sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Os Jogos de Honduras



O sociólogo Juan Linz escreveu que a democracia só se consolida quando se torna “o único jogo na cidade”, isto é, a única opção legítima de acesso ao poder. Na quarta-feira tomou posse o novo presidente de Honduras, Porifirio Lobo, eleito após o golpe que derrubou Manuel Zelaya, em meio a uma disputa marcada por violência e irregularidades. O desfecho da crise hondurenha é má notícia para a democracia na América Latina, pois mostra que golpes ainda são estratégias viáveis na região, mesmo que em formato mais restrito do que no passado.

Durante a Guerra Fria, uma situação como a de Honduras teria um roteiro simples: o presidente seria deposto pelos militares que em seu lugar instalariam um general, que governaria por vários anos em nome do combate ao comunismo. No cenário contemporâneo, o que se desenhou foi um enredo mais confuso, mas que em síntese significa que ainda é possível usar a força para afastar um presidente, e reprimir seus apoiadores, contanto que depois sejam restituídos alguns (não todos) procedimentos democráticos.

Honduras foi um caso extremo, pois a pouca relevância política e econômica do país o tornou um alvo particularmente sensível às pressões internacionais, sobretudo dos países da América Latina e da União Européia. Uma nação que passasse por uma crise semelhante, mas tivesse mais recursos de poder – por exemplo, reservas de petróleo ou minérios importantes – com certeza teria mais capacidade para resistir ao isolamento diplomático e manter o novo governo resultante do golpe.

São precedentes sombrios para outros países latino-americanos que enfrentam crises institucionais: Venezuela, Bolívia, Paraguai, Guatemala.

A crise hondurenha mostrou as ambiguidades da política externa dos Estados Unidos para a América Latina. Obama não conseguiu contruir uma agenda alternativa aos governos anteriores e se mostrou reticiente em ações duras contra os golpistas. Em grande medida, pelas divisões existentes na burocracia e no mundo político americano, com os militares e os republicanos bastante satisfeitos em se verem livres de Zelaya e em diminuir a influência de Chávez na América Central.

A política externa venezuelana também saiu perdendo. No momento da crise, Zelaya teve que recorrer à embaixada do Brasil, pois abrigar-se sob a bandeira do bolivarianismo seria fatal para suas ambições. Ele precisava do apoio de um país moderado para afirmar a legitimidade de seu retorno à presidência.

E o Brasil tem aprendido de maneira dura – em Honduras e no Haiti – os limites da projeção de seu poder fora da América do Sul. Os esforços de estabilização e conciliação do país são sempre bem-vindos, mas faltam às autoridades brasileiras os recursos econômicos e militares para concretizaram seus ambiciosos objetivos, em especial quando os Estados Unidos decidem intervir.

8 comentários:

Mariana Cabral disse...

Oi, Mauricio!

Seu blog foi indicado por um amigo meu do curso e já está nos meus favoritos, adorei!

Realmente é assustador pensar que, ainda hoje, a ditadura é uma possibilidade.

"O" Anonimo disse...

Discordo de sua opinião sobre Honduras.

Porfirio Lobo foi eleito democraticamente, e em nenhum momento, o governo interino de Micheletti deixou dúvida alguma no ar de que haveria eleições na data marcada.

Quando você diz que a pressão internacional impediu que Honduras mantivesse o ‘governo do golpe’, isso não tem base factual alguma. É pura fantasia.

E mais: Zelaya foi deposto pelo bem da democracia hondurenha, dentro da lei hondurenha.

Maurício Santoro disse...

Olá, Mariana.

Que bom, seja bem-vinda.

Caro Anônimo,

As eleições em Honduras foram conduzidas de maneira irregular, com violações à liberdade de manifestação de opinião e de associação.

Se tivessem sido conduzidas dessa maneira, digamos, por Chávez ou Ahamadinejad, teriam sido veementemente condenadas pela comunidade internacional.

O governo golpista agiu de maneira truculenta desde os primeiros momentos de sua posse no poder e a deposição de Zelaya foi ilegal. Se tivesse sido conduzida de maneira correta, seria efetuada pela polícia e o presidente seria preso, e não expulso do país.

O golpe mostrou que para muitos setores latino-americanos golpes e ditaduras ainda são um recurso de poder válido. Antes, contra o comunismo, agora contra o chavismo ou algo semelhante.

Abraços

Anônimo disse...

“As eleições em Honduras foram conduzidas de maneira irregular, com violações à liberdade de manifestação de opinião e de associação.”

Falso. Foi uma eleição limpa que refletiu a vontade do povo hondurenho.

“Se tivessem sido conduzidas dessa maneira, digamos, por Chávez ou Ahamadinejad, teriam sido veementemente condenadas pela comunidade internacional.”

