“Se a América Latina é o cenário indispensável da nossa política externa, a África é a tela onde ela se projeta, anunciando já algumas das formas que ela terá que assumir no futuro... Mais do que a política externa dos anos 1970, é a do ano 2000 que estamos, de certo modo, traçando com as iniciativas de hoje.”
Embaixador Azeredo da Silveira, chanceler do governo Geisel
“Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a influência direta, ou vaga e remota, do africano.”
Gilberto Freyre, sociólogo brasileiro
“O lusotropicalismo de Gilberto Freyre matou mais do que a G3 [rifle usado pelo Exército de Portugal]”
De um nacionalista da Guiné-Bissau ao acadêmico brasileiro José Maria Pereira
“Hotel Trópico – o Brasil e o desafio da descolonização africana, 1950-1980” é um excelente livro do historiador americano Jerry Dávila. Recém-lançado em português, vai muito além das fontes tradicionais das análises diplomáticas, relatando a participação de intelectuais, ativistas políticos e guerrilheiros nos debates sobre como a política externa brasileira deveria lidar com o nacionalismo ascendente na África e com o declínio do império de Portugal no continente. Focado nas relações do Brasil com Angola e Nigéria, e em segundo plano com Gana e Senegal, a obra mostra as ambiguidades de ambições internacionais que acabaram revelando muito sobre as contradições raciais do país.
Durante o período abordado no livro, o discurso oficial é que o Brasil era democracia racial e uma história de sucesso da miscigenação, que se contrapunha à segregação experimentada nos Estados Unidos e na África do Sul – visão também propagada pelo Portugal de Salazar. Essa trajetória, aliada às raízes africanas da população brasileira, tornaria o país um aliado natural das nações que surgiam da descolonização e permitiria à política externa conquistar influência nos fóruns multilaterais, como a ONU, consolidando o Brasil como potência emergente e líder no mundo em desenvolvimento.
Essa perspectiva esbarrou em três obstáculos principais: 1) A proximidade do país com Portugal – até 1974, uma ditadura que não queria abrir mão de suas colônias na África; 2) As tensões raciais latentes no Brasil e as objeções que o crescente movimento negro apresentava ao governo, inclusive no plano internacional; 3) A fragilidade das bases econômicas para as ambições africanas, com desconhecimento dos empresários sobre possibilidades no continente, deficiências de infraestrutura, escassez de produtos competitivos nos mercados externos.
Para Dávila, o Brasil via na África uma projeção idealizada de si mesmo, num projeto que entrou em choque com as dificuldades de enfrentar a discriminação racial dentro do Brasil e a incapacidade de romper com o colonialismo português, colocando a diplomacia brasileira num quadro de desconfiança e isolamento com as jovens nações africanas, em particular aquelas governadas pela esquerda, que apoiavam os guerilheiros que lutavam contra Portugal em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.
Cerca de dois terços do livro são dedicados às análises dessas contradições e o restante aborda o período 1974-1980. Quando a Revolução dos Cravos acabou com a ditadura em Portugal e aceitou o fim do império colonial, o governo brasileiro – uma ditadura anticomunista – viu-se como o primeiro a reconhecer o regime marxista em Angola. A lógica era impecável : reaproximar-se com a África num momento em que o petróleo do continente era fundamental para a manutenção do crescimento econômico brasileiro, em contexto da brutal alta dos preços dessa commodity. Mas a decisão gerou muitos conflitos internos, inclusive uma tentativa de golpe contra Geisel, em particular quando ficou clara a enorme presença militar de Cuba em Angola.
Dávila também aborda as dificuldades no relacionamento com a Nigéria, estratégica por sua enorme produção de petróleo. Para equilibrar as contas do comércio externo, a Petrobras usou uma subsidiária para vender produtos agrícolas e manufaturados ao país africano. Usando Pelé como garoto-propaganda, a empresa afirmava que as mercadorias brasileiras tinham “tecnologia tropical”, mais adequadas à realidade nigeriana do que as concorrentes da Europa ou dos EUA. Nem sempre era o caso e as dificuldades de operar num cenário instável com pouca estrutura de apoio ao comércio por vezes resultou em maus negócios, dívidas não pagas e incapacidade de embaixadas e consulados em alcançar os ambiciosos objetivos pensados em Brasília e no Rio de Janeiro.
“Hotel Trópico” é um livro que deixa na boca um gosto de “quero mais”, até pela revitalização da política africana do Brasil na década de 2000. Por suas páginas passam diplomatas, intelectuais e líderes políticos de primeiro calibre: Azeredo da Silveira, Gibson Barboza, Alberto da Costa e Silva, Ovídio de Mello, Antônio Olinto, Maria Yedda Linhares, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Leopold Senghor, Kwame Nkrumah – com frequência, em ferozes discordâncias entre si.
Um comentário:
Mas que bela análise tipicamente fascista e anti Brasil.
Postar um comentário