segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Leituras sobre a Bolívia



Aproveitei o feriado para esvaziar a cabeceira de literatura acadêmica, em especial sobre a Bolívia, por conta de estar terminando um artigo a respeito do país. Há dois lançamentos recentes que ajudam a entender o longo processo de lutas e transformações sociais, das quais os anos recentes são uma etapa importante, mas de modo algum a única. O primeiro é “Revoluções de Independências e Nacionalismos nas Américas: Peru e Bolívia”, quarto volume de uma excelente coleção organizada pelos historiadores Marco Pamplona e Maria Elisa Mader. O segundo é “A Potência Plebéia: ação coletiva e identidades indígenas, operárias e populares na Bolívia”, coletânea de artigos do sociólogo e vice-presidente boliviano Álvaro Garcia Linera.

O livro de Pamplona e Mader traz dois excelentes artigos, de Herbert Klein e Antonio Mitre, sobre a formação e desenvolvimento do Estado boliviano no século XIX. A região que hoje conhecemos como Bolívia oscilou no império espanhol entre ser parte do Vice-Reinado do Peru (capital Lima) e do Vice-Reinado do Prata (capital Buenos Aires), e era conhecida como Alto Peru ou Audiência de Charcas. Quando estouraram as guerras de independência, os locais se viram presos num emaranhado de batalhas. Sofreram quatro invasões dos exércitos recrutados por Buenos Aires, e outras tantas das tropas realistas que atacavam desde Lima. O comportamento predatório desses soldados contribuiu para reforçar os sentimentos autonomistas das elites locais, vinculadas à mineração da Prata, que não queriam ser governadas por pessoas de fora da área.

Ao final, o Alto Peru foi subjugado pelas tropas de Bolívar, que a princípio queria que o território fizesse parte de uma grande confederação que reuniria os atuais países andinos. Quando isso não foi possível, o Libertador acabou consentindo (um tanto a contragosto) que a Bolívia se tornasse um país independente tanto do Peru quanto da Argentina. O nome lhe homenageava, para tentar adoçar a pílula. O poder ficou com um de seus mais hábeis generais, Andrés de Santa Cruz, mas que anos depois tentou reverter a situação e fundir Bolívia e Peru num só país, sob seu comando.

O preço pela independência da Bolívia foi alto. As guerras devastaram a indústria da mineração, que levou décadas para se recuperar. Além disso, a economia boliviana era muito dependente do comércio com os territórios vizinhos do império espanhol, que ao tornarem-se países autônomos impuseram tarifas elevadas. A guerra do Pacífico lhe custou o litoral, agravando ainda mais a situação.



O livro de García Linera concentra-se na análise das lutas sociais bolivianas no século XX. É uma história riquíssima, que inclui uma guerra (do Chaco, contra o Paraguai), a Revolução de 1952, o crescimento do movimento dos mineiros e a ascensão de uma série de correntes indigenistas nos últimos 30 anos – o katarismo, a guerrilha comandada por Felipe Quispe (da qual García Linera participou) e finalmente a articulação entre esses grupos e outros movimentos sociais de base, que levou à fundação do MAS e à vitória de Evo Morales para a presidência.

Linera ascendeu politicamente como um intérprete dos novos movimentos sociais, alguém que desde sua posição de acadêmico de classe média podia explicá-los a um público de massa, pela televisão. Tornou-se vice de Evo como segunda opção – a primeira seria um empresário, nos moldes do que Lula fez no Brasil, mas não foi possível encontrar alguém com esse perfil. Tem sido um ator importante nas mudanças aceleradas das duas últimas décadas na Bolívia, cuja história ainda está por ser escrita.

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