segunda-feira, 24 de novembro de 2008
O Estado e suas Transformações
O tempo na minha vida nova anda tão intenso que é difícil acreditar que a semana tenha apenas sete dias. Na segunda passada começou o eixo de ciência política no curso de formação, e tivemos os módulos dedicados às transformações do Estado e à cidadania no Brasil, ministrados por professores da Unicamp e da USP. Uma bem-vinda novidade para mim, acostumado ao estilo e às abordagens teóricas do Iuperj. O tema que atravessou todas as aulas foi o papel estatal na promoção do desenvolvimento econômico.
Os marxistas clássicos afirmavam que o Estado era o instrumento da aplicação do poder das classes dominantes. Os neo-marxistas que escreveram a partir da década de 1960 refletiam de maneira mais sofisticada. Tinham que explicar o surgimento do Welfare State e o estabelecimento de uma série de direitos sociais. De modo que autores como Nicos Poulantzas e Claus Offe chamaram a atenção para a relativa autonomia do Estado diante das classes sociais, e de como às vezes era interessante para as próprias elites que isso acontecesse, pois assim aumentava a estabilidade do sistema e diminuia o conflito social.
Muitos estudiosos dos países em desenvolvimento examinaram a presença da autonomia estatal como um dos elementos-chave para a modernização da economia. A situação contrária seria a “captura” do Estado por conglomerados empresariais, pequenos grupos étnicos ou familiares, ou qualquer conjunto de pessoas que procurasse reduzir as instituições públicas a interesses particulares.
O autor com a visão mais rica a esse respeito é o sociólogo americano Peter Evans. Ele cunhou três tipos ideais (isto é, construções teóricas) de Estado: o predatório, simbolizado pelo Congo/Zaire da ditadura de Mobuto; o desenvolvimentista, representado pelos tigres asiáticos (Coréia, Taiwan) e o modelo intermediário, em que se destacam Brasil e Índia. Para Evans, o paradigma bem-sucedido é aquele em que os órgãos estatais têm a “autonomia inserida” (embebbed autonomy). Ou seja, transitam numa linha de difícil equilíbrio entre o isolamento das pressões sociais na hora de decidir e implementar políticas públicas, mas têm seus tecnocratas como parte de densas redes de contatos formais e informais que os vinculam aos grandes grupos empresariais.
Traçar com precisão a diferença entre autonomia, autonomia inserida e um Estado insulado, fechado e isolado da sociedade, é bastante complicado e rendeu um dos mais ricos debates acadêmicos dos quais já participei, porque os colegas trouxeram suas experiências concretas em diversos órgãos públicos. De modo geral o consenso entre os pesquisadores é que o Estado brasileiro como um todo deixa muito a desejar, mas que possui “bolsões de eficiência” ou “ilhas de excelência”, formadas por órgãos como BNDES, Petrobras, Sumoc/Banco Central, o antigo DASP da Era Vargas, o Ministério das Relações Exteriores e outras mais, inclusive (quero crer) minha própria carreira.
Há uma cientista política americana, Barbara Geddes, que também aborda o tema e escreveu o excelente livro “Politican´s Dilemma – building state capacity in Latin America”. Seu argumento é que os políticos precisam de uma tecnocracia capacitada, capaz de transformar decisões em ações de Estado. Mas também necessitam distribuir cargos para aliados, mesmo que essas pessoas não sejam competentes e qualificadas. Quanto mais frágil a base de apoio do presidente, mais ele terá que recorrer ao clientelismo e à troca de favores.
Geddes construiu uma tipologia muito interessante, de quatro grandes estratégias para líderes políticos no que toca às relações com a burocracia: reforma do serviço público; compartimentalização – isto é, a criação das tais ilhas de excelência; partidarização da administração pública e “sobreviência imediata”, na qual o risco de deposição é tão grande que vale tudo para manter o presidente no poder.
A crise financeira mundial está reforçando a atuação do Estado na regulação e na promoção do desenvolvimento. Meu palpite é que veremos novas e instigantes pesquisas sobre esses temas.
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4 comentários:
Usualmente têm-se pensado no Estado como um conjunt de "ilhas de excelência".
Mas o que dizer de setores nelvrálgicos, como segurança,saúde e deucação, que são raison detrê, mas que não se consegue (salvo boa e raras excessões, e a Universidade é uma dessas excessões) ser ao mesmo tempo universalizado e com qualidade de excelência.
Infelizmente o Estado (em qualquer nível) tem cumprido a teoria do lençol curto, ou cobre a cabeça ou os pés...
Pois é, Giovanni, as ilhas de excelência costumam estar limitadas aos setores que tratam dos temas econômicos, embora eu concorde com você que há muitos segmentos das universidades que deveriam ser incluídos nesse grupo de elite.
Abraços
Salve meu caro, não foi ela que comparou os modelos de desenvolvimento do Frondizi e do Kubitschek?
Grande abraço.
Paulo
Salve, dom Paulo.
Não, essa foi outra americana, a Kathryn Sikkink, que foi minha professora na Argentina.
Abraços
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