quarta-feira, 21 de maio de 2008
Osorio e as Guerras no Prata
A semana que passei na Academia Militar foi também excelente oportunidade para conhecer melhor a história e as tradições do Exército. Coincidiu que minha leitura por estes dias fosse “General Osorio”, biografia recém-lançada do oficial cuja trajetória se confunde com a formação das Forças Armadas do Brasil. O autor é o historiador Francisco Doratioto, que escreveu uma já clássica história da Guerra do Paraguai.
Estranhei que Doratioto optasse por biografar Osorio, e não o Duque de Caxias, mas ele explica na introdução do livro que no século XIX Osorio era muito mais popular. Vindo de baixo, do ambiente dos peões gaúchos, tinha mais empatia com a tropa do que Caxias, que era da aristocracia militar. Segundo Doratioto, o duque só se tornou figura de culto nacional a partir do Estado Novo (1937-1945), porque Vargas buscava um general que simbolizasse o poder central forte. Osorio, liberal que sempre defendeu o federalismo e a descentralização, e chegou a lutar ao lado da Revolução Farroupilha, não se prestava ao papel.
Osorio era fruto da turbulenta fronteira sul, sempre em disputa entre Espanha e Portugal, e depois palco de conflitos entre os novos países. Estreou como soldado lutando na então província Cisplatina do Brasil, atual Uruguai, contra tropas portuguesas que se opunham à independência. Depois voltou àquele território, mas para combater a população local e seus aliados de Buenos Aires, que buscavam se libertar do Império. O resultado foi a criação do Uruguai.
O Rio Grande do Sul foi província muito particular no Brasil, com tradição guerreira e de autonomia com relação ao governo central. Nos anos difíceis de consolidação do Estado nacional, era fonte permanente de revoltas. A mais famosa e longa foi a Farroupilha (1835-1845), que começou como rebelião contra abusos fiscais da Corte, e logo virou movimento separatista e republicano. Osorio lutou com os insurgentes no primeiro momento, mas depois retornou para o lado do Império. A revolta foi o divisor de águas em sua carreira, em especial quando virou homem de confiança de Caxias, que o promoveu repetidas vezes. Mas a pecha de republicano enrustido ficou com ele para sempre, e era com freqüência usada por seus adversários na monarquia.
No Exército, mesmo hoje em dia, o Rio Grande do Sul ocupa um lugar de destaque. São muitos oficiais gaúchos e conversei com eles sobre Osorio – muitíssimo admirado por todos, inclusive é o patrono da cavalaria, a arma por excelência dos pampas. No século XIX a região que engloba Rio Grande do Sul, Uruguai, as províncias argentinas de Corrientes e Entre Ríos e o Paraguai era uma terra de fronteiras ainda indefinidas, lealdades regionais fortes e uma cultura comum transnacional, fascinante. Líderes como Osorio tinham amigos, aliados e propriedades em vários países. Ele realizou missões de espionagem na Argentina e no Uruguai, monitorando a situação política local e as conseqüências para o Brasil.
O período das guerras no Prata (1820-1870) é um dos menos estudados na história diplomática brasileira, mas foi essencial para a formação do país. O Brasil buscou impedir que a Argentina reunisse novamente os territórios do antigo Vice-Reinado do Prata (que incluía também Paraguai, Uruguai e partes da Bolívia) e tentava manter o acesso aos rios da região, fundamentais para se alcançar as províncias do centro-oeste, como Mato Grosso. O auge dessas lutas foi a guerra contra a Argentina (1852) e, claro, a Tríplice Aliança contra o Paraguai (1864-1870). Osorio foi importante em todas, em especial nesta última, em que chegou a comandar o Exército.
Muita coisa mudou na América do Sul e hoje os antigos rivais são parceiros no processo de integração regional do Mercosul. Na própria Academia Militar, há convívio intenso entre cadetes de vários países do continente. Em minhas aulas aos cadetes, ressaltei que os militares que proclamaram a República no Brasil se formaram na dura experiência das guerras no Prata. Sabiam a importância de manter boas relações com os países vizinhos e promoveram a chamada “americanização da política externa brasileira”, reforçando os vínculos na América do Sul. Neste ano que se comemora o bicentenário de nascimento de Osorio, é uma lição sempre útil para recordar.
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