segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
O Haiti não é Aqui
A ocupação policial-militar dos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, começou bem mas rapidamente demonstrou os problemas da política de segurança, em especial as dificuldades quase insuperáveis de se realizar grandes operações sem que haja uma reforma na polícia. Os criminosos fugiram do cerco às favelas. Os moradores denunciam roubos e agressões por parte das autoridades que ocupam as comunidades. A resposta governamental foi colocar a ocupação sob controle do Exército, no que o general que chefia a missão classificou como uma "Força de Paz", semelhante àquela que ocorre no Haiti. É uma analogia perigosa: o país caribenho é um dos mais pobres do planeta, com apenas a sombra de um Estado. A cidade do Rio de Janeiro é uma das regiões mais ricas de uma nação emergente, de renda média.
O Rio tem serviços públicos (federais, estaduais, municipais) razoavelmente eficientes nos bairros de classe média e alta. A polícia não arromba casas em Ipanema, o lixo não está acumulado no Leblon, as milícias não ocupam as ruas do Jardim Botânico. A questão aqui não é construir um Estado, como no Haiti, mas sim expandi-lo e aperfeiçoá-lo para os significativos bolsões de pobreza que existem na cidade.
O Exército brasileiro foi bem-sucedido no Haiti em controlar as quadrilhas criminosas que dominavam as maiores favelas da capital Porto Príncipe, criando as condições de segurança para que as ONGs e fundações filantrópicas pudessem implementar seus projetos de cooperação social. Os militares estrangeiros tiveram que realizar essa tarefa pela fragilidade da polícia haitiana. É um tanto mais difícil aceitar essa necessidade no Rio de Janeiro, que tem quase 50 mil policiais, sem contar as forças federais.
A operação no Alemão demonstrou a necessidade da intervenção pontual e limitada das Forças Armadas, para dissuadir a ação dos bandidos e vencer, pela aplicação da força bélica, as barreiras físicas que os traficantes construíram para deter incursões policiais. Uma ocupação militar de longo ou médio prazo numa favela carioca é um risco grande para corrupção da tropa - os soldados são tão mal pagos quanto seus colegas na polícia.
Além disso é construída sobre um conjunto de paradoxos e contradições - os militares garantirão a segurança até a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora. Isso significa usar o Exército porque a polícia não é confiável, com o objetivo de instalar de modo definitivo na favela a mesma polícia não-confiável. A melhor iniciativa até agora foi o projeto lançado pelo jornal o Globo de usar as mídias sociais para dar voz à população das comunidades pobres, de modo a aumentar a fiscalização sobre as ações do Estado e poder denunciar também os grupos armados ilegais.
No Haiti, seis anos de missão de paz garantiram certo nível de estabilidade e segurança (pelo menos até o terremoto devastador do início deste ano), mas falharam em promover o desenvolvimento econômico e a (re)construção da infraestrutura. Tomara que a operação no Alemão siga um caminho diferente, senão o que teremos será mais do mesmo, com o Exército no lugar da polícia nas manchetes do noticiário criminal.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
No livro Freakonomics há um interessante estudo sobre a queda na criminalidade nos Estados Unidos, registrada nos últimos anos. É um estudo quantitativo, que utiliza ferramentas estatísticas, com as vantagens e desvantagens de um estudo desse tipo.
Duas decisões governamentais são negativamente relacionadas com a criminalidade (uma aumenta enquanto a outra diminui):
1) Aumento da força policial
2) Aumento do tempo efetivo penas (descontando as progressões de pena, liberdade condicional, etc).
Coisas como implantação da pena de morte e crescimento econômico não tiveram impacto, positivo ou negativo, na criminalidade, segundo esse estudo. Uma força que está fora de controle é simplesmente a demografia: quando a pirâmide demográfica indica uma diminuição do número de jovens entre 15 e 30 anos há também diminuição na criminalidade.
As UPPs dão certo porque elas estão atreladas a um aumento da força policial, via ingresso de novos policiais. Simples assim. A intervenção militar da da Marina, Exército, tropas de elite, etc foi importante porque a atuação da policial no Morro do Alemão era impossível. Eles seriam literalmente expulsos dali.
A sociedade carioca está aplicando um desses remédios, o aumento do número de policiais. Falta ainda coragem para o segundo, aumentar a pena para criminosos - muitos dos que estavam de fuzil na mão no morro do Alemão eram foragidos do regime semi-aberto. Mas vejam que interessante: hoje estamos no auge da onda demográfica jovem (nunca existiram tantos jovens no Brasil), e aposto que em 20 anos a criminalidade terá diminuído, quase que como mágica.
Salve, Bruno.
É uma boa aposta, uma vez que as UPPs são formadas exatamente com os novos policiais que ingressam na instituição.
Além disso, há o aspecto propriamente técnico, de uma forma mais eficaz de patrulhamento, que tem sido bastante destacada pelo comandante da PM.
Há agora uma discussão no Congresso para aumentar as penas de alguns crimes, inclusive parece que o limite subiria para 50 anos, em vez dos 30 atuais.
abraços
Ter novos policiais, mais eficientes e menos corruptos, é interessante, mas chamo atenção para o ato de que o simples aumento da força policial foi o mais importante fator da diminuição do crime em Nova York e em outros lugares dos EUA, e parece ser o que está acontecendo aqui. E lembremos que isso tem um custo: mais gasto público, o que está sendo mascarado pelo aumento da arrecadação com o petróleo. Tomara que, quando cair a produção nos poços, a violência tenha diminuído e não precisemos de tantos policiais.
Essa discussão de aumentar as penas para 50 anos é interessante, mas o mais importante é chegarmos aos 30 anos. Com as quantidades de recursos antes dos julgamentos e progressões de regime, temos situações como essas:
1) O jornalista Pimenta Neves, réu confesso de um assassinato e há 10 anos aguardando julgamento em liberdade,
2) Elizeu de Souza, o Zeu, participou do assassinato de Tim Lopes, e no primeiro dia do regime semi-aberto se reapresentou para o serviço no tráfico do morro do Alemão. Cometeu mais alguns crimes, violou direitos humanos e oprimiu moradores do Alemão, e só foi preso na ocupação da PM do morro.
Existe também uma idéia de colocar pulseira nos presos no regime semi-aberto, para impedir casos como o de Zeu, mas a idéia não vai para frente. Pessoas que dizem defender os direitos humanos alegam que essa pulseira é vexatória para o detento e dificulta sua re-socialização. O preço que todos pagamos é ter pessoas como o Zeu cometendo mais crimes, e violando direitos humanos, ambientais, econômicos, oprimindo populações carentes, etc. Está na hora do legislativo e do judiciário levarem mais a sério o tempo das penas e acabar com a farra do semi-aberto, adotando a pulseira identificadora. Quando isso acontecer, teremos penas que realmente duram 30 anos.
Salve, Bruno.
Pois é, mas no caso de NY houve também a fundamental iniciativa da "tolerância zero", tanto no caso dos pequenos delitos quanto na repressão à corrupção policial, que era imensa.
O Rio, em vários aspectos, me lembra o cenário do filme "Serpico" (NY na década de 1970), no qual Al Pacino interpreta de forma brilhante um policial que se revolta contra os desmandos dos colegas.
Você está corretíssimo quanto à impunidade. Com Zeu e Pimenta à solta, é difícil acreditar em mais tempo de prisão.
Abraços
Postar um comentário