quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Problemas de Chávez: crime e economia



Certa vez em Caracas, amigos de um projeto de cooperação internacional e eu nos vimos no deserto centro da cidade, à noite, em busca de um restaurante. Todas as lojas estavam fechadas e não víamos ninguém na rua. O grupo incluía ex-guerrilheiros e pessoas que haviam trabalhando em lugares como os campos de refugiados palestinos no Líbano, mas começamos a nos assustar. Foi então que vimos um rapaz correr com uma expressão de medo no rosto, em meio aos prédios abandonados - parecia um episódio de Lost. Paramos o sujeito (era uma turma corajosa, aquela) e pedimos informações. Ele nos indicou o horizonte – “Sigam para lá, é muito perigoso por aqui! Muito perigoso!”. E seguiu sua maratona particular. Terminamos no único local aberto, uma pizzaria onde todos os pratos tinham nomes de indivíduos ligados à máfia. Comi Frank Sinatra.

Neste mês ocorrerão eleições legislativas na Venezuela e o presidente Hugo Chávez enfrenta uma disputa difícil. Sua popularidade está em 36%, o pior índice desde a greve geral de 2002. As principais razões o aumento do crime e os problemas na economia.



O gráfico acima mostra os altos e baixos do PIB venezuelano sob Chávez. O crescimento muito acelerado de meados da década passada foi substituído por anos de mau desempenho, que incluem 30% de inflação anual (uma das taxas mais altas do mundo), grande desvalorização da moeda e problemas de abastecimento de energia elétrica. A instabilidade reflete em parte as oscilações no preço do petróleo, mas em grande medida ilustra a má gestão da economia. O sistema de controles excessivos no câmbio e nas importações, por exemplo, é uma dor de cabeça das empresas de comércio exterior que operam no país, e fonte freqüente de corrupção. Felizmente para Chávez, e para os venezuelanos, um bom conjunto de políticas sociais tem garantido a melhoria do desenvolvimento humano, mesmo com as turbulências na economia.

O crime é outra questão séria. As taxas de homicídio triplicaram ao longo da década de Chávez no poder e alcançaram espantosos 200 por 100 mil habitantes – quase quatro vezes mais do que no Iraque! As causas do problema são os suspeitos de sempre, como desigualdades abissais, pobreza, polícia e judiciário ineficazes.



A polarização política do país agravou algumas dificuldades. Por exemplo, a cidade de Caracas é dividida em vários municípios, cada um com seu próprio prefeito e força policial, e nas áreas mais ricas o anti-chavismo acaba tornando ainda mais complicadas as relações com as autoridades federais. Ocasionalmente, elas trocam tiros entre si, como nos dias de violência durante o golpe da oposição, em 2002.

A abordagem de Chávez ao problema da insegurança pública tem sido o esforço de censurar os que chamam a atenção da sociedade para a questão. Isso aconteceu com o filme “Secuestro Express”, um drama sobre um seqüestro relâmpago de um casal de classe média alta em Caracas, e mais recentemente com o jornal “El Universal”, que publicou a na primeira página uma foto de cadáveres de vítimas da violência amontoados no necrotério.

Os resultados da onda de crime já afetaram eleitoralmente o presidente. Nas últimas votações, a oposição conquistou apoio significativo nos bairros mais pobres, e ganhou até mesmo no complexo de favelas do Petare, um dos maiores de Caracas. À parte todas as polêmicas ideológicas nas quais o presidente se envolveu, o que realmente conta para a população são os problemas cotidianos. O resto é Ciência Política.

6 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:

Novamente... no ataque!

Sim, os problemas da inflação na Venezuela são graves... dizem que é a única economia mundial com inflação superior à argentina, que já é do 30% anual ou mais!

E uma dúvida com respeito ao mapa... Botswana e Madagascar tem alto nível de paz, mais do que muitos paises desenvolvidos? Por que? Já save que sei muito pouco sob a África...

Abraços

Patricio Iglesias

Natalia Maciel disse...

Muito interessante o mapa. Não pude deixar de reparar que no Brasil nosso nível de paz é baixo. Como será que é feito esse índice?

