quarta-feira, 4 de junho de 2008

As Armas e os Barões Assinalados



Um dos debates mais quentes hoje na América do Sul é se a região passa por uma corrida armamentista. Nos últimos cinco anos os gastos com defesa aumentaram muito no Brasil, no Chile, na Colômbia e na Venezuela. Boa parte desses recursos foi dedicado à compra de equipamento moderno - blindados, submarinos, fragatas, caças. O ponto controverso é em que medida tais investimentos se destinam à reposição do material deteriorado da década de 1990.

O estudo mais completo que li a respeito veio da Colômbia, da Fundación Seguridad y Democracia. O relatório analisa cada país sul-americano. Me limitarei aos maiores. O Brasil é quem mais gasta com defesa na América do Sul e no ano passado anunciou aumento de 50% nesse orçamento. O país tem as maiores Forças Armadas da região, a indústria bélica mais desenvolvida e projetos ambiciosos do ponto de vista científico e tecnológico, como a construção do submarino nuclear e a parceria estratégica com a França. Os focos das preocupações de segurança são a região amazônia e o Atlântico Sul.

Em termos proporcionais, os países sul-americanos gastam entre 1% e 2% do PIB com defesa (para os dados, chequem o Stockholm International Peace Research Institute). O Chile é exceção, com cerca de 3,5% dedicados às Forças Armadas. Por duas razões principais. Primeiro, uma lei da época da ditadura Pinochet destina automaticamente 10% das receitas de exportação do cobre para os militares - e preço desse minério se multiplicou por cinco ao longo desta primeira década do século XXI. O segundo motivo é a situação de tensão que o Chile vive com os vizinhos, em particular com o Peru, e a necessidade de manter poderio bélico para dissuadir agressões. Surpreendemente, as negociações com a Bolívia pelo acesso ao mar estão muito melhores, e até se especula sobre o anúncio de um acordo para os próximos anos.

Prosseguindo na escala de gastos, está a Colômbia, que desde a implementação do plano bilateral com os Estados Unidos se tornou o terceiro maior receptor de ajuda militar daquele país, atrás apenas de Israel e do Egito. Os colombianos ampliaram em muito suas Forças Armadas, para 200 mil homens - número impressionante para um país de 45 milhões de habitantes. Os equipamentos também foram modernizados, com a compra de uma moderna frota de helicópteros e de aviões de combate. Os objetivos são primordialmente internos: derrotar as guerrilhas.

Tudo que Chávez faz é controverso e o mesmo acontece com sua política de defesa. Seu governo aumentou os gastos nessa área em 50%. Claro que muito disso é fruto das benesses da disparada do preço petróleo, que quase decuplicou desde sua ascensão ao poder. Outro fator é a base original de apoio de Chávez vir das Forças Armadas, e ele precisar cortejar os militares com verbas e equipamentos. Não custa lembrar que foram os oficiais leais ao presidente que garantiram sua permanência no poder, revertendo o golpe que havia sido tentado pelos generais mais antigos.



Chávez inovou ao se voltar para Rússia e China em busca de armamento, em grande medida para contornar as restrições à venda de material militar à Venezuela, impostas pelos Estados Unidos. Isso explica porque ele está substitutindo os caças americanos por aeronaves russas. O ponto mais polêmico é sua aquisição de 100 mil fuzis AK-103 e AK-104, e a instalação de uma fábrica para produzir outros tantos. Essa arma é a versão mais moderna do célebre AK-47 (foto), considerada a melhor arma de guerrilha do mundo, porque é de facílima manutenção e funciona bem em ambientes hostis como, digamos, a selva colombiana.

Há certo consenso entre os analistas de que os principais objetivos de Chávez quanto à defesa são: 1) Criar um poderio que torne a possibilidade de um ataque à Venezuela (pelos EUA ou pela Colômbia) uma opção arriscada. 2) Fortalecer seu apoio entre os militares e armar milícias que possam impedir um golpe contra seu governo, ou socorrê-lo no caso de uma tentativa.



Em meio à tanta agitação, até que foi pouco divulgada no Brasil a decisão dos Estados Unidos em recriar a IV Frota Naval, que irá atuar no Caribe e no Atlântico Sul. Ela havia sido montada, originalmente, na década de 1940, quando os americanos e o Brasil lutaram aliados contra o nazi-fascismo. Sua sede, inclusive, ficava em Natal. Seu comandante, o almirante Ingram, tornou-se amigo íntimo de Getúlio Vargas - uma das imagens mais famosas da época mostra o presidente brasileiro rindo ao lado de Ingram, com seu homólogo americano, Franklin Roosevelt, no mesmo jipe.

A IV Frota não existe desde os anos 50. O sucessor de Ingram no comando da IV frota é o almirante Joseph Kernan. Ele tem um perfil inusitado para a função: só atuou como marinheiro tradicional no início de sua carreira. A maior parte de sua atividade profissional se deu como oficial do SEAL, especializado em operações especiais, como demolição submarina. Que falem os especialistas:

Considerando el perfil del Almirante Kernan, que parecería indicar que no sea el más apropiado para una flota de relaciones públicas y ayuda humanitaria, sugiere que la organización de la 4ta Flota, dependiendo orgánicamente del Comando Sur, responde mas bien a una apreciación estratégica para el mediano plazo, en la cual se visualiza que Centro y Sudamérica sufran un empeoramiento de sus actuales conflictos, los cuales podrían escalar hasta el nivel de lucha armada, de variada intensidad, con distintas características, en distintas regiones, desarrollándose en forma simultanea y sin que Brasil, por quien se esta apostando mucho en este sentido, no pueda o no quiera involucrarse decisivamente en su solución.

Colômbia e Venezuela, sem dúvida, mas também a importância crescente do Atlântico Sul para a indústria mundial de petróleo.

3 comentários:

Ramon Blanco disse...

Grande Maurício, tudo bom Professor?

O tema é quente (literalmente) e está rodando a mídia internacional. A pesquisa do SIPRI realmente é bem interessante sobre o assunto. Acho que você deve ter lido mas não custa reforçar, a Economist dessa semana está justamente com uma matéria sobre o assunto (http://www.economist.com/world/la/displaystory.cfm?story_id=11455155)

Ai fiquei com umas perguntas, somente um conselho sul-americano de defesa poderia moderar essa corrida?! Como é tratata essa corrida no âmbito das Organizações Regionais (se é tratada)?!

Grande abraço,
Ramon

Anônimo disse...

Realmente, a refundação da Quarta Frota foi tratada de forma muito discreta pela imprensa brasileira.

Li sobre isso na época, e percebi uma sombria coincidência com o anúncio dos campos de petróleo gigantes da Petrobrás (que eu considero apenas isso, uma coincidência).

Não sei até que ponto isso significa um olhar voltado para as ambições expansionistas de Chávez. Mas eu já dei muita risada com teorias conspiratórias que têm sido veiculadas a esse respeito.

Maurício Santoro disse...

Salve, Ramon.

Já tinha lido a matéria na Economist, o Globo também publicou várias reportagens a respeito.

Sobre a sua pergunta, me parece que a OEA poderia (e deveria) ser mais ativa a esse respeito. Mas para a diplomacia brasileira, a OEA tem um pecado de origem, que é incluir os Estados Unidos, e portanto a busca de uma organização exclusivamente sul-americana.

Caro Marcus,

foi só eu comentar o pouco destaque da imprensa e eis que hoje sai o Le Monde Diplomatique de junho, cuja capa é exatamente a recriação da IV Fronta. A chamada destaca a importância dos recursos naturais sul-americanos.

Abraços