segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
A Guerra Fria na América Latina
Um professor que tive na Argentina costumava dizer que quando estudamos apenas a história de nosso país, achamos que certas coisas aconteceram somente nele. Mas quando adotamos uma perspectiva mais ampla, que abarque toda a América Latina, vemos de forma mais clara as tendências regionais. O excelente e recém-publicado livro de Hal Brands, “Latin America´s Cold War” aplica esse enfoque cosmopolita ao conturbado período da Guerra Fria, com grande quantidade de fontes em diversos países.
Brands critica a literatura especializada nas relações entre Estados Unidos e América Latina – obras como “Talons of the Eagle”, de Peter Smith e “Beneath the United States”, de Lars Schoultz – por atribuir a Washington influência exerada sobre os destinos da região, deixando de ver os países do continente como atores de sua própria história. Sua abordagem é mais matizada e mostra como a ação política regional por vezes segue rumos inesperados e indesejáveis para os EUA, como nas negociações de paz nas guerras civis da América Central, no papel ativo desempenhado pela OEA e, claro, nos desdobramentos da Revolução Cubana.
A Guerra Fria representou uma “longa paz” para as grandes potências, mas na América Latina foi um período marcado por intensa violência política e polarização ideológica, lembra Brands. Ele vê a época como uma crise do processo de modernização regional, com classes médias em ascensão questionando regimes oligárquicos e galvanizada pelo modelo cubano. Idéias desempenharam papel de destaque nessa radicalização e Brands examina as doutrinas de segurança nacional, as teorias da modernização e da dependência, a teologia da libertação e os argumentos guevaristas do foco guerrilheiro.
Como em outras partes do planeta, a Guerra Fria latino-americana teve várias etapas, indo das tentativas de reforma social da Aliança para o Progresso patrocinada por John Kennedy à violência extrema que se seguiu à Revolução Sandinista na Nicarágua. Nos anos 70, o declínio dos EUA no Vietnã e foi percebido pelos países da região como a oportunidade para um intenso ativismo diplomático, no Brasil de Geisel, no México de Echeverría, na Venezuela de Carlos Andrés Pérez e em vertentes mais à esquerda no Chile de Allende e no Peru de Velasco Alvarado.
A Guerra Fria foi um período de intenso sofrimento na América Latina e podemos apenas especular como os conflitos sociais da região teriam transcorrido em um ambiente internacional mais ameno. Brands é pessimista em sua análise do continente na década de 1990, ao passo que tenho uma interpretação mais positiva, sobretudo diante do desempenho econômico dos últimos anos.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
9 comentários:
Salve mestre!
Dois livros de jornalistas, já meio antigos, me levaram à mesma conclusão de que os Estados Unidos não mandam tanto assim no nosso país.
Em Dossiê Brasil, Geneton Moraes Neto analisou a correspondência diplomática entre os EUA e a embaixada americana no Brasil, e a conclusão é que o governo americano ajudou menos no golpe de 64 do que gostaríamos de acreditar. Vejo o golpe de 64 mais como uma trama das elites locais, que usou o anticomunismo para conseguir apoio externo para seu golpe.
O livro do William Wack sobre a tentativa de revolução comunista em 35 mostra o negativo dessa imagem. As correspondências entre o secretariado do Comintern, em Moscou, e o grupo de Prestes, no Brasil, mostram que houve alguma ajuda externa para a revolução, mas ela seguiu o ritmo ditado por Prestes e pelos acontecimentos locais (o autor chega a conclusões diferentes, mas como bom jornalista mostra documentação tão ampla que permite outras interpretações).
É mais fácil botar a culpa em um agente externo do que reconhecer erros e acertos de brasileiros. Em uma situação de reconciliação e volta à democracia, como havia no Brasil nos anos 80, isso era providencial - culpe-se os ianques, e façamos a anistia. Agora parece que há distanciamento suficiente para reabrir os arquivos, reconhecer erros e crimes e seguir em frente.
Salve, Bruno.
Conheço o livro do Waack e os argumentos do Geneton estão corretos. Os EUA ajudaram no golpe, mas o esforço foi sobretudo interno, dos conflitos brasileiros que vinham pelo menos desde 1954.
Quanto a 1935 hoje em dia me parece que há um consenso que a intentona foi um enorme erro do Prestes e do PCB, agravado pelo desconhecimento que existia na URSS acerca do Brasil e de como as autoridades stalnistas viam o país como parte de uma suposta luta de libertação colonial, falhando em entender o jogo político complexo da era Vargas.
Abraços
Legal, vou dar uma conferida. Estava curioso pois foi o primeiro dessa lista aqui: http://thebrowser.com/interviews/john-lewis-gaddis-on-history-international-relations
Como tive a chance de ler o The Wilsonian Moment recentemente e adorei, pensei em dar uma olhada no resto da lista. Já sei por qual começar.
Abraço,
Leo
Salve, Leo.
Eu tinha adorado a lista do Gaddis, mas por coincidência havia encomendado o livro do Brands antes de vê-la.
Abraços
“A Guerra Fria foi um período de intenso sofrimento na América Latina”
Gostaria de entender essa afirmação melhor. Por quê?
Eu não consigo deixar de pensar na Guerra do Paraguai, Guerra do Chaco, todos os conflitos relacionados a state building no século XIX, a Grande Depressão etc e não consigo ver porque a Guerra Fria deveria receber tal pecha. Parece-me mais como um período como outros da história da AL.
Salve, Anônimo.
Porque a soma dos mortos nas guerras civis e ditaduras militares do período da Guerra Fria é muito superior ao dos conflitos anteriores - que se limitaram a poucos países, enquanto a radicalização ideológica abarcou todo o continente, com efeitos devastadores sobretudo na América Central, mas muito graves também no Peru, Argentina e Chile.
abraços
Tem certeza disso? Foram 60000 mortos na guerra do Chaco... A ditadura militar brasileira e os grupos insurgentes da época devem ter matado menos de 1000. Canudos deve ter sido mais letal que a ditadura militar de 64, em termos absolutos. Eu nao fiz a conta, mas eu ficaria muito surpreso se os mortos por fração da população durante a Guerra Fria tenha sido um número extraordinário durante a Guerra Fria. Vale a pena fazer essa conta.
Tenho, Anônimo. Só na Guatemala foram 150 mil mortos na ditadura, no Peru, outros 70 mil. Na Argentina, talvez 30 mil. Os números são horrendos.
O Brands cita os dados para a Nicarágua em 30 mil mortos, e diz que para a população local, essa proporção foi maior do que os EUA perderam na guerra civil, guerras mundiais e Vietnã, somadas!
A única comparação que encontro, em termos de violência na região, é o período das guerras de independência, entre 1808 e 1824, que foram devastadoras, sobretudo nas nações andinas.
abraços
Mas voce ainda nao respondeu minha pergunta. Eu entendo o que voce disse sobre El Salvador ou Nicaragua mas o meu ponto e' sobre a America Latina como um todo. Finalmente esta conta do Brands me parece bem estranha.
Postar um comentário