segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sudão do Sul



No sábado, nasceu um país. O Sudão do Sul é fruto de mais de 50 anos de guerras civis entre um amálgama de etnias majoritariamente cristãs e seus ex-conterrâneos árabes do Sudão. Calcula-se que esses conflitos tenham matado cerca de 3 milhões de pessoas. A nova nação é uma das mais pobres do planeta, ainda que rica em petróleo, e tem o desafio de consolidar relações com o norte, organizar coalizões dos povos que a compõem e construir instituições a partir dos grupos guerrilheiros que conquistaram a independência.

O Sudão é o local de encontro dos dois Nilos, azul e branco, e foi incorporado ao império britânico ao fim do século XIX, principalmente por sua importância econômica para o cultivo do algodão, matéria-prima essencial à revolução industrial e pela localização estratégica como um corredor ligando o Magreb à África Central. Os britânicos governaram o norte e o sul do país como entidades administrativas diferentes até quase o fim da colonização, que terminou na década de 1950.

O país está na linha de fissura que marca o limite do avanço árabe na África, e por séculos as etnias do sul foram escravizadas pelas do norte. Diferenças de cor da pele e de religião agravaram as disputas econômicas, como o controle dos poços de petróleo, que se situam sobretudo no sul. O crescimento do fundamentalismo islâmico nortista, na década de 1990, foi outro fator que levou ao recrudescimento da guerra contra o sul e ao genocídio no oeste, em Darfur.



Lidar com as duas crises simultaneamentes foi demais para as organizações internacionais e na prática Darfur foi sacrificada em nome do entendimento entre norte e sul. Um acordo de paz em meados da década de 2000 abriu caminho para a missão de paz da ONU no país e para o referendo que culminou com a independência, no sábado.

É um caso raro de país africano que passou por secessão territorial – tentativas anteriores, como a rebelião de Katanga no Congo e de Biafra na Nigéria, terminaram na derrota dos insurgentes. O precedente é perigoso, pois é uma divisão apoiada por grandes potências, em nação rica em petróleo, que termina com derrota dos árabes. É perfeitamente possível imaginar cenários semelhantes em Estados como Líbia (separação da Cirenaica) ou Angola (o enclave de Cabinda).

Ao longo do último ano, tive o prazer de acompanhar os acontecimentos no Sudão por meio de meu ex-aluno Flávio Américo do Reis, capitão do Exército brasileiro, que serviu na missão da ONU no país. O Flávio foi entrevistado pelo jornal O Globo no fim de semana e fez uma análise muito rica da situação, apontando os desafios do país que nasce em meio a tanto sofrimento.

É possível que a perda do sul signifique também o aumento dos protestos democráticos contra o general Omar Bashir, o general que governa o norte. Há mandado de prisão contra ele, expedido pelo Tribunal Penal Internacional, pelo crime de genocídio em Darfur.

11 comentários:

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Sobre Libia e separatismo, os Libios se sentem libios, eu li a declaração de vários na Internet, o que se passa lá é uma revolução contra um tirano apenas. Algumas cidades que eram vistas pró-ele só de retirar as tropas já se "levantam".
No Sudão nunca houve essa "união espiritual", e como parte das milícias sudaneses foram mortas apoiando o Gaddafi e sem seu dinheiro eu não vejo um financiador interessado o que leva ao norte a pensar melhor.

Maurício Santoro disse...

Caro Marcelo,

Sou bastante cético quanto à existência de um espírito nacional líbio. O país só existe há menos de 70 anos, foi criação de Mussolini, e as tribos do Oeste, da região de Tripoli tem se mostrado fiéia a Kadafi.

Historicamente, as lealdades das tribos que formam à Líbia estiveram muito mais orientada para o local (Tripolitânia, Cirenaica) ou para os impérios, como o Otomano.

abraços

Marcelo l. disse...

Mauricio,

A questão das tribos é importante, mas não tão essencial, as cidades litoraneas ocidentais, assim como Tripoli se levantaram e foi aquele massacre que assistimos em fevereiro.

