terça-feira, 10 de junho de 2008

Soldados da Pátria



Muitas vezes bons livros entram na estante de um professor por causa dos alunos. Como diz Tom Zé, se a gente não aprende com eles (isto é, com a vida) estamos na profissão errada. “Soldados da Pátria – história do exército brasileiro, 1889-1937”, do historiador americano Frank McCann virou um campeão de popularidade entre meus estudantes, tanto militares quanto civis. Depois de ouvir pela terceira vez a pergunta sobre o que eu achava de sua análise sobre a missão francesa, resolvi comprar o livro.

É obra que impressiona pelo tamanho – cerca de 700 páginas, sendo 150 de notas e referências bibliográficas – e que cumpre a promessa do subtítulo. McCann é um brasilianista especialmente dedicado à influência do Exército na política e seu novo trabalho deve virar um clássico, ponto de partida para quem quiser estudar o tema, embora na boa companhia de autores nacionais como José Murilo de Carvalho (“Forças Armadas e Política no Brasil”), Celso Castro (“O Espírito Militar”, “A Invenção do Exército”) e Edmundo Coelho (“Em Busca de Identidade”).

McCann compartilha com esses autores a perspectiva de que é preciso estudar os aspectos institucionais do Exército, dos seus constantes esforços para se modernizar, para compreender seu papel político. Neste livro, seu panorama começa com o estabelecimento da República, passa pela revolta da Armada e pela guerra civil no sul (1893-1895), pela revolta da Vacina (1904), pelas rebeliões de Canudos e do Contestado, pelas insurreições dos tenentes na década de 1920, pela revolução de 1930, a guerra civil de São Paulo (1932), a Intentona Comunista (1935) e, finalmente, a implantação do Estado Novo. Tempos interessantes, nos quais o Exército jogou papel central nas principais crises políticas.



Contudo, McCann ressalta a todo momento a fragilidade institucional do Exército nesse período. Fraco militarmente, era facilmente sobrepujado por polícias estaduais como a de São Paulo, que tinha armamento mais moderno (incluindo aviação) e melhor treinamento. Cerca de 75% dos efetivos do Exército estavam concentrados no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, com as demais unidades muito dispersas pelo país. Os salários eram baixos, as instalações de má qualidade e o recrutamento, problema constante, em geral resolvido à força, pela incorporação de criminosos ou vagabundos. O envolvimento permanente dos oficiais com a política minava a disciplina, que funcionava mais por laços de amizade e aliança do que pelo respeito às patentes.

O livro de McCann também conta a história dos esforços de superação dessa fragilidade, como a reflexão promovida pelos militares da revista A Defesa Nacional, a campanha do poeta Olavo Bilac pelo recrutamento universal e obrigatório, os chamados “jovens turcos”, que buscavam inspiração e treinamento na Alemanha, e a questionável opção da elite brasileira em contratar uma missão militar na França, cujos métodos já estavam ultrapassados diante da ascensão dos Estados Unidos. Destacam-se oficiais como José Pessôa, Tasso Fragoso e Goés Monteiro.



McCann não descreve em detalhes as rebeliões tenentistas, como a Coluna Prestes (foto acima), e se concentra em seus impactos desastrosos para a estrutura de comando do Exército. Ele argumenta que ela simplesmente se dissolvera ao fim da década, o que ajuda a explicar a facilidade com que Vargas e seus aliados tomam o poder em outubro de 1930 (foto que abre o post). A história dos anos seguintes seria a luta do novo presidente para consolidar seu poder, manobrando com habilidade quase inacreditável entre as diversas oligarquias dissidentes, sobretudo a paulista e a gaúcha, e lidando com comunistas, integralistas e tenentes insurretos.

O resultado seria a implementação do Estado Novo, que Vargas bem resumiu: “Em 1930 fiz a revolução com os tenentes, em 1937, com os generais”. Homens como Dutra e Goés Monteiro, que ele promovera por seu desempenho na guerra civil, e que depois terminariam por derrubá-lo em 1945 e 1954.

2 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Exelente, como sempre. Me chamou a atençäo esse parágrafo:

"Contudo, McCann ressalta a todo momento a fragilidade institucional do Exército nesse período. Fraco militarmente, era facilmente sobrepujado por polícias estaduais como a de São Paulo, que tinha armamento mais moderno (incluindo aviação) e melhor treinamento. Cerca de 75% dos efetivos do Exército estavam concentrados no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, com as demais unidades muito dispersas pelo país. Os salários eram baixos, as instalações de má qualidade e o recrutamento, problema constante, em geral resolvido à força, pela incorporação de criminosos ou vagabundos. O envolvimento permanente dos oficiais com a política minava a disciplina, que funcionava mais por laços de amizade e aliança do que pelo respeito às patentes."

Realmente näo savia dos problemas que tivo o exército brasileiro. Nunca ouvi dos mesmos inconvenentes na Argentina, em especial de semelhante poderio da polícia.
Saludos!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

De fato, durante todo o período estudado no livro, a principal hipótese de guerra do Brasil era a Argentina, e os militares daqui olhavam com inveja e admiração os vizinhos do Prata.

Para encontrar um cenário de fragilidade nacional semelhante em seu país, você teria que recuar até o século XIX, quando as tropas de um caudilho como Urquiza podiam derrubar o exército nacional de Rosas (com a mão amiga das tropas imperiais brasileiras, por supuesto).

Abraços