segunda-feira, 25 de julho de 2011
O Choque na Civilização
Os atentados terroristas que mataram mais de 90 pessoas na Noruega tornaram o dia 22 de julho o mais violento na Escandinávia desde a Segunda Guerra Mundial. Anders Breivik, o réu confesso dos ataques é norueguês, cristão, vinculado a grupos de extrema-direita. Seus escritos o mostram como violentamente hostil à esquerda, aos muçulmanos aos imigrantes e como defensor de um nacionalismo que vê ameaçado pelo multiculturalismo contemporâneo. Uma década após o 11 de setembro, e depois dos atentados de Madri e Londres, o espectro do terrorismo abandonou o paradigma do “choque de civilizações” entre Islã e Cristandade e chegou ao âmago das tensões internas na região mais desenvolvida do planeta.
A extrema-direita cresceu bastante na Europa Ocidental nos últimos 20 anos, tornando-se parte da coalizão governamental na Áustria, Itália, Dinamarca, Finlândia e estabelecendo-se como força política relevante na França, Suécia, Suíça e Holanda. Sua base de apoio são os trabalhadores não-qualificados e a pequena classe média, os segmentos sociais mais prejudicados pela abertura econômica e aqueles mais temerosos da competição com os imigrantes. Tensões culturais, religiosas e étnicas contam, e muito, e a radicalização ideológica mundial após o 11 de setembro as agravaram, como é possível ver em leis que procuram limitar ou eliminar símbolos islâmicos, como véus e minaretes nas mesquitas.
Por ironia, a extrema-direita não era considerada ameaça séria na Noruega. Os grupos são relativamente pequenos e desorganizados, sobretudo em comparação à vizinha Suécia. O governo norueguês é uma coalizão entre três partidos de esquerda, do qual o mais importante é o Trabalhista. Os atentados tiveram um fortíssimo caráter partidário, danificando o escritório do primeiro-ministro por meio de uma bomba, que aparentemente cumpriu função de desviar a atenção das autoridades para o alvo principal, o campo da juventude trabalhista, onde o terrorista perpretou o massacre de mais de 80 adolescentes.
Ele afirma ter agido sozinho, mas ainda não está claro se isso de fato ocorreu e se houve algum tipo de apoio logístico por parte de grupos de extrema-direita. O terrorista havia pertencido ao Partido Progressista, que apesar do nome é conservador, mas deixou a organização porque acreditava que ela havia perdido o idealismo e eram necessários valores mais rigorosos para evitar o que ele via como a ameaça de destruição cultural da Noruega. Ele se apresentava na Internet como um empresário bem-sucedido, mas perseguido por marxistas. Na realidade pertence a uma classe média sólida e confortável, mas não teve bom desempenho em suas iniciativas empreendedoras.
A Noruega não faz parte da União Européia – a população rejeitou em referendo integrar o bloco, porque temia a queda de seu altíssimo patamar de vida – mas é membro da OTAN, a aliança militar ocidental. E possui uma economia bastante aberta e bem-integrada aos fluxos globais de comércio e finanças. Os atentados sem dúvida são o pior trauma nacional desde a ocupação nazista na década de 1940, mas não acredito que mudarão significativamente a estrutura política local. O provável é o aumento na cooperação em segurança internacional com a UE, para monitorar de modo mais cuidadoso os grupos de extrema-direita.
Na última década, muçulmanos morenos tem sido considerados os elementos suspeitos por excelência. Logo após os atentados, consultorias como a Stratfor e jornais como New York Times atribuíram a “extremistas islâmicos” os ataques na Noruega. Quem sabe agora os especialistas globais em terrorismo passem a temer também os cristãos louros. Já deveriam ter aprendido a lição com Oklahoma, nos Estados Unidos.
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13 comentários:
Muito bom jogador. O fato aqui também é relacionado ao conceito de terrorismo que a mídia ocidental construiu com base na "ameaça islâmica". Não se fala que os extremistas islâmicos são minoria absoluta! o terror pode ser usado como uma estratégia por um grupo político ou religioso, sem restrições de agenda ou filiação política. Veja o caso do ETA, há elementos linguísticos, étnicos, ideologia política...
abração!
Helvécio.
Exato, meu caro. O terrorismo é uma forma de luta política, e não uma ideologia. Aliás, é curioso que o fanático norueguês tenha citado o Brasil como exemplo de "país disfuncional" pela mistura de raças. Que bom que somos o oposto dessa loucura de purificação!
abraços
Professor Mauricio Santoro, desculpa a ignorância mas eu não entendi quando o senhor menciona o Oklahoma. Rafaela Arauj
Rafaela, faça uma busca no Google por Timothy McVeigh para saber da referência a Oklahoma.
Da pior maneira possível descobrimos que um país da social-democracia européia, que está entre os melhores IDH e Índice Gini do mundo, abriga uma extrema-direita tão raivosa quanto a norte-americana.
