sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O Homem que Inventou Fidel




Aconteceu em fevereiro de 1957, durou três horas, mudou a vida dos envolvidos, e quem sabe a própria História. O veterano jornalista Herbert Matthews despistou o Exército cubano e entrou na Sierra Maestra, onde entrevistou Fidel Castro, o líder da pequena guerrilha que tentava derrubar a ditadura de Fulgencio Batista. Matthews foi o primeiro repórter a falar com ele depois do início da luta armada, desmentindo a versão governamental de que havia morrido em combate. Rendeu a primeira página do New York Times, transformando Fidel numa celebridade internacional.

Essa é a parte mais conhecida da saga, mas o jornalista Anthony DePalma nos conta mais em seu livro - “O Homem Que Inventou Fidel – Cuba, Fidel e Herbert L. Matthews do New York Times”. Basicamente, como o velho repórter foi seduzido ideologicamente pelo líder guerrilheiro e passou a advogar sua causa e a da Revolução Cubana junto à opinião pública americana, numa atitude que destruiu sua carreira à medida que se radicalizaram as relações entre Washington, Havana e Moscou.

Matthews tinha décadas de experiência a serviço do New York Times quando conheceu Fidel, mas também havia demonstrado perigosa tendência em simpatizar demais com os países/grupos políticos que cobria. Nos anos 30, com o Japão e a Itália fascista. Na Guerra Civil Espanhola, com os republicanos. Escrevia reportagens e editoriais sobre a América Latina quando Cuba começava a se tornar um tema importante, e a correspondente local, Ruby Phillips, era próxima ao regime de Batista, ou simplesmente acomodada demais à sua velha rotina para desafiar as fontes oficiais.

Em 1957 os rebeldes mantinham uma pequena guerrilha na Sierra Maestra e um amplo movimento clandestino nas principais cidades da ilha. A entrevista com Matthews foi um sensacional golpe publicitário. O jornalista descreveu Castro como um Robin Hood ou George Washington, dizendo que ele implantaria uma versão cubana do New Deal. Nos meses seguintes, defendeu Fidel daqueles que o acusavam de ser comunista, ou de ser tolerante com colaboradores dessa ideologia, como seu irmão Raúl e Che Guevara.



Entre 1957 e 1959, Matthews foi crucial para angariar a simpatia da opinião pública, e mesmo de vários segmentos da burocracia americana, para a Revolução Cubana. A lua-de-mel dos EUA com o barbudo foi curta. Poucas semanas após sua tomada do poder, começaram as críticas em função dos fuzilamentos e dos primeiros confiscos de propriedades de empresas americanos. Depois vieram a frustrada invasão da ilha, orquestrada pela CIA na Baía dos Porcos, a entrada de Cuba na órbita da URSS, a crise dos mísseis e o início do embargo.

A defesa de Fidel por Matthews foi se tornando cada vez mais impopular. Ele passou a ser vigiado pelo FBI, investigado pelo Congresso, ameaçado e agredido por opositores de Castro, ridicularizado pelos colegas e terminou se indispondo com a direção do New York Times, que o manteve no jornal, mas parou de publicar seus textos. Sobraram poucos amigos – Ernest Hemingway, seu admirador desde a guerra da Espanha, universidades como Stanford, pequenas publicações de esquerda.

Matthews foi considerado herói da Revolução Cubana, homenageado por Fidel. Contudo, Castro o humilhou numa cerimônia, contando uma história – quase com certeza, inventada – de que teria enganado o jornalista fazendo suas parcas tropas marcharem em círculos, para dar a impressão de serem mais numerosas. O que parece ter ocorrido foi outro truque: os guerrilheiros falavam em novidades da “segunda coluna”, quando à época só havia uma. E se vangloriavam de armas e recursos que não tinham. Matthews acreditou neles.

O livro de DePalma tem uma história curiosa. Ele é repórter do New York Times e foi encarregado do obituário de Fidel, para a alegria de sua esposa, uma exilada cubana. Na pesquisa, ficou fascinado com Mattews. Chega a apontá-lo com o percursor do jornalista partidário que se tornou popular nos EUA atuais, como os apresentadores de talk radio. Ok, isso não é elogio. Mas daria uma bela reflexão num curso sobre mídia e relações internacionais, que talvez eu lecione algum dia...

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