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O Irã é uma potência regional no Oriente Médio e um ator de destaque em vários conflitos locais, no Líbano, Palestina e Afeganistão. É um mercado promissor para o agronegócio. As duas características, somadas, o tornam um interlocutor importante para o Brasil, nesta conjuntura em que o país almeja maior presença no Oriente Médio e que, numa impressionante demonstração de prestígio internacional, recebe em poucos dias três chefes de Estado da região. Contudo, a visita do mandatário iraniano ao Brasil ocorre em péssimo momento: em meio à crescente pressão diplomática contra seu programa nuclear, e logo depois de uma violenta onda repressiva contra seu movimento democrático.
Ao longo do século XX, o Irã sofreu diversas invasões: da Gra-Bretanha, da União Soviética, do Iraque. Os Estados Unidos intervieram de forma brutal em sua política, em particular no golpe de Estado da década de 1950 contra o regime nacionalista que asssumiu o controle da indústria do petróleo. Desde a Revolução Islâmica de 1979, os dois países vivem em conflito. Nos primeiros anos do século XXI, o Irã viu seu vizinho mais importante ser ocupado por exércitos estrangeiros, liderados pelos EUA e pelo Reino Unido. Além disso, o país se envolveu em guerras religiosas, apoiando grupos xiitas no Líbano e na Palestina, e enfrentando Israel em batalhas clandestinas que chegaram até a Argentina. Nesse contexto, não causa espanto que Teerã busque armas nucleares.
Tampouco provoca surpresa que as grandes potências – inclusive Rússia e China - rejeitem esse pleito. O Irã é uma força desestabilizadora numa região turbulenta, seu xiismo militante apavora os Estados sunitas, numa mistura de milenares rivalidades religiosas, culturais e étnicas (árabes contra persas). Seu virulento antissemitismo é recente, em parte fruto da rejeição da Revolução Islâmica aos entendimentos entre Israel e o xá Reza Pahlevi contra inimigos comuns, como o nacionalismo árabe.
O presidente Lula foi cauteloso ao afirmar que o apoio brasileiro ao programa nuclear iraniano está condicionado ao caráter pacífico dessa iniciativa, e ao respeito às normas internacionais. Contudo, nas condições atuais, receber Ahamadinejad significa ajudá-lo a romper o cordão de isolamento que os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU tentam construir a seu redor. Indispor-se com os integrantes desse clube seleto não é a melhor maneira de candidatar-se a fazer parte do grupo.
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Além do programa nuclear, há a questão das violações de direitos humanos perpretadas pelo governo iraniano, em particular a repressão aos protestos contra a reeleição de Ahamadinejad em 2009. Mesmo que aceitemos as alegações de Teerã de que não houve fraudes na votação, nada justifica as prisões arbitrárias e torturas cometidas pelo regime. A violência foi tão grande que provocou uma cisão na elite do país, com os clérigos da cidade sagrada de Qom lançando uma inédita manifestação contra o governo.
Naturalmente, o Irã não está sozinho em seu autoritarismo. Podemos fazer uma analogia, por exemplo, com o massacre da praça da Paz Celestial na China, em 1989. A diferença é que no caso chinês se trata de uma grande potência, cujo enorme poder dá pouco espaço para questionamentos e negociações. Mas uma relação política intensa com o Irã é uma opção, não uma necessidade. Uma escolha que precisa levar em conta os impactos para um momento em que a política externa brasileira frisa a importância da preservação da democracia em Honduras, onde há o risco de criar um precedente para o retorno do golpismo na América Latina.