Quanto à Venezuela, sabia que a popularidade de Chávez tinha caído, mas não imaginava que era tanto! Ainda me lembro de textos e textos que li na época de faculdade que falavam sobre a falta de oposição nesse país. O quadro está mudando aos poucos.

Bom, sou leitora assídua desse blog, apesar de anônima. Apenas hoje reparei que você disponibilizou os botões de compartilhamento, e fiquei muito contente de saber que vou poder compartilhar minha leitura!

Abraços!

Maurício Santoro disse...

Grande Patricio,

Só Deus sabe qual a real inflação argentina, por causa das manipulações do governo no Indec, mas ela é mais ou menos no mesmo nível da Venezuela e do Irã.

Sobre Botswana, ela é uma história de sucesso econômico e político na África. Uma pequena nação baseada na mineração de diamantes que conseguiu desde a independência bons níveis de crescimento e a manutenção da democracia. Ignoro o porquê do bom desempenho de Madagascar, inclusive houve um golpe militar por lá há pouco tempo.

Salve, Natália.

Ao que me consta o principal elemento do índice é o número de homicídios por cada cem mil habitantes, o que coloca o Brasil em má situação.

Os botões são uma novidade do Blogger, que achei bem interessante.

abraços

athalyba disse...

Gde Mauricio !

Já fazia um tempo que eu não me manifestava, mas saiba que volta e meio apareço e leio seus posts. Pode me colocar como testemunha da qualidade permanente do conteúdo dessa fogueira :-)

Agora, é uma pena esse "começo do fim" da era Chávez ... Ele simplesmente não conseguiu transformar a vontade de revolução em arroz com feijão (não resisti à rima infame).

Não creio que a população venezuelana deixe de exigir todos os diretos que o bolivarianismo ofereceu, mas acho que ela já deve estar a pensar se não é hora de ter um novo líder político para continuar o processo de resgate dos valores da cidadania.

E aí, quando eu lembro do notável desmonte dos sistemas de escolha de novas liderança dentro do bolivarianismo, eu penso: o que virá depois ???

Abcs

PS: Pobre Honduras e de seus jornalistas. O país só reapareceu por causa do massacre do México onde 16 hondurenhos foram chacinados mas seus jornalistas continuam morrendo à pencas e isso não é notícia ...

Maurício Santoro disse...

Salve, Athalyba.

O fim de Chávez já foi profetizado tantas vezes que é necessário certa cautela. Além disso, o que temos agora são eleições parlamentares, e o Executivo é muito forte na Venezuela, mesmo sem maioria no Congresso.

Concordo com você que o que quer que venha após Chávez, não será um retorno à elite tradicional da Venezuela, mas algo diferente, ainda não sei o quê.

E pobre Honduras, de fato...

abraços

Anônimo disse...

Cada vez que vejo uma matéria sobre Chávez me lembro de um texto que li sobre a Diplomacia Midiática de Hugo Chávez, por sinal um texto seu e de leonardo Valente.
Pois então,é impressionante a capacidade de ser onipresente que ele tem, de tudo falar, pensar e argumentar com tanta convicção de que o que ele diz e pensa está acima de tudo e de todos.
É de assustar, quando não são cômicos os pensamentos que ele se permite deixar "fluir"... Na vez em que disse que para tomar banho bastavam somente 3 minutos:1 para molhar o corpo, outro para ensaboar e mais outro para tirar o sabão. E disse isso com seriedade.
Agora recentemente, venho recebendo inúmeros e mails e vídeos sobre Dilma Rousseff, seu passado "político", das guerrilhas, sobre terrorismo, assaltos e mortes. Aí me pergunto: Sendo tudo isso uma verdade, como pode ter chegado tão longe uma candidata com esse passado cheio de perguntas sem respostas, de acusações, de sangue, de "linha dura"? Sim, considerada uma pessoa da "linha dura" pelo próprio Hugo Chávez, orgulhoso pela companheira "patriota".
Maurício, sei o quanto você presa pelo bom senso e, ao mesmo tempo total coerência em tudo o que escreve e diz. Mas nesse momento de elieções que nós brasileiros estamos vivenciando, não fica uma sensação de incerteza, sobre qual candidato escolher para os proximos 4 anos? Eu sinceramente, me sinto entre a cruz massacrada e a caldeirinha escaldante.