sábado, 30 de julho de 2011

A Lógica do Impasse nos EUA



Na quarta, escrevi sobre as raízes econômicas da crise americana. O impasse político entre democratas e republicanos, que ameaça levar os Estados Unidos à moratória também tem origens mais antigas do que as discordâncias atuais ente Obama e a oposição (na foto, o presidente e o republicano John Boehner, que preside a Câmara). Remonta à crescente divergência ideológica entre os dois partidos, da década de 1980 em diante.

Entre a Segunda Guerra Mundial e aquele período, havia amplo grau de consenso entre democratas e republicanos com relação à política interna e externa. Naturalmente, existiam diferenças entre os dois partidos, mas não faltavam líderes moderados e pragmáticos capazes de construir alianças que atravessavam as divisões entre as siglas, e garantiam apoio para iniciativas fundamentais como o Plano Marshall, as leis dos direitos civis ou as decisões de desenvolvimento econômico (“Somos todos keynesianos agora”, na célebre declaração de Nixon).

A sucessão de crises da década de 1970 mudou isso, e a partir da presidência de Ronald Reagan houve uma forte reação conservadora que desmontou parte da estrutura criada pelo New Deal, sobretudo a regulação do setor financeiro e os pactos políticos com os sindicatos. Temas ligados à sexualidade ganharam proeminência, em longa série de batalhas em torno do aborto, do casamento gay e de assuntos semelhantes.

Simultaneamente, acabou a Guerra Fria. A União Soviética foi desmantelada e os Estados Unidos perderam o inimigo externo que, bem ou mal, ajudou a dar coesão às suas elites, por meio de uma ameaça que as incentivava a formular acordos bipartidários. Essa cola não existe mais.



A polarização da década de 1990 foi amarga, mas o ótimo crescimento econômico dos anos Clinton amenizou muitas tensões. O presidente não conseguiu aprovar a reforma da saúde e quase perdeu o cargo por uma estagiária. E ainda assim, entregou o país em superávit (acima). Os anos Bush foram de turbulência extrema: atentados terroristas, duas custosas guerras na Ásia, cortes de impostos e uma política montária descuidada que alimentou a bolha imobiliária – agravada pelos problemas na regulação e nas agências de classificação de risco.

O Tea Party surgiu em 2009 não só como reação à vitória de Obama, mas como rebelião das bases republicanas contra os erros do governo Bush, particularmente pelo aumento descontrolado da dívida pública. O sucesso eleitoral do movimento nas eleições legislativas de 2010 criou a necessidade de que os líderes do Partido Republicano endossem sua agenda, ou pelo menos demonstrem simpatia por suas idéias. Como no manifesto dos parlamentares que se recusam a apoiar alta de impostos, embora os ricos paguem o menor percentual dos últimos 80 anos (abaixo).



Os democratas controlam a Presidência e o Senado, os republicanos, a Câmara dos Deputados. Pela lógica básica da barganha política, um acordo bipartidário significaria algo como cortar gastos sociais caros a um dos grupos e alterar as leis tributárias valorizadas por outro, em prol de algo que beneficie os dois: a estabilização da economia. Certo, 2012 é ano de disputa presidencial, o que torna os prêmios mais elevados.

No entanto, mais que o cálculo político de custos e benefícios, o que predomina é uma rigidez ideológica danosa não só para a condução da economia, mas para a própria democracia nos Estados Unidos. Regimes autoritários precisam de Fuhrers, Duces e Profetas, governos democráticos funcionam melhor com líderes pragmáticos capazes de jogar o toma-lá-dá-cá tão menosprezado mas tão necessário para o cotidiano.

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