segunda-feira, 19 de setembro de 2011
João Goulart
O historiador Jorge Ferreira é um dos principais estudiosos do trabalhismo brasileiro das décadas 1930-60 e sua excelente recém-lançada biografia do presidente João Goulart lança nova interpretação sobre esse polêmico líder político, em visão que ressalta suas habilidades como mediador em negociações sindicais e organizador partidário, em contraste com os diversos críticos, à esquerda e a à direita, que o consideravam incapaz, indeciso e despreparado.
Ferreira constrói seu argumento a partir de seus livros anteriores e de análises de Ângela Castro Gomes, Maria Celina d´Araújo, Argelina Figueiredo, Lucilia de Almeida, Luiz Alberto Moniz Bandeira e de memórias e biografias dos protagonistas do período. Em comum, o questionamento da caracterização do trabalhismo como populista e manipulador, frisando as relações complexas e ambíguas existentes entre políticos, sindicalistas, militares e empresários.
Goulart era um rico criador de gado e fazendeiro da cidade gaúcha de São Borja, cuja família era amiga do presidente Getúlio Vargas, natural da mesma cidade. Quando ele foi deposto em 1945, Goulart foi um dos poucos a ficar do seu lado. Vargas desenvolveu afeto paternal pelo rapaz de vinte e tantos anos e tornou-se seu mentor político, lançando-o como um dos organizadores do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o nomenando ministro do Trabalho durante as crises turbulentas que culminaram no suicídio de Vargas em 1954.
Ferreira retrata Goulart como um negociador carismático e habilidoso, um workaholic dedicado à política. É especialmente interessante o exame dos conflitos internos do PTB, com os embates ele uma ala mais voltada para o modelo das sociais-democracias européias, uma facção mais pragmática e as idas e vindas das relações com os comunistas, na clandestinidade mas fortes no meio sindical. O principal rival de Goulart no PTB era Leonel Brizola, que tornou-se seu parente quando casou com sua irmã. A relação entre ambos foi conturbada, passando de alianças a épocas de separação e brigas.
Outro ponto alto do livro é mostrar o período – em geral subestimado – de Goulart como vice-presidente de Juscelino Kubitschek, que cimentou a aliança do PTB com o mais conservador PSD. Pela lei eleitoral da época, as pessoas votavam separadamente para os dois cargos e Goulart teve maior votação do que JK, agindo no governo como o interlocutor com o movimento trabalhista, solucionando greves e atendendo demandas por vezes tensas em virtude do aumento da inflação.
Nas eleições de 1960 Goulart foi novamente candidato a vice, na chapa do marechal Henrique Lott – o militar legalista que havia garantido a posse de JK e impedido o golpe que Carlos Lacerda, outros políticos de direita e parte das Forças Armadas tentaram dar em 1954-5. Lott perdeu a disputa nas urnas para Jânio Quadros, que prometia varrer a corrupção da era JK, mas Goulart foi eleito seu vice. Durante os breves meses que ocupou a presidência, as relações entre ambos foram distantes e formais e aparentemente Jânio esperou Goulart estar em viagem à China comunista para renunciar, na vã esperança que houvesse uma rebelião popular para que ele permanecesse no posto, com poderes ampliados.
Ferreira afirma que a renúncia presidencial foi um dos golpes mais duros contra a democracia inagurada em 1946, contribuindo para desacreditar suas instituições e criar um clima de polarização e radicalismo que dominou o país entre 1961-64. As principais crises do período estão muito bem narradas na biografia: a campanha da legalidade lançada por Brizola para garantir a posse do cunhado, a solução de compromisso do parlamentarismo, a campanha pelo retorno do presidencialismo e a deterioração da situação política e econômica até o golpe que instaurou a ditadura militar de 20 anos.
Em sua análise, Ferreira destaca o papel da esquerda militar nesses acontecimentos, em especial o movimento dos sargentos e as dificuldades das correntes moderada e radical da esquerda em confiar uma na outra e estabelecer uma aliança. Ele frisa a radicalização pela qual passou Brizola e as Ligas Camponesas de Francisco Julião, com cada qual dos líderes acreditando ser o Fidel Castro brasileiro. Mostra também o modo como os impasses no Congresso travaram não só , mas a própria estabilidade do governo, impedindo a implementação do Plano Trienal elaborado por Celso Furtado para controlar a inflação.
Os últimos capítulos do livro são dedicados aos exílios de Goulart no Uruguai e na Argentina, à sua relação com a esposa Maria Thereza e os filhos, e os amigos e aliados que o visitavam com certa frequência e as perseguições que lhe moviam os ditadores brasileiros. A biografia é discreta com relação aos muitos casos amorosos de Goulart, mas conta em detalhes seu último relacionamento extraconjugal, com uma jovem argentina que o ajudou a superar os problemas crescentes com a depressão de não conseguir voltar ao Brasil. Ferreira não acredita na hipótese que o ex-presidente tenha sido assassinado (embora não a descarte totalmente) afirmando ser mais provável que ele tenha morrido em decorrência dos problemas cardíacos que manifestava desde o início da década de 1960, agravados por seus hábitos alimentares.
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Um comentário:
Excelente tua resenha, meu caro. Fiquei até com vontade de comprar o livro. Grande abraço!
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