quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Touros Indomáveis e Sem Destino



No fim da década de 1960, Holywood estava em crise. Acossados pela competição com a TV e fora de sintonia com os novos tempos, os grandes estúdios estavam à beira da falência. Num esforço para superar os problemas, os executivos resolveram dar poder a um grupo de jovens cineastas e atores – Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, George Lucas, Steven Spielberg, Warren Beaty, Roman Polanski, Jack Nicholson, Robert de Niro, entre outros - fortemente influenciados pela contracultura que grassava no país, e o resultado foram dez anos de criatividade explosiva e obras-primas, mas também de tragédias pessoais que em boa medida soterraram as promessas daquele grupo. O livro “Easy Riders and Raging Bulls ”, do jornalista Peter Biskind, conta esta história de modo brilhante, e agora finalmente saiu a edição brasileira, “Como a geração sexo, drogas e rock and roll salvou Hollywood”.

Para Biskind a revolução começou com dois filmes: “Bonnie and Clyde” e “Sem Destino”, que fizeram enorme sucesso e mostraram as novas tendências: desconfiança ou revolta com relação às autoridades (no clima dos protestos contra a guerra no Vientã e do escândalo de Watergate), mais violência, ousadia sexual, ambiguidade moral e mistura entre comédia e tragédia. Os novos cineastas eram influenciados pela doutrina francesa da Cahiers du Cinema do “diretor como autor”, desafiando a tradição americana na qual o produtor era a figura-chave da realização de um filme. É um sinal do desespero de Hollywood que a indústria tenha comprado essas pretensões e autorizado os jovens a brincar de criadores.



Muitos deles eram os primeiros cineastas americanos a terem estudado a disciplina em universidades, nas quais fizeram pequenos curta-metragens, ou no caso de Copolla, um longa. Suas referências eram sobretudo européias – a Nouvelle Vague francesa, Antonioni, Bergman ou então os japoneses Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu. Havia também admiração pelos mestres dos EUA, como John Ford, Howard Hawks, e acima de todos, Orson Welles. Os jovens diretores foram ajudados pelo avanço da tecnologia: com equipamentos mais leves e portáteis, queriam sair do mundo fechado dos estúdios e contar histórias na rua, com “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, como diziam suas contrapartes brasileiras.




O que é mais surpreendente é que esse programa radical foi compatível com o sucesso nas bilheterias, quando Coppola dirigiu “O Poderoso Chefão”, transformando um best seller sobre gangsters numa tragédia shakesperiana sobre poder e corrupção. Ou quando Scorsese filmou em “Taxi Driver” sua descida ao inferno de Nova York, com doses inéditas de violência e degradação urbana.

Contudo, a turma mais atinada com o circuito comercial percebeu que os colegas iam longe demais para o gosto do público mediano, e que havia demanda das platéias por um tipo de enredo mais convencional, de Bem contra o Mal, e que pudesse ser assistido por toda a família. Spielberg e Lucas notaram com atenção essas lições e inventaram os blockbusters contemporâneos com “Tubarão” e “Guerra nas Estrelas”, ainda que incorporassem alguns elementos contraculturais, como a valorização da inocência infantil, dos mitos, do inconsciente (da Força?), como seja.



Nesse processo, a indústria do cinema foi transformada. Até a década de 1970 os filmes estreavam em Nova York ou Los Angeles e aos poucos eram lançados em outras cidades dos EUA. O boca a boca era importante, bem como os críticos nos jornais, em especial a toda-poderosa Pauline Kael, do New York Times, que muito ajudou a nova geração. Talvez até demais, para sua isenção como jornalista. Mas com os blockbusters, os lançamentos passaram a ser mega eventos, centenas de cinemas ao mesmo tempo, com investimento pesado em publicidade, divulgação massiva na TV.

Os cineastas cujas carreiras são examinadas no livro sentiam fundo a contradição entre o desejo de serem autores rebeldes e suas posições como partes de uma indústria gigantesca e bem-sucedida, de lucros multimilionários que frequentemente enloquecem quem os recebe. No entanto, isso não é nada com relação aos comportamentos autodestrutivos descitos por Biskind, em particular com o abuso de drogas, manipulação pessoal, fogueira de vaidades, disputas individuais e casos extraconjugais em massa que destruíram muitas vidas e carreiras.

Por isso o livro tem um fecho melancólico, no qual Biskind analisa o declínio de tantos artistas que tiveram inícios geniais – Coppola é o exemplo mais expressivo, Peter Bogdanovich (“A Última Sessão de Cinema”) é outro, para não mencionar Polanski, preso por estuprar uma adolescente. Eles queriam ser autores, mas talvez não tivessem muito a dizer, alfineta Biskind. Scorsese é um belo contraste: soube manter um altíssimo padrão de qualidade, apesar de quase ter sido destruído pela cocaína. Os cineastas entrevistados manifestam idolatria por Woody Allen, que teria realizado o ideal dessa geração, mas ele é citado apenas de passagem por Biskind. Os interessados podem ler o excelente livro de entrevistas com o diretor.

4 comentários:

Renato Feltrin disse...

Maurício,

O livro original virou um documentário, produzido em 2003. Salvo engano, a película ganhou o título de: "Easy Riders, Raging Bulls: How the Sex, Drugs and Rock 'N' Roll Generation Saved Hollywood". Vale o ingresso.

Maurício Santoro disse...

Salve, Renato.

Vi o documentário há alguns anos, no GNT, na época até escrevi um post para os Conspiradores. A história, em vídeo ou livro, é deliciosa.

abraços

athalyba disse...

Gde Mauricio !

No GoogleVideo tem o documentário:

http://video.google.com/videoplay?docid=-4626447999396772927&hl=pt-BR#

abcs

Unknown disse...

O seu blog é fantástico, Xará! Adoro suas indicações de filmes, documentários e livros. Pena que é tão pouco acessível os livros, ainda acho eles muito caros por aqui :)
Nâo vejo a hora de chegar em casa e ver o documentário, muito obrigado pelo post, athalyba!
Um grande abraço Mauricio, tudo de bom pra você.