segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Uma Guerrilha sem Fins?



"As FARC - uma guerrilha sem fins?", do sociólogo francês Daniel Pecaut é uma pequena jóia que em 150 páginas, traça um panorama histórico competente do conflito colombiano e em seu terço final realiza uma estupenda análise de conjuntura dos anos de Uribe no poder, com um diagnóstico que desafia as concepções simplistas da Colômbia: a guerrilha está quase derrotada, mas o remédio amargo usado para isso, o concluio enfre Forças Armadas e paramilitares, pode ser um veneno ainda pior. E alerta que os efeitos trágicos do conflito armado resultaram em concentração de renda e aumento da pobreza, mesmo diante dos bons índices de crescimento econômico. É, em suma, a melhor obra em português sobre esse tema.

Embora o título do livro possa indicar um panfleto contra a guerrilha, a análise de Pecaut é matizada e bem embasada na história colombiana. Ele examina o surgimento das FARC a partir dos grupos de autodefesas camponeses durante La Violencia, a guerra civil entre conservadores e liberais nas décadas de 1940-50. Em 1958 os dois partidos fizeram um pacto de governabilidade, mas resolveram atacar os últimos bastiões de resistência rural, que haviam se radicalizado politicamente. Desse conflito nasceram as FARC.

Pecaut chama a atenção para o forte vínculo das FARC com o mundo camponês colombiano, e sua dificuldade para se articular politicamente nas cidades. Até a década de 1980 as FARC eram um pequeno grupo guerrilheiro operando na periferia do país, em disputa com diversos outros (ELN, EPL, M-19, Quintin Lame). Num dos processos de paz, tentaram criar um partido, a União Patriótica, que começou a despontar como opção de esquerda, e foi dizimado com o assassinato de cerca de três mil de seus militantes e dirigentes.



A partir daí a guerrilha adotou o caminho sem volta da militarização, que encontrou terreno fértil para crescer nos anos 90, em meio à crise econômica e política, que incluiu o envolvimento de um presidente com o tráfico de drogas. Que, aliás, também teve importância crescente para as FARCs, em conjunto com a renda obtida por sequestros e pela extorsão de empresas que operam em zonas controladas pela guerrilha. Curiosamente, as FARC nunca tiveram grandes patrocinadores externos, ao contrário do ELN, muito próximo do regime cubano.

Uribe foi eleito presidente no clima de medo do auge do poder da guerrilha, e executou uma competente reestruturação das Forças Armadas, que pela primeira vez têm os recursos (financeiros, humanos e tecnológicos) necessários para combater as FARC. Mas a ação do Estado quase sempre ocorreu em parceria com os paramilitares, que fazem o trabalho de sujo de atuar como esquadrões da morte e ocupam as terras abandonadas pelos guerrilheiros, explorando-as economicamente. Os resultados têm sido extremamente nocivos para a Colômbia: uma "reforma agrária às avessas", que transformou os paras nos maiores proprietários rurais do país, a criação de levas de "desplazados", refugiados internos que fogem para as cidades ou nações vizinhas, e um enorme nível de corrupção na chamada "parapolítica", que envolve esses grupos e a elite colombiana.

A ofensiva (para)militar bem-sucedida contra as FARC fizeram com que a guerrilha adotasse duas estratégias para tentar sobreviver: a "troca humanitária" e a busca de apoio internacional, sobretudo por meio do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. A primeira diz respeito ao sequestro de reféns políticos (a senadora Ingrid Betancourt é a mais famosa, mas de modo algum a única) para uso nas barganhas com o governo. A segunda vem da estratégia "bolivariana" que a guerrilha adotou nos anos 90, apresentando um vago programa reformista na tentativa de obter ajuda externa que a ajudasse a legitimar-se como um ator no jogo político colombiano.

4 comentários:

marcelo l. disse...

Prezado Mauricio,

É uma guerrilha sem fins em um país em uma guerra sem fim, não rima, mas os colombianos infelizmente devido as estruturas oligarquicas estão em guerra a tanto tempo, se o quadro é esse que foi colocado pelo livro, fico pensando se teremos no futuro um "revival" de violência entre setores liberais e conservadores...

Maurício Santoro disse...

Salve, Marcelo.

O título original do livro, em francês, fazia esse jogo de palavras entre sem fim e sem fins. Eu diria, citando um livro sobre os Montoneros argentinos, que a violência começa como um meio e logo se torna um fim em si mesma. Paz na terra.

abraços

Anônimo disse...

Para a dor de cotovelo de muita gente no Brasil, a Colômbia é o novo Chile. Possui uma elite política sofisticada, comprometida com o engajamento com os Estados Unidos e com a democracia, e colhe os frutos de suas escolhas: crescimento rápido e sustentado, inflação baixa e a vitória da sociedade sobre os bandidos comuns da FARC.

Maurício Santoro disse...

Anônimo,

Há pontos em comum com o Chile, mas uma diferença crucial: a economia chilena cresceu reduzindo a pobreza, a colombiana, aumentando.

Melhor dizendo: os impactos do conflito armado - em particular a tomada de terras e as migrações - aumentaram a pobreza, mesmo em meio ao crescimento do PIB.

Abraços