quinta-feira, 1 de março de 2007

Demônios à Solta

“Há algo de demoníaco no ar”, dizia minha amiga, enquanto me contava como sua filha teve o carro roubado a poucos quarteirões onde bandidos fizeram o mesmo com a família de João Hélio. Ouvi muitos casos parecidos – me impressionou a quantidade de pessoas no meu círculo de amizades que sofreram casos de violência nos quatro meses em que estive fora.

Quando pergunto quais são as novidades, invariavelmente escuto histórias de crimes, roubos, medo. “Não estamos te contando nem 10%”, jurou outra amiga. “Ainda bem, porque com mais algumas pego o telefone e reservo um vôo de volta para Buenos Aires.”

“O que você achou da cidade? Ela é violenta?”. Foi a primeira coisa que minha prima quis saber. Não era a curiosidade sobre as belezas portenhas ou o que havia para fazer por lá. “As pessoas não conseguem falar de outro assunto, é só violência”, constatava outra amiga.

Mas voltei com histórias de amizade, do carinho fraternal dos argentinos, das tardes nos cafés, dos passeios nas livrarias, do paraíso vislumbrado na Patagônia. A vida pode ser diferente. Deve.

“Você parece muito bem, muito feliz”, me dizem. É assim como me sinto, com a alma leve de quem viveu um período pleno. O fato de que agora uso barba e bigode também provocou reações: “Você está parecendo o Fidel. Não, nem tanto. Parece mais aquele outro, o argentino...” Outra amiga complementou: “Definitivamente, há algo de anos 60, meio libertário, na sua nova aparência.”

Hummm... acho que falta a boina.

Hoje à noite voltava no ônibus do trabalho para casa com a cabeça um pouco pesada pelas histórias do dia. De repente, a janela da frente estourou. Antes que eu pudesse pensar já estava abaixado e com o rosto protegido. O motorista parou e os passageiros começaram a gritar: “Não pare, pode ser um ataque.”

Levantei a cabeça e vi que a janela não tinha marcas de tiros ou de pedras. Foi o que disse aos outros passageiros, que demoraram um pouco para entender o que acontecia, em meio ao caos. “Não foi ataque, o vidro simplesmente estourou”, confirmou o homem que sentava ao lado da janela. Por via das dúvidas, muitos desceram.

Segui para casa, achando que minha amiga tem razão. Há algo demoníaco no ar desta cidade.

4 comentários:

Leandro Bulkool disse...

Em primeiro lugar, parabéns pelo novo Blog. Menos soturno e, infelizmente, menos conspiratório do que o anterior, mas bem legal.

Agora, realmente se todos nós não começarmos a tomar atitudes contra a violência, esquece... o demônio ficará no ar, e crescerá.

Anônimo disse...

Maurício, com o novo blog já é todo um revolucionário! Aparte de todo o que nomavan seus amigos, tem o nome dum livro dum comunista argentino como Julio Cortázar! Creo que o meu pais te virou num "zurdo" (se usa "canheto" para denotar aos partidários de esquerda?).
HAHAHAHA

Falando em sério, lamento muito a insegurança no Brasil. É um problema muito grave. Aqui já há alguns famílias que tiveram problemas sérios e vivem como os seus amigos, pensando só na violéncia. Espero que vire para melhor.
Saludos desde Buenos Aires
De seu amigo

Patricio Iglesias

Anônimo disse...

Grande Maurício!

É, rapaz, a Cidade já não é mais Maravilhosa há muito tempo. É incrível como se sente o clima pesado quando fica longe dela por algumas semanas que seja.

Show de bola o novo Blog! O endereço já está devidamente atualizado lá no Tock's!

Maurício Santoro disse...

Salve, meus caros.

Leando, a idéia é justamente um visual mais limpo. Menos sombras!

Patricio,

aqui não temos uma expressão semelhante ao zurdo para designar alguém da esquerda. Talvez "comuna", para os comunistas...

Em todo o caso, o nome é uma justa homenagem ao meu escritor argentino favorito, embora eu goste mais de contos como "O Perseguidor" e "Senhorita Cora" do que dos textos propriamente políticos.

Quanto aos arquivos dos Conspiradores, não se preocupe, eles permanecerão no ar.

Ock,

seja bem-vindo também a este novo blog!

Abraços