segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Petróleo do Rio



Quanto mais pesquiso sobre a importância do petróleo para a economia do estado do Rio de Janeiro, mais me impressiono com seu peso para a região, e me preocupo com as distorções que essa dependência pode criar. Atualmente, o Rio produz 80% do petróleo extraído no Brasil e o setor irá se concentrar ainda mais no estado com a exploração da camada de pré-sal e a construção do pólo petroquímico em Itaboraí.

O petróleo fluminense é pesado, portanto seu valor é inferior ao do tipo Brent, usado como referência internacional. Mesmo assim, as riquezas geradas pelo setor são consideráveis e salvaram o estado da bancarrota. Do fim da década de 1990 até hoje os royalties petrolíferos aumentaram em 5000%, chegando a cerca de R$15 bilhões por ano em todo o Brasil. O Rio fica com 85% do total destinado aos estados, e 75% do que vai para os municípios. A nova lei do petróleo (9478/97) estabelece os critérios para a distribuição dos royalties. Os mais importantes para o Rio são as chamadas “Participações Especiais”, que incidem sobre os maiores campos e são responsáveis por 2/3 do total recebido pelo estado. Esses recursos é que são alvo das disputas no Congresso, com as bancadas nordestinas se mobilizando para aumentar a fatia da União e de sua região, já visando aos lucros do pré-sal.

Quando o Rio de Janeiro renegociou sua enorme dívida com a União, foi acordado que os royalties servirão a duas funções básicas: pagar esse débito e capitalizar o sistema previdenciário estadual. Parte dos recursos vai para um fundo especial dedicado a projetos de preservação do Meio Ambiente e realização de obras de saneamento. Alguns municípios (Campos, Macaé, Rio das Ostras, Duque de Caxias, Quissamã) recebem quantias consideráveis, e seus prefeitos podem gastá-las como quiserem. Um deles, Anthony Garotinho, surfou tanto na onda do petróleo que acabou no Palácio Guanabara, controlando o governo estadual por quase uma década. Os desperdícios são notórios, como uma cidade que pavimentou uma praça com piso de shopping center. Aqui e ali surgem boas idéias, como um programa municipal que paga a universidade para os moradores locais.

No Brasil de hoje, o imposto de maior valor é o ICMS, arrecadado pelos governos estaduais. A Constituição de 1988 estabeleceu que o ICMS oriundo da energia é cobrado nos estados consumidores, e não nos produtores. Essa decisão foi fruto da pressão da bancada de São Paulo, liderada pelo então deputado José Serra, que queria tributar para os cofres paulistas a eletricidade gerada em Itaipu, no Paraná. Acabou prejudicando também o Rio com a questão do petróleo embora o complexo petroquímico possa diminuir essas perdas.

O pré-sal tem mobilizado grandes expectativas – já ouvi estimativas que só a Petrobras contrataria até 200 mil pessoas. O problema é que se trata de um setor que recruta mão-de-obra muito especializada, e a má situação da educação no Rio significa que boa parte desses profissionais terá que vir de outros estados, possivelmente até de outros países. Há iniciativas de se qualificar mão-de-obra para outros projetos econômicos de grande porte, como na área de siderurgia, mas é preciso encarar a dificuldade: a educação pública fluminense é a pior do Sudeste. Os indicadores sociais reforçam esse obstáculo: 22% da população na pobreza, e a maioria dos trabalhadores na economia informal.

Além da Petrobras, a Eletrobras está sediada no Rio de Janeiro, o que torna a cidade um centro importante no mercado de energia. Os impactos chegam inclusive ao desenvolvimento urbano: as torres de escritórios que as duas empresas constróem no centro e na Lapa prometem revitalizar áreas importantes. Contudo, há um paradoxo: o abastecimento elétrico da cidade é feito pela Light, cuja maior acionista é a estatal Cemig, do governo de Minas Gerais. As constantes quedas de luz e apagões que o Rio tem experimentado nesse verão geram uma situação semelhante àquela outra terra rica em petróleo, a Venezuela. Aliás, o PIB do estado é mais ou menos o mesmo da República Bolivariana.

Oxalá seu destino seja diferente.

7 comentários:

Filipe. disse...

No seu texto trocar Rio por Espirito Santo, daria o mesmo sentido.

Maurício Santoro disse...

Imagino que sim, Filipe, talvez até mais no caso do ES.

Abraços

Lala disse...

Excelente blog. Altíssima qualidade. É a primeira vez que o leio e marcarei como uns dos meus preferidos.

parabéns.

Maurício Santoro disse...

Obrigado, Mariana.

Seja bem-vinda!

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:
A dependência do petróleo me faz lembrar muito às províncias patagônicas, que podem se dar "luxos" com tanto dinheiro. O tema é que lá a população é muito baixa e pode ser "comprada" com relativamente pouco.
Muito interessante, sempre aprendendo "algos" novos...
Pelo que vejo, o ICMS saria nosso IVA (Impuesto al Valor Agregado), só que administrado pelos estados e não pelo governo federal. Qué extranho! Tributação regressiva!
Abraços

Patricio Iglesias

Leo Cardote disse...

Tenho uma teoria: o Rio deixou de ser a capital econômica, perdendo pra São Paulo; deixou de se a capital política, quando fundaram Brasília. Mas aí, quando tudo parecia perdido, o Rio deu um jeito, e descobriu petróleo, ué. Tá de bobeira?

Destino manifesto é isso aí, rapaz.

Um abraço Maurício, de todo o pessoal da Pós da Cândido.

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Sim, é parecido com o IVA, mas me parece que no federalismo brasileiro os estados têm mais autonomia tributária e financeira do que no argentino.

A questão do petróleo também é parecida, a diferença é que nossa YPF contiua controlada pelo Estado, o que significa que ela é, entre outras coisas, um instrumento de políticas de desenvolvimento regional.

E a crise entre Cristina K e Medrado? Tenho que escrever sobre isso!

Caro,

Acho que é por aí, mas tenho um certo receio do que esse Destino manifesta... Torço para que o Rio consiga reinventar sua vocação como um pólo de serviços avançados, inclusive na área cultural.

Abraços