sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O Dia em que Adiaram o Carnaval

Há 100 anos morreu o barão do Rio Branco, um dos melhores diplomatas de todos os tempos e o profissional que definiu de forma pacífica as fronteiras do Brasil, dando a um país de dimensões continentais uma enorme estabilidade geopolítica que deu a seus governantes a capacidade de concentrar seus esforços de política externa na busca do desenvolvimento econômico, sem se preocupar com longas e desgatantes disputas territoriais como as que continuam a afligir a maioria de seus vizinhos na América do Sul. Rio Branco continua a ter lições a oferecer para o Brasil atual: necessidade de integração Defesa-Relações Exteriores, preocupação com a estabilidade da região, análise da arguta das mudanças no equilíbrio do poder mundial.

Na juventude, Rio Branco serviu como secretário de seu pai, o Visconde do Rio Branco, um experimentado político e diplomata cujas realizações só são comparáveis às do filho. Ele o acompanhou em diversas missões aos países da bacia do Prata e foi testemunha em primeira mão das devastadoras guerras que o Brasil travou na região entre as décadas de 1820-1870. Tais custos e sacrifícos praticamente sumiram da memória histórica brasileira, mas só no conflito com o Paraguai estima-se que morreram 50 mil soldados do país – uma cifra trágica, semelhante às perdas dos Estados no Vietnã nas décadas de 1960-1970. A guerra também destruiu financeiramente o Império, lançando o regime numa crise econômica da qual jamais se recuperou.

Os militares e civis que proclaram a República estavam cientes dos custos das guerras platinas e se esforçaram em reverter o curso da diplomacia imperial e estabelecer boas relações com as nações vizinhas, notadamente com a Argentina, que o Brasil enfrentara em dois conflitos, e com quem manteve uma tensa aliança contra o Paraguai. Nos anos finais da monarquia o barão começara um trabalho bem-sucedido de delimitação das fronteiras brasileiras por negociações pacíficas, sobretudo por arbitragens jurídicas internacionais. Esses foram os serviços que lhe renderam o título de nobreza (que no Império não era hereditária). A República lhe deu novas tarefas e o promoveu a ministro das Relações Exteriores, cargo que desempenhou para uma sucessão de presidentes entre 1902-1912.

Rio Branco foi bem-sucedido nas negociações porque era um exímio historiador, profundo conhecedor de temas militares e geográficos do Prata e do Amazonas. E um político habildoso que percebeu que a ordem mundial do século XX seria do declínio da Grã-Bretanha e da França, e da ascensão dos Estados Unidos, com o qual estabeleceu uma “aliança não-escrita”: apoiar suas ambições internacionais em troca de seu auxílio para as demandas brasileiras na América do Sul. A mais grave delas, a complexa fronteira com a Bolívia, envolvia empresas americanas interessadas em explorar os seringais da região.

A proximidade com os Estados Unidos veio acompanhada da preocupação da construção de boas relações com as nações mais importantes do Cone Sul, Argentina e Chile, na qual ele também foi bem-sucedido, apesar de rusgas com Buenos Aires, em particular sua longa rivalidade com o chanceler argentino Estanislao Zeballos, que vinha dos tempos em que ambos eram jornalistas de pena mordaz.

O barão foi um diplomata notável, mas morreu amargurado com os fracassos da modernização brasileira na República, e sua interminável sucessão de rebeliões, insurreições armadas e instabilidade política. Faleceu durante o carnaval e o governo tentou adiar a festa por decreto, gesto inédito e nunca mais repetido. Não funcionou, claro: o povo foi em massa ao seu funeral e depois comemorou nas ruas a festa. Duas vezes. Na definição precisa de meu amigo João Daniel Lima de Almeida, o Brasil deve ao barão não só suas fronteiras, mas também a invenção da Micareta, o carnaval fora de época. Boêmio e farrista em sua juventude carioca, Juca Paranhos, o barão do Rio Branco, certamente teria adorado.

6 comentários:

José Elesbán disse...

Belo texto, professor.
A título de piada se pode dizer que o Barão de Rio Branco teve um "revival" no início da década de 1980 por estampar a nota de 1000 cruzeiros.
Um programa humorístico da época forjou um jargão, alinhado com a nova nota e a crescente inflação daqueles dias. Quando alguém precisava pagar alguma coisa, as personagens do humorístico disparavam "lá vai barão!".
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Maurício Santoro disse...

É verdade, mas tenho dúvidas se naquele contexto de grande inflação colocar o rosto de alguém nas notas fosse prestar homenagem! Hoje em dia se usa imagens da flora e da fauna, porque os pobres bichinhos e plantinhas não podem reagir!

abraços

Karin Nery disse...

Olá, Maurício!
Excelente texto, como sempre! Vc continua a dar aulas no Clio do RJ?
Abraços

Maurício Santoro disse...

Oi, Karin.

Sim, mas provavelmente só nos novos cursos de pós-graduação.

beijo

Anônimo disse...

Excelente texto. Apenas ficou uma contradicao: as fronteiras, voce disse, foram definidas algo pacificamente. Mas a propria Guerra do Paraguai eh exemplo contrario. Alem disso, acho que voce dah credito demais ao Rio Branco. Por mais inteligente e habil que ele fosse, nunca definicoes tao complexas ocorrem pela vontade e habilidade de um homem.

Maurício Santoro disse...

Anônimo,

As fronteiras pós-Paraguai foram definidas pacificamente. Antes disso, evidentemente, a história é outra: séculos de confrontos entre Portugal e Espanha, a guerra da Cisplatina etc.

Acredite, não há como superestimar o trabalho do Rio Branco. Na época dele o Itamaraty tinha poucas dezenas de funcionários, ele fez um trabalho extraordinário e realmente fez a diferença para o Brasil.

abraços