quarta-feira, 6 de julho de 2011
Um olhar Antropológico sobre o Desenvolvimento
A economia do desenvolvimento diz respeito às regiões do “sul global”, como África, América Latina e boa parte da Ásia. No entanto, a maioria dos autores desses estudos são oriundos da Europa e dos Estados Unidos e se presta pouca atenção à influência das diferenças e desentendimentos culturais na formulação desse tipo de teoria. Por isso a importância de um artigo como o do antropólogo Mike McGovern, da universidade Yale, que critica as frágeis bases antropológicas dos economistas do desenvolvimento, afirmando que muito dela é apenas a repetição de clichês e preconceitos sobre povos não-europeus.
McGovern faz uma generalização ampla e perigosa a partir da resenha de apenas dois livros de Paul Collier, um dos expoentes do debate sobre desenvolvimento, mas aqui e ali solta farpas a outras personalidades importantes do meio como Jeffrey Sachs, William Easterly e Dambisa Moyo. Com exceção desta última, uma mulher nascida na Zâmbia, todos os outros são homens dos Estados Unidos ou da Inglaterra. Não significa que o campo esteja restrito a eles –um ranking recente listou muitos pesquisadores importantes de países em desenvolvimento, em especial Índia e Turquia, e anteriormente tivemos nomes de destaques vindos da América Latina, como o brasileiro Celso Furtado e o argentino Raúl Prebisch.
Ainda assim, as críticas de McGovern são relevantes. Seu ponto principal é que os economistas do desenvolvimento consideram como naturais certas expectativas e comportamentos que na realidade são bastante específicos das culturas ocidentais. Em países africanos – ele discute nações como Costa do Marfim e Libéria – existem outras regas e padrões de ação social, que ajudam a entender escolhas individuais e decisões coletivas com profunda influência sobre desenvolvimento, paz e estabilidade política.
É um argumento pertinente também para muitos países da América Latina, inclusive o Brasil. Alunos militares que serviram junto às populações ribeirinhas na Amazônia comentaram comigo que aquelas pessoas não se consideravam pobres, até que chegaram os meios de comunicação, como a TV, e lhes mostraram todo um outro mundo de desejos e expectativas, criando um problema social de demandas não-atendidas. Levando o tema às últimas consequências, como faz o antropólogo colombiano Arturo Escobar, a pobreza e o subdesenvolvimento são criações do desenvolvimento, padrões que só fazem sentido se comparados a outro patamar de referências, por vezes bastante distante de determinadas populações.
Claro, há elementos do processo de desenvolvimento que têm validade universal, como o acesso a serviços de saúde e a medicamentos. Mas no contexto muhttp://www.blogger.com/img/blank.giflticultural do início do século XXI, é necessária mais cautela com as fórmulas e teorias pretensamente universais que pautaram muito do pensamento sobre desenvolvimento dos últimos 50 anos, em particular a “teoria da modernização”, com suas previsões esquemáticas sobre a mudança das sociedades.
Nós, analistas políticos, precisamos ler mais os antropólogos, em especial quando examinamos países distantes dos nossos.
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5 comentários:
Olá Maurício,
Interessante o seu comentário do McGovern. Tendo lido o artigo, o que mais me marcou -- mas vai ver que é porque o tema interessa a minha pesquisa atual -- é a relação de tensão e de complementariedade entre métodos quantitativos e qualitativos em ciências sociais, e sobre o papel do 'cientista' como conselheiro do tomador de decisão.
No fundo a crítica de McGovern é tanto sobre os preconceitos etnográficos (inconscientes?) de pesquisadores influentes como o Collier, quanto sobre a marcada preferência dos economistas em tratar temas socio-políticos via instrumentos econométricos. Ou seja, economistas fazem 'ciência de verdade', com 'números de verdade', e depois apresentam correlações inovadoras e contra-intuitivas. Mas depois, quando se trata de interpretar essas correlações, a maioria dos economistas utiliza recursos heurísticos e preconceitos para definir (i) em que direção vai a relação causal; e (ii) o que provavelmente explica a suposta relação causal. É esse escorregadia passagem entre o quantitativo e o qualitativo que mais me chamou a atenção. Depois, há também a questão de como conhecimento 'acadêmico' é convertido em políticas públicas, o que é um assunto diferente.
Diga-se de passagem, a existência de viés interpretativo é um velho problema da antropologia que muitas ciências sociais (e mesmo ciências duras) não enfrentam suficientemente bem. O viés etnocêntrico é um exemplo óbvio, mas a noção de comportamento racional -- idéia central da economia neoclássica -- é também altamente variável em termos de comunidades humanas concretas. Se a economia neoclássica está aberta a críticas -- principalmente da economia comportamental -- por supor um tipo de racionalidade que não existe em contextos reais, a própria economia comportamental está sendo criticada por fundar até a irracionalidade num tipo cultural específico, o W.E.I.R.D.: Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic societies.
Ver aqui, para um tratamento mais detalhado: http://northwestern.academia.edu/WillBennis/Papers/154149/Weirdness_is_in_the_eye_of_the_beholder_Commentary_on_Henrich_Heine_and_Norenzayan
Salve, Matthias.
É verdade, não tratei da metodologia quantitativa no texto, mas é um elemento importante da crítica do McGovern, até pelo peso que esse tipo de técnica tem nas ciências sociais anglo-americanas.
Ele ironiza com finura essas abordagens quando as compara ao discurso mágico dos feiticeiros...
abraços
Seu texto me fez lembrar de quando tive aula de economia política, percebi como é importante Celso Furtado para o país e para a teoria econômica da América Latina. Muito se cita autores e especialistas europeus e norte-americanos, mas se faz necessário um olhar mais “para dentro” da América Latina.
Abs
Israel
Sem dúvida, Israel. Temos uma rica tradição na América Latina em pensar o desenvolvimento, e com frequência ela é esquecida pelas teorias acadêmicas atuais.
abraços
em palestra recente na Uerj com Enara Echart, questionou-se exatamente o ponto abordado por vc, maurício. o que é entendido como desenvolvimento na concepção ocidental nem sempre corresponde ao que os povos efetivamente consideram como desenvolvimento... to bom! parabéns.
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