E a lutas até hoje em forma de guerilh. Uma das cidades que até então era considerada leal ao regime, Tarhuna, foi só retirar parte das tropas para proteger Kliten que está em revolta, alguns infomes de hoje já a dão como liberada.

Acho que certo nesse momento que Gaddafi tem um bom apoio em Sirte nas outras cidades não.

A questão tribal ao meu ver vai pesar quando o revolução acabar e a divisão do poder terá que ser feita, mas mesmo assim não li até agora de nenhum líbio (e as montanhas nafusa tem ótimos centros de comunicação) aceitar a idéia da divisão.

Marcelo l. disse...

Acho que a Libia vai ser daqueles casos que o sentimento nacional nasce de uma catastofre que é as mortes dos que tombam em combate ou são feridos.

Abs,

Marcelo

Marcelo l. disse...

E já ia me esquecendo, mas Tarhouna era depois de Tripoli a cidade com maior número de militares, só protesto lá hoje já seria uma façanha, por isso um levante mesmo que fracassando dá um indicativo da perda de apoio do regime.

Abs,

Marcelo

Maurício Santoro disse...

Caro Marcelo,

até agora não houve protestos significativos em Tripoli, embora isso possa ser apenas o resultado de uma maior repressão política por parte de Kadafi.

Também estou curioso para saber o que fará a minoria berbere, que tem andado bastante ativa no Marrocos.

Abraços

Waldorf and Statler disse...

Maurício,
Parabéns pelo blog, que acompanho, e pelo post. O surgimento desta nova nação praticamente não ganhou espaço na midia nacional. Uma pena, pois o assunto me parece muito interessante.

Marcelo l. disse...

Prezado Mauricio,

Primeiro pelo fim, sim o caso do Marracos é esperar o feriado nacional deste mês da data de comemorção da subida ao poder do atual rei para ver o que ocorrerá.

A Libia tem esse link http://feb17.info que tem muita coisa, na TAG tripoli tem as passeatas etc. Eu só espero que as notícias de perda de apoio sejam corretas para assim o regime cair.

O Sudão gostei muito do seu artigo, mas eu sinceramente acho que o ditador do Sudão tentará outro banho da sangue, ele esteve para mim na China sondando as possibilidades esta semana. Meu medo é o Brasil se meter lá com os capacetes azuis para tentar ganhar a vaga sonhada (não por mim)no C.S.

Abs,

Marcelo

Mário Machado disse...

Mas, nesse momento que os insurgentes líbios tem apoio da OTAN e são "heróis" na opinião pública internacional seria uma tolice estratégica abdicar da unidade. Eles têm chances reais de 'conquistar' o país das mãos de kadahfi, mas depois disso na hora de criar um novo estado e que ficará flagrante se a coesão e identidade nacional suficiente.

Muito mal comparando a Iugoslávia parecia bem unificada com o Tito, mas com a queda do regime "all hell broke loose".

Quanto ao Sudão os "ventos são de mal agouro" uma pena. Esse povo merece paz, desenvolvimento e felicidade.

Maurício Santoro disse...

Caro Waldorf,

Até que saiu alguma coisa na mídia brasileira, não muito, mas infelizmente se fala pouco por aqui do que acontece na África.

Salve, Mário.

Com certeza os rebeldes em Bengazi querem o prêmio completo, do país todo em suas mãos, mas não será fácil costurar um acordo com as tribos de Sirte ou de Tripoli.

Além do precedente iugoslavo, o Iraque me parece um caso forte. O país continua nominalmente unido após a queda de Saddam Hussein, mas há muito mais autonomia para as regiões. O Kurdistão virou algo quase independente. Talvez um tipo de arranjo federalista assim surja também na Líbia.

Abraços

Flavio Américo disse...

Caro Prof Maurício

Parabéns pelo BLog. Muito instrutivo e rico m imagens e comentários. Obrigado pelos elogios. Muito sucesso. Um forte abraço.
Flavio Américo