chama a atenção para novas “cidades globais” em ascensão, como Miami e Copenhage, e comenta casos como Cingapura e Dubai. A reportagem com Sassen ocorreu por causa da publicação pela revista do ranking 2010 das cidades globais. São Paulo é a 35ª de 65, e na América Latina está atrás apenas de Buenos Aires (22ª) e da Cidade do México (30ª). O Rio de Janeiro é o outro representante brasileiro na lista, em 49º.

São Paulo é o principal elo de ligação do Brasil à economia global no contexto em que o país conjuga crescimento em bons níveis com estabilidade política, em meio à recessão no mundo desenvolvido. O Ipea identificou um grande déficit de mão-de-obra especializada, de 320 mil profissionais apenas nos setores de serviços e construção civil. Essas características tornam o Brasil muito atraente para imigrantes, tanto da América Latina quanto da Europa e dos EUA.

Além disso, há as mudanças demográficas. A população brasileira envelhece rapidamente, e a taxa de fecundidade caiu abaixo dos níveis de reprodução. As projeções do IBGE são de que a população começará a diminuir a partir de 2030. O resultado: as autorizações de trabalho para estrangeiros aumentam bastante, 19% no último ano. Certas categorias, como engenheiros, recorrem aos imigrantes em escala ainda mais profunda.



Claro, o Brasil já viveu um período parecido, em especial na primeira metade do século XX. E o país foi bem-sucedido em incorporá-los à cultura nacional. A foto acima foi tirada por uma amiga minha no bairro paulistano da Liberdade e mostra o que aparente ser um despacho de candomblé feito com comida japonesa.

Ainda assim, tem havido uma série de incidentes de xenofobia mundo afora, nos Estados Unidos e na União Européia e também em países em desenvolvimento como África do Sul. Em São Paulo, o tipo de crime de ódio que ocasionalmente é cometido contra migrantes do nordeste brasileiro é um alerta do que pode acontecer. Citei os trabalhos dos meus amigos no Instituto Pólis, que acompanham o modo racista com que muitas vezes os estrangeiros são representados na mídia, sobretudo quando são oriundos de outros países da América Latina, como Bolívia e Peru. Uma das melhores coisas do debate foi ter entrado em contato com jovens paraguaios que começam a se organizar em São Paulo, pela questão dos direitos dos imigrantes.

Também há desafios de política pública relacionados à educação (sobretudo para os filhos dos imigrantes) e à legislação trabalhista. O marco jurídico brasileiro na área de imigração está ultrapassado e precisa mudar. O Estatuto do Estrangeiro é época da ditadura militar, refletindo o pensamento autoritário sobre “segurança nacional”, com muitas aspas, por favor. Não dá conta das demandas econômicas modernas. E o Brasil ainda não ratificou tratados internacionais importantes nessa área, de proteção aos direitos dos imigrantes. Apesar de gestos magníficos, como a recente anistia aos trabalhadores estrangeiros em situação irregular, uma bela iniciativa na contramão dos fatos sombrios registrados em outros países.

5 comentários:

Mário Machado disse...

Não fosse um cliente mal pagador teria ido ao seminário e as festividades do Todo Poderoso Timão.

É impressão minha ou uma foto de um "trabalho" com Sushi - deve ser o sono de certo.

Realmente Dr. o estatuto consegue afastar o melhor tipo de imigrante - que nem a Europa ou EUA afastam - Mas, me preocupo com anistias sendo usadas como propaganda para atrair escravos (ou trabalhadores em condições análogas a escravidão) para o Brasil.

Abs,

Maurício Santoro disse...

Salve, Mário.

Eu queria ter ficado o fim de semana em Sampa, mas tive que voltar às pressas para um casamento. Alguma esperança de voltar à cidade com mais calma, até o fim do ano.

Também me preocupa a falta de fiscalização com relação ao trabalho escravo dos imigrantes, em particular nas confecções. Esse é outro tema que terá que ser tratado com mais atenção pelas autoridades.

dra disse...

olá Maurício:

ótimo post! o tema é muito interessante mesmo...
moro aqui em SP e tenho percebido nas ruas um número impressionante de orientais falando chinês.
bolivianos e paraguaios tb tem uma presença crescente nos últimos anos.

a foto do despacho com sushi é simplesmente fantástica!

abs,

Maurício Santoro disse...

Salve, dra.

Exato, você citou exatamente os estrangeiros que mais têm migrado para o Brasil.

Meu palpite é que teremos pelas próximas décadas um crescimento também de outros vizinhos sul-americanos, como aqueles com classes médias amplas e bem formadas, como Argentina e Uruguai.

abraços

Anônimo disse...

Acredito que São Paulo precisa d reformas e pulso firme para controlar essa cidade louca.