segunda-feira, 21 de maio de 2007

Água, Desenvolvimento e Pátria Contratista



Uma das alegrias do noticiário brasileiro é descobrir quem a Polícia Federal irá prender na operação da semana. A mais recente, Navalha, capturou políticos importantes e acusou o ministro das Minas e Energia de receber R$100 mil para favorecer a construtora Gautama no projeto de eletrificação rural. O ministro é um dos principais defensores das obras bilionárias das hidrelétricas no Rio Madeira, que provocam oposição de cientistas e técnicos especializados.

A proposta do governo é construir duas usinas, Jirau e Santo Antônio, no estado de Rondônia, próximo à fronteira com a Bolívia. Gerariam 6,5 mil MW, o que as tornaria a terceira maior fonte de energia hidrelétrica do Brasil, atrás apenas de Itaipu e Tucuruí. A idéia é que num segundo momento o projeto possa ser expandido para a Bolívia, com uma usina binacional nos moldes da parceria paraguaia em Itaipu. A eletricidade seria usada para fomentar um pólo de agronegócio.

Por que os cientistas se opõem ao projeto?

1- O custo de construção das usinas é muito alto e elas beneficiariam somente os grandes grupos empresariais, sem trazer benefícios para a maioria da população.

2- A experiência com outras hidrelétricas, como Tucuruí, mostram que elas provocam intensa favelização das cidades vizinhas, porque durante seu período de construção (previsto para quase 10 anos) atraem para o local milhares de trabalhadores, que depois ficam na área em condições precárias. No caso do Madeira, isso significaria problemas de crime, consumo de drogas e prostituição para a capital de Rondônia, Porto Velho. As represas também deslocarão a população ribeirinha, que possivelmente terminará se favelizando.

3- A construção das usinas significaria desmatar uma região rica em biodiversidade, considerada pelo Ministério do Meio Ambiente como uma das mais importantes do país.

A proposta dos cientistas é abandonar as grandes hidrelétricas e investir na modernização das usinas já existentes. Há estimativas de que sua produção de eletricidade poderia aumentar em até 40%. Contudo, o governo está atrelado ao modelo do “grande projeto” típico da ditadura militar brasileira. Meu colega de IBASE Carlos Tautz faz um balanço da situação:

“De toda forma, já está clara a opção pela volta dos megaprojetos de infra-estrutura na Amazônia como modelo de ocupação do território. Ela ratifica um crescimento econômico que até hoje só concentrou brutalmente a renda e favoreceu a emergência, naquela região, de uma Estado pouco republicano e que volta e meia ganha as manchetes nacionais por sua vinculação com o crime organizado. (...) Se para presidente Lula desenvolvimento significa a construção de grandes obras, exatamente como na década de 1970, um fantasma típico daquele tempo pode voltar a nos assustar: projetos que beneficiam pouco a sociedade e são um fim em si mesmo.“

Na Argentina, usa-se a expressão “pátria contratista” para definir as grandes empresas que vivem de negócios com o Estado. Ora, R$20 bilhões é muito dinheiro, suficiente para fazer a felicidade de muitas empreiteiras, ministros, governadores, mensaleiros e outros exemplares da fauna exótica que cresce serelepe por este Brasil.

As usinas do Rio Madeira são parte de um debate sobre água e desenvolvimento que abarca também os projetos faraônicos do governo federal de transposição do Rio São Francisco, da usina de Belo Monte no Rio Xingu e creio que futuramente algo será feito com relação ao Aqüífero Guarani.

Haja trabalho para a Polícia Federal!

4 comentários:

IgorTB disse...

É uma vergonha vermos o governo defendendo tão veementemente um projeto que, comprovadamente, pode comprometer um de nossos maiores bens: a imensa diversidade amazônica.

O Ministério do Meio Ambiente já foi enfático em afirmar que a construção das usinas pode afetar de forma fatal a vida do bagre, peixe extremamente importante para a economia local e para o equilíbrio do ecossistema fluvial amazônico. Contudo, nosso brilhante presidente já afirmou que um peixe não pode impedir o Brasil de ir para frente.

Realmente, creio que um peixe não poderá impedir o Brasil de avançar. Esse papel já é da corja que rouba descaradamente o dinheiro público e que, protegidos por uma instância judiciária leniente, continuará dando as cartas no Cassino Brasil...

Maurício Santoro disse...

Pois é, Igor, você deve estar lembrado do discurso do presidente dizendo que tinha vontade de fechar o IBAMA. É dose...

Participei de reuniões de cientistas com funcionários do BNDES, que financia a obra, e os próprios técnicos do banco disseram que os relatórios de impacto ambiental com o qual trabalham são insuficientes e não levam em conta todas as conseqüências do projeto.

Há muita controvérsia sobre o impacto das represas das usinas para a qualidade da água (por conta do efeito sobre sedimentos e pela liberação de gás metano), mas a questão do bagre é mais séria do que pintou a imprensa - o peixe está no ápice de uma cadeia alimentar, se seu número diminuir afetará várias outras espécies.

Abraços

Rodrigo Cerqueira disse...

É Maurício, e eu li essa semana no site do PNUD que os países do Mercosul estão iniciando estudos sobre o Aqüífero Guarani para utilização do recurso em projetos de desenvolvimento regional. Juntando as peças, não fica muito difícil traçar um quadro para o futuro.

Chama atenção também a esquizofrenia argumentativa que já se tornou marca deste governo. Ao mesmo tempo em que posa como solução ambiental mundial em termos energéticos com o etanol e o biodiesel, quer fechar o Ibama porque atrapalha o desenvolvimento nacional. Cabe perguntar: que desenvolvimento é esse?

Lamentável.

Mudando de assunto: encontrei na internet informações sobre um memorial de Allende em Santiago, uma espécie de Casa-Museu. Conhece? Visitarei em julho e te falo.

Abraço

Maurício Santoro disse...

Salve, Rodrigo.

O Aqüífero Guarani é uma das maiores reservas de água potável do mundo com um excelente potencial para uso industrial. A questão é como administrá-lo regionalmente e os exemplos atuais não dão margem a muito otimismo.

Basta ver, por exemplo, a crise das papeleras entre Argentina e Uruguai e o conflito entre Brasil e Paraguai pelas tarifas de Itaipu.

Não conheço o museu de Allende, mas parece muito interessante. Espero que você aproveite e nos conte a respeito!

Abraços