sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Duque de Caxias: por trás do monumento



Li por estes dias a excelente biografia “Duque de Caxias: o homem por trás do monumento”, da historiadora Adriana Barreto de Souza. Ela se soma ao ótimo perfil do general Osorio, de autoria de Francisco Doratioto, para compor um panorama contemporâneo dos dois principais líderes militares brasileiros do século XIX. Para quem se acostumou com a imagem de um Brasil pacífico, impressiona observar o quanto os conflitos bélicos foram essenciais para a política do país nas primeiras décadas de vida independente.

O maior mérito do livro de Adriana de Souza é mostrar como a excepcional trajetória de Caxias se inseriu no contexto de ampla teia de relações pessoais e familiares, que se iniciou com a aposta de seu tio-avô, ainda no século XVIII, de emigrar de Portugal ao Brasil, em busca de oportunidades de acensão social que inexistiam na Europa. Foi o início de uma dinastia militar que galgou passo a passo as principais hierarquias na Colônia e no jovem império, aproveitando as oportunidades criadas pelas guerras no Prata, pela vinda da família real, pela Independência e mais tarde pela necessidade de debelar as rebeliões provinciais durante a Regência.

Embora Caxias tenha se tornado célebre como líder conservador do Segundo Reinado, a história de sua família está ligada aos liberais. Seu pai e tios serviram com distinção a dom Pedro I, ajudando a combater os vestígios do domínio colonial na Bahia, e a reprimir as manifestações populares contrárias ao monarca. Contudo, o imperador privilegiava os oficiais nascidos na Europa e vivia às turras com os parentes de Caxias. O pai do futuro duque foi decisivo nas mobilizações cívico-militares que culminaram na Abdicação de dom Pedro, e chegou mesmo a ser Regente do Império.

As turbulentas décadas de 1830 e 1840 foram fundamentais para Caxias. Já tinha impressionante experiência militar, nas guerras no Nordeste e na Cisplatina. Jovem major, tornou-se o chefe de polícia do Rio de Janeiro e se mostrou muito eficiente no ofício, que à época era muito delicado politicamente porque significava arbitrar conflitos entre liberais moderados e radicais, conservadores, militares e civis, negros libertos, escravos e brancos. É um período pouco estudado pelos biógrafos de Caxias, mas Adriana de Souza argumenta que foi essencial porque nele Caxias conquistou a confiança de diversos líderes políticos que impulsionaram sua carreira, do regente liberal padre Diogo Feijó (uma figura fascinante que merece ser mais pesquisada) aos expoentes do Regresso conservador que seriam os responsáveis pela maioridade precoce de d. Pedro II.



Tal credibilidade é que permitiu ao então coronel ser enviado ao Maranhão para enfrentar a rebelião dos Balaios. Ele se mostrou extremamente habilidoso na guerra e nas negociações políticas, e a autora nos explica como a perícia diplomática era vital para coordenar um Exército pouco profissionalizado, com baixa disciplina, muito semelhante às Forças Armadas do Antigo Regime. Caxias voltou do Nordeste general e nobre – barão. Daí em diante foi uma sucessão de vitórias: contra as rebeliões liberais em Minas Gerais e São Paulo (nesta, ele prendeu seu antigo chefe, padre Feijó) e a luta épica contra a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, onde encerrou um conflito de dez anos, numa vitória que lhe rendeu o título de conde e o cargo, vitalício, de senador do Império.

Um dos tios de Caxias havia sido líder farroupilha, e morreu no conflito. Lembrete do custo que as guerras civis do século XIX trouxeram para tantas famílias brasileiras. Outro ponto importante da experiência no Sul é como os embates dos gaúchos contra o Império estavam vinculados ao cenário internacional, das disputas com o Uruguai e a Argentina, no que foi, de fato, algo muito próximo a uma guerra civil sem fronteiras no Cone Sul. Que está a pedir uma abordagem histórica igualmente cosmopolita, e não as perspectivas nacionais tradicionais.

Adriana de Souza toca de leve nas vinculações entre os líderes militares e os partidos políticos, que era extremamente forte no século XIX. Os interessados podem ler o perfil que Doratioto escreveu de Osorio, que dá grande destaque à atuação do general entre os liberais. Caxias destacou-se como símbolo de um Estado forte e centralizado. Características que o tornaram incômodo para a Primeira República, mas que o fizeram ser redescoberto pelo Estado Novo.

Sua biografia se encerra com a vitória de Caxias sobre os farrapos. Resta torcer para que siga adiante em seu trabalho e conte também seu período na alta política Imperial e na guerra do Paraguai.

7 comentários:

Mário Machado disse...

Minha familia como tantas outras sangrou em Canudos, pelo lado da República...

É sempre bom lever perfis e biografias bem documentadas, vou ler essa de Caxias.

Uma grande alegria da minha vida foi ter convivido com Doratioto na UCB. Por um semestre não fui aluno dele, quando ele chegou já havia feito a disciplina, mas em conversas aprendi tanto quanto em aulas...

Wellington Amarante disse...

Caro Santoro, gostaria de ver em seu blog nos próximos dias uma análise sobre A queda de mais uma miragem capitalista - Dubai. Outro assunto que senti falta no seu blog, foi a visita do presidente do Irã. Você que era uma das vozes favoráveis aas relações entre Brasil e Irã, conforme post há alguns meses, não escreveu nada na passagem do líder iraniano em terras tupiniquins.

Forte Abraço.

Maurício Santoro disse...

Caro Mário,

A biografia do Caxias é excelente, e espero que em breve tenhamos mais estudos na mesma linha. Por exemplo, ainda está para ser escrito um bom estudo sobre os conflitos entre Exército e Marinha ao fim do período imperial, e de como isso culminou na Revolta da Armada no início da República.

Caro Wellington,

É natural que em periodo de crises haja retrocessos em diversos países, e Dubai sofreu bastante com a queda nos preços do petróleo, pois a cidade depende muito do investimento árabe. Não a vejo como miragem capitalista, pelo contrário, é um oásis promissor de desenvolvimento numa região estagnada.

Quanto ao Irã, deve ser tema do post de segunda. Meus últimos dias foram puxadíssimos e ainda não consegui me informar o suficiente sobre as negociações com o Brasil. Contudo, minha posição com relação ao tema é bastante matizada e tenho muitos pontos críticos à visita de Ahamadinejad.

Abraços

Eduardo Marculino disse...

Parabéns pela qualidade das postagens.
abraços

Maurício Santoro disse...

Obrigado, espero que você passe no vestibular! :-)

José Elesbán disse...

O professor Cesar Guazzelli, na UFRGS, desenvolve, ou desenvolveu, pesquisa sobre as guerras do Prata, no século XIX, o que inclui a Revolta Farroupilha.

[]

Maurício Santoro disse...

Obrigado pela dica, Ze Alfredo, vou procurar textos dele.

Abraços