segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Conselho de Segurança e as Leis de Hama

No sábado o Conselho de Segurança da ONU votou proposta de resolução que condenava o governo sírio pela repressão à rebelião democrática e demandava a renúncia do presidente Bashar al-Assad. A iniciativa recebeu 13 votos favoráveis, mas foi vetada pela Rússia e pela China. Em entrevista à Globo News, afirmo que o resultado imediato será o aumento da violência contra os manifestantes, pois Damasco interpretará o impasse internacional como sinal verde para esmagar a revolta. A outra consequência é que agora a possibilidade de solução do conflito recai sobre Turquia, Liga Árabe e França, numa situação de tensão com a oposição cada vez mais armada.

Há duas explicações principais para a posição da Rússia e da China. A Síria é o último aliado russo no Oriente Médio, o que sobrou da antiga zona de influência soviética na região. Moscou não pode abandonar um amigo tão importante, ainda mais no contexto de sua própria rebelião democrática, com o primeiro-ministro Vladmir Putin disputando a presidência em março.

O segundo ponto é a disputa mais ampla por influência no Norte da África e Oriente Médio. Quando a Primavera Árabe começou, Rússia e China estavam satisfeitos em ver aliados ocidentais como Egito e Tunísia balançando. A Líbia mudou o jogo, em especial quando o mandado da ONU de intervenção para proteger os civis foi transformado no apoio da OTAN aos rebeldes na guerra civil contra Muhamar Kadafi. Moscou e Pequim temem a repetição dessas circunstâncias na Síria e a consolidação desses precedentes para outros países-chave, como o Irã. Há sugestões de mediação de mais nações emergentes, como Brasil, Índia e África do Sul.

A rebelião na Síria já dura 11 meses, mas nas últimas semanas ficou mais séria, porque finalmente os protestos haviam chegado à capital, Damasco. O governo respondeu com o aumento da repressão e, segundo desertores das Forças Armadas, com ordens de atirar a esmo nas multidões. O oficial mais graduado a fugir do país afirma que o Exército está à beira do colapso e só um terço dos homens está em condições de combater, fazendo com que o regime recorra sobretudo às milícias, em particular aquelas recrutadas entre os alauítas, grupo religioso minoritário que domina o governo.

Por uma coincidência macabra, o aumento da violência se deu em meio ao aniversário de 30 anos do massacre de Hama, no qual o presidente Hafez al-Assad (pai do atual mandatário, a imagem dos dois está na foto que abre o post) matou entre 10 mil e 20 mil rebeldes da Irmandade Muçulmana, no ato de maior brutalidade interna de um governo na história moderna do Oriente Médio. A repressão implacável garantiu estabilidade à sua presidência, que só acabou com sua morte em 1999, e sua substituição pelo filho – algo que nem Mubarak nem Kadafi conseguiram.

As Leis de Hama, como as chamou o jornalista Thomas Friedman, eram claras: opor-se ao governo tem preço, e altíssimo. O regime foi hábil em manter o apoio das elites econômicas do país, em Damasco e Aleppo, mas é nas províncias empobrecidas que a rebelião foi fomentada e deflagrada. As lições das revoltas na Tunísia e no Egito é que para derrubar pacificamente as ditaduras é necessário ocupar a capital, o caso da Líbia mostra que sem essa capacidade de mobilização política, o único modo é a guerra civil – com necessidade de auxílio estrangeiro para enfrentar o Estado, mais forte.

6 comentários:

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Agora é ver como a violência transborda para lado libanês da fronteira, por que na Síria acredito que vai continuar o banho de sangue por um bom tempo.

Abçs

Anônimo disse...

Tensão Escalando...

Embaixador britânico em Damasco chamado de volta .

A Rússia tem uma flotilha na região capitaneada por um porta-aviões.

A rota de suprimentos do FSA tem sido o Líbano, onde os serviços secretos da síria, EUA, europeus, atuam bastante.


abraços jogador.

Helvécio.

Maurício Santoro disse...

Caros,

Vai piorar muito, com impactos no Líbano e na Turquia. Infelizmente.

abraços

Anônimo disse...

Acho que os EUA estão aproveitando a primavera árabe para moldar o oriente médio. Já derrubaram o Kadhafi e agora é o Assad. Enquanto isso fecham os olhos pros absurdos da casa de Saud (que aliás começou a patrocinar o Hamas). Enfim, pior para os alauítas e para os cristãos que serão massacrados caso o Assad caia.

Maurício Santoro disse...

Essa é exatamente a motivação da China (e em menor grau, a da Rússia) para vetar a resolução sobre a Síria.

Convém lembrar que a repressão no Bahrein, onde está a principal base naval americana no Oriente Médio, não foi motivo de indignação do governo dos Estados Unidos.

abraços

Anônimo disse...

Bem lembrado, Mauricio.

Senão a gente pensa que as intenções ocidentais são as mais imaculadas possíveis.