segunda-feira, 2 de março de 2009

Nove


Meu curso de formação está no fim e voltei a ter tempo para leituras outras que não as exigidas pelo ministério. No pacote que me chegou da Amazon, o mais interessante foi “The Nine – inside the secret world of the Supreme Court”, do jornalista americano Jeffrey Toobin, que escreve para a New Yorker e comenta temas jurídicos na CNN. É uma obra excepcional que mistura reportagem, ciência política e direito para analisar as encruzilhadas do Poder Judiciário nos Estados Unidos.

Breve introdução institucional: os EUA inovaram ao criar, já em sua fundação como nação independente, uma Suprema Corte com poder de vetar decisões dos demais poderes, e de influenciar fortemente a política pública por meio da interpretação da Constituição. No entanto, durante a maior parte da história americana essa prerrogativa foi pouco utilizada. Isso começou a mudar após a Segunda Guerra Mundial, quando a Suprema Corte adotou posturas bem mais ativistas, que levaram à decisões históricas, como o fim da segregação racial nas escolas (Brown v. Board of Education, 1954), a obrigação da polícia ler os direitos dos suspeitos (Miranda v. Arizona, 1966) a legalização do aborto (Roe v. Wade, 1973) e a ordem para o presidente Nixon entregar as fitas de Watergate.

O primeiro terço do livro de Toobin começa com a análise da reação dos conservadores à atuação progressista da Suprema Corte nas décadas de 1950-1970. A direita americana se articulou em diversas frentes, como a sociedade federalista e o movimento originalista, e a ascensão dos grupos religiosos no Partido Republicano também alterou o equilíbrio de influência. As linhas de divisão ideológica passam por temas clássicos como a autonomia dos estados diante da União, os poderes do governo diante da liberdade dos cidadãos. Mas de maneira crescente se voltam para as chamadas “guerras culturais”, centradas no aborto, nas políticas de ação afirmativa e nos direitos dos homossexuais. Toobin faz uma ótima crônica sobre as decisões da Suprema Corte entre os governos Reagan e Clinton e examina como, na maioria desses temas, houve um retrocesso com relação às decisões anteriores. Mas não em todos: a agenda dos gays avançou bastante.



O centro do livro é a narrativa dos embates entre o Poder Judiciário e o Executivo na conturbada presidência de George W. Bush. Toobin analisa em detalhes o papel que a Suprema Corte desempenhou na disputa eleitoral da Florida, que deu vitória ao candidato republicano, mas mostra como a maioria conservadora do tribunal acabou por se desiludir com Bush e contrariar diversas de suas medidas, em particular aquelas que envolviam tortura e a abolição do habeas corpus dos prisioneiros em Guantánamo.

Como o título da obra já indica, Toobin destaca a personalidade de cada um dos nove juízes que compõem a Suprema Corte, e o resultado é uma descrição muito interessante – e cheia de supresas – sobre como biografias, ideologias políticas e personalidades convergem em cada decisão. Há um pouco de tudo, desde juízes solidamente progressistas e devotados às causas sociais (Ruth Ginsburg), conservadores equilibrados (Wiliam Rehnquist), raivosos (Antonin Scalia, Clarence Thomas), centristas sempre em busca da posição que reflita o interesse da maioria dos cidadãos (Sandra O´Connor) e um ex-direitista cujas frequentes viagens internacionais o tornaram incrivelmente aberto a influências do direito internacional para renovar as leis americanas (Anthony Kennedy).

Entre 1994 e 2005 não houve substituição de juízes na Suprema Corte – um dos períodos mais longos sem mudanças. Ao fim, Bush nomeou dois membros bastante conservadores para o tribunal, mas a transformação nas decisões foi bastante lenta e questionada. Nos últimos anos, 1/3 das decisões foram tomadas com o placar de 5 x 4, o que mostra o quanto a Suprema Corte se tornou dividida e polarizada. Como a média de idade dos juízes é muito elevada, Obama tem uma boa chance de nomear novos membros e, quem sabe, levar o mais importante tribunal dos Estados Unidos para posições mais progressistas.

6 comentários:

Renato Feltrin disse...

Maurício,

Excelente leitura. Vou procurar um exemplar hoje mesmo.

Maurício Santoro disse...

Meu exemplar, está à sua disposição, meu caro. Aliás, é um ótimo pretexto para tomarmos um chope.

Abraços

carlos disse...

caro santoro,

após a leitura desse post, em referencia à suprema corte dos esteites, tomo a liberdade de sugerir um artigo sobre a nossa, mormente a atuação midiática de seu presidente.

carlos anselmo-eng°-fort-ce

Maurício Santoro disse...

Sugestão anotada, Carlos. Mas confesso que preciso conhecer bem mais sobre o Poder Judiciário no Brasil.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Näo tenho dúvidas... você tem que deixar a burocracia federal e consiguer trabalho numa editorial como redactor das contratapas e publicidades! Ha, ha, ha!
Só um comentário. Eu penso que näo é o central a ideologia dos juízes mas sim sua capacidade e honestidade, pensando que nos EUA o Poder Judiciário näo está livre da corrupçäo nem muito menos.
Saludos!

Maurício Santoro disse...

Dom Patricio,

Ha ha ha ha!

A burocracia federal é uma excelente mãe. Mas eu já trabalhei como assessor de imprensa para uma editora, de modo que certos hábitos nunca se perdem!

Abraços