Discordo. Se tivesse sido conduzida por Chávez, Lobo não teria tomado posse e você sabe muito bem disso.

“O governo golpista agiu de maneira truculenta desde os primeiros momentos de sua posse no poder e a deposição de Zelaya foi ilegal. Se tivesse sido conduzida de maneira correta, seria efetuada pela polícia e o presidente seria preso, e não expulso do país.”

Mentira. O governo interino desde os primeiros momentos de sua posse no poder anunciou que não haveria mudança alguma no calendário eleitoral.

Quanto à expulsão do país, foi um erro, mas isso não invalida a obrigação constitucional das Forças Armadas daquele país tinha de depor o presidente que queria fazer um power grab.

“O golpe mostrou que para muitos setores latino-americanos golpes e ditaduras ainda são um recurso de poder válido. Antes, contra o comunismo, agora contra o chavismo ou algo semelhante.”

Eu não tenho dúvida alguma que um golpe contra o comunismo é sempre legítimo.

A legitimidade de um golpe contra um governo tentando implantar o comunismo não é diferente da legitimidade de uma mulher usar um spray de pimenta para tentar se defender de um estupro.

Marcelo L. disse...

Prezado Mauricio,

Continuo lendo sobre Honduras, e as coisas lá continuam não muito claras, o presidente de direito e fato Porfirio Lobo parece que tem alguma rusga com o predecessor de fato que chama de Senhor Michelleti, diferente do tratamento dado ao deposto que é tratado de presidente Manuel Zelaya.
Micheletti fez de tudo para não estar presente na entregar nem na aprovação de suas contas pelo Congresso ou na passagem de faixa...no primeiro caso foi obrigado a ir, no segundo internou-se em um hospital.
Já li em forum catracha algumas colocações intrigantes, tudo leva a crer que o Micheletti e sua trupe ainda não saíram de cena, e querem ter algum controle sob o atual governo, por sinal tem apoio para isso, o partido liberal parece ser muito forte na classe média hondurenha, por isso acredito que o jogo de Honduras pode ainda ter uma amarga prorrogação...

Abs.

Maurício Santoro disse...

Salve, Anônimo.

Que visão curiosa a sua sobre Honduras...

Ainda bem que a Internet é democrática. Se estivéssemos em Tegucigalpa, algum burocrata hondurenho já teria te tirado do ar.

Repito o que postei nos comentários sobre Chávez, porque o autoritarismo dos golpistas de Honduras e dos bolivaristas (ou dos ditadores brasileiros em 1964, chilenos em 1973 etc) cheira igual:

"Além disso, não há justificativa para a repressão à liberdade de expressão. Já vimos esse filme demasiadas vezes na América Latina, e sabemos que sempre acaba mal."

Todas as ditaduras se parecem, e os extremos políticos sempre se tocam.

Salve, Marcelo.

Minha tendência é ver esses conflitos mais como fruto de rivalidades pessoais pelo poder do que em função de projetos políticos distintos para Honduras. Infelizmente, concordo que o que já está ruim sempre pode piorar...

abraços

"O" Anonimo disse...

"Ainda bem que a Internet é democrática. Se estivéssemos em Tegucigalpa, algum burocrata hondurenho já teria te tirado do ar."

Isso é mentira. Existe plena liberdade de expressão em Tegucigalpa.

Quanto ao Micheletti, ele vai para a história como um herói da democracia latino-americana. Ele se negou a aceitar a provocacão dos bolivarianos, evitando assim mergulhar o país na guerra civil que Chávez e nossos diplomatas tentaram engatilhar com a volta de Zelaya, e conseguiu levar o país em paz (sitiada) até as eleicões livres que elegeram um candidato que é seu inimigo pessoal e de partido rival ao seu.

"Todas as ditaduras se parecem, e os extremos políticos sempre se tocam."

Honduras sob o governo constitucional interino não foi uma ditadura, e não se pareceu com ditadura alguma de que tenho conhecimento.

Patricio Iglesias disse...

Meu caro:

Excelente o artigo. Foi um atropelho total às instituições e um golpe terrível pra a confiabilidade da América Latina.

Mas algo me preocupa de suas palavras:

"faltam às autoridades brasileiras os recursos econômicos e militares para concretizaram seus ambiciosos objetivos, em especial quando os Estados Unidos decidem intervir."

Recursos militares? Explique... me extranha de alguém que tem escrito faz poucos anos que o que falta ao Brasil pra liderar à região é um modelo de desenvolvimento com redistribução.

Vejo que há novos admiradores do foro. Uma nova camada de conspiradores. Ha, ha, ha!

Abraços

Patricio Iglesias