Me chamem de simplificador, mas é como se esses países estivessem vivendo o oposto da segunda metade da década de 60. Naquela época a juventude do baby-boom começava a sair da casa dos pais e queria fazer uma revolução igualitarista. Essa mesma geração está entrando na aposentadoria, e lentamente escorrega para a extrema-direita, com medo do multiculturalismo, gays e islâmicos (os comunistas hoje produzem computadores para a Apple na China, e não metem medo). Eu sei que esse atirador era hoje, mas me parece influenciado por esse Zeitgeist dos baby-boomers.
É só uma idéia, sem nenhuma pretensão científica, mas que me faz pensar. Gosto de pensar em como as tendências demográficas influenciam as tendências políticas.
Ops, quis dizer que o atirador norueguês é jovem.
Salve, Rafaela.
O atentado que mencionei ocorreu na década de 1990 e havia sido o pior ato terrorista nos EUA até o 11 de setembro.
Ele foi um ataque de grupos de extrema-direita contra um prédio do governo federal americano na cidade de Oklahoma e matou dezenas de pessoas.
Salve, Bruno.
Concordo com você, os problemas assustadores dos EUA são de longo prazo, estruturais, muito mais do que as consequências ruins da gestão Bush. Devo escrever sobre isso ao longo desta semana ou da próxima, com base em novos indicadores que estão sendo publicados e mostram os EUA piores do que alguns países latino-americanos, como Chile e Uruguai.
Abraços
Prezado Mauricio,
Li um artigo a pouco que colocava o "terror islamico" como responsável 0.4% dos atentados (http://www.loonwatch.com/2010/01/terrorism-in-europe/). Mesmo o artigo não colocando.
Acho até que a fama vem mais da própria agenda e forma de expressar de grupos islâmicos radicais (e preconceito claro) do que propriamente de ações armadas.
A barriga do NYT, segundo a lenda, acho que deveu-se a contatos em redes sociais dos jornalistas que no mar de condelências dos pró-democracia entraram em forum islamico radical e viram a notícia que provavelmente foi plantada pelos trolls pró-ditadura. Por sinal, foi o que mais li, árabes de todos lugares tristes com o ocorrido nas redes sociais, e pessoas ocidentais pró Gaddafis e Saad com "inserções ironicas" até acho que vários deles simpatizavam com Anders Behring Breivik.
Salve, Maurício.
Olha, acho que vai te interessar ler a perspectiva do Mead, a respeito desse caso.
http://blogs.the-american-interest.com/wrm/2011/07/25/from-norway-to-hell/
Abração.
Gabriel Trigueiro
Salve, Marcelo.
Registre-se que foi mais uma das muitas falhas do NY Times desde o 11 de setembro.
Gabriel, meu caro.
Obrigado, vou checar o artigo.
abraços
Como vai Mauricio!
Parabens por este excelente blog, o encontrei "sapiando" na blogosfera e achei o conteúdo muito edificante. Gostei muito do texto sobre Malcom X e parei para fazer a mesma analise que você em meu pensamento, como seria o ativismo negro nos E.U.A se fosse somado os trabalhos de Malcom e King juntos ao inves de contra opiniões formalizadas na imprensa.
Sou professor de História na zona leste de São Paulo, estou seguindo seu blog em minha lista de leitura. Parabens pelo belo trabalho!
conjunturasdahistoria.blogspot.com
Valeu, Jorge, seja bem-vindo. Por coincidência, estou no meio de uma outra ótima leitura sobre os movimentos sociais dos negros nos EUA, é o livro "The Warmth of Other Suns", sobre a grande migração sul-norte ao longo do século XX.
abraços
Vergonha européia
A xenofobia recrudesce lentamente na Europa desde o pós-guerra, e nunca esteve tão forte e estruturada. O fenômeno atinge até mesmo os turistas, que amargam o desprezo (e amiúde o escancarado preconceito) de autoridades e moradores. A gaiola do aeroporto espanhol de Barajas é apenas o exemplo acintoso de uma prática bastante disseminada pelas ruas.
Os atentados na Noruega não desmascaram apenas a face tenebrosa do nacionalismo radical europeu. O perplexo espírito conservador ocidental (muito particularmente o brasileiro) não sabe como lidar com a chacina perpetrada por um norueguês jovem, rico e bem-educado, sob a torturante incompetência das forças de segurança locais.
Quem está acostumado a louvar a superioridade civilizatória do Velho Continente não assimila uma explosão e fuzilamentos na impoluta, rigorosa e segura Escandinávia. Os apologistas da pureza étnica (“crime na Europa é coisa de imigrantes”) chocam-se ao constatar que alguém de tez rósea, olhos translúcidos e topete loiro pode agir feito um selvagem. E os partidários da islamofobia estremecem diante de uma barbaridade que há pouco justificava seu ódio ao fundamentalismo islâmico.
Nem o antigo recurso de culpar as próprias vítimas pode aplacar a náusea do colonizado jeca (“ninguém mandou ser ilegal”, ele resmunga, quando a polícia da metrópole espanca desvalidos nos arrabaldes da capital charmosa). É por isso que já começam a aparecer análises responsabilizando o falecido Osama Bin Laden pela insânia do puro e inocente cidadão norueguês.
http://guilhermescalzilli.blogspot.